quarta-feira, 25 de maio de 2016

Revivendo Blumenau

* Por Urda Alice Klueger

(Para Eduardo Venera dos Santos Filho)

Hoje, de novo, saí em busca do passado. Subi a pequena encosta que leva à Igreja Luterana segurando na mão o coração tremeluzente de densa saudade. Estivera lá em cima diversas vezes nas últimas décadas – afinal, sempre alguém se casa, ou morre, ou se batiza, e há os túmulos dos antepassados – mas sempre subi com os olhos e o coração fechados para a emoção, sempre passei de raspão, sem querer olhar, sem querer lembrar – mas hoje fui lá especialmente para ver.

Fiz os cálculos: mais ou menos aqui se estacionava o carro. Ali embaixo era pasto, e quando chovia muito, ficava tudo inundado, e depois vinha o sol e naquela água parada se refletia o azul do céu e as nuvens vogando livres... E veio a lembrança da liberdade ali, lugar onde ninguém passava em dia de trabalho, abrigo certo e perfeito para quem estava tão, mas tão, mas tão apaixonado quanto nós. Era como se a ternura e o carinho não tivessem ido embora e pairassem por ali, em girândolas coloridas, e até agora, tarde da noite, ainda estou em dúvida se as girândolas estavam ou se foi só produto da minha imaginação.

Desviando um pouquinho o olhar, tinha sido o campo de futebol, Palmeiras Esporte Clube, e entre uma coisa e outra, a rua estreita e tortuosa, a única que havia então. Tudo mudou; a rua se multiplicou em diversas pistas lotadas de carros em movimento, e já não há campo de futebol nem nada é mais como foi: a paisagem está suja de uma imensidade de prédios e prediozinhos, um deles de vidros tão espelhados que parece que nem existe, e a gente só o descobre porque espelha aquela paisagem borrada que parece ter nascido do sonho de um pintor louco.                                                       Tudo mudou mesmo: coisas como grandes supermercados enchem a base do morro, e a encosta, que tivera elegante fileira de azaleias que juntos vimos florir por toda uma primavera, agora está coalhada por aqueles arbustos e outras coisas, como moitas de taquaras.

Mais uma vez olhei para as árvores: qual delas estivera ali naquela época, qual nascera depois, haveria testemunhas dos tempos que amor tão grande ali vinha se abrigar à sombra da igreja? Uma placa indicou-me duas palmeiras que ali estavam desde o século XIX – portanto, havia testemunhos vivos daqueles tempos tão maravilhosos que até parece que foram só de sonho... Indagava-me que outras plantas de então estariam ainda vivas, e então apareceu o zelador do local e conversei com ele, que sabia com exatidão que aquela árvore tinha 27 anos e coisas assim – pude tirar uma medida de quem ali estivera naquele tempo do nosso tempo e, enquanto conversava com o zelador, cumprimentava silenciosamente as velhas testemunhas daqueles momentos que pensava que estavam perdidos lá no passado.

Foi então... Como então, o sino das seis da tarde começou a tocar, o mesmo sino lá das lonjuras do tempo, aquele sino que anunciava seu carro subindo outro morro para me buscar no serviço, aquele sino que ouvíamos ali... Eu mal podia crer que aquele sino ainda existia e continuava tocando, e cada badalada dele batia na minha alma como uma flecha, e de novo era primavera, as azaleias estavam floridas e você usava aquela camisa de tergal branco e eu podia me abrigar, de novo, junto ao seu peito, e sentir seu aroma bom de limpeza e de Pinho Campos do Jordão, do qual guardo um frasco faz mais de quarenta anos... Então, chorei, mesmo que o zelador achasse estranho. O amor é assim... Não há como explicar...

Blumenau, 10 de janeiro de 2014

* Escritora de Blumenau/SC, historiadora e doutoranda em Geografia pela UFPR, autora de vinte e quatro livros (o 24º lançado em 5 de maio de 2016), entre os quais os romances “Verde Vale” (dez edições) e “No tempo das tangerinas” (12 edições).



Um comentário:

  1. Essas saudades são transmissíveis pelos olhos. Basta ler que elas pegam em todo mundo, dando apertos no coração.

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