quinta-feira, 19 de maio de 2016

Costa Rica entre mitos e realidade



* Por Marilza de Melo Foucher


Breve introdução


Eu tinha uma enorme curiosidade de conhecer Costa Rica, um país sem forças armadas e com outros princípios de governabilidade democrática que levam em conta a preservação da natureza e um modo de intervir para garantir a sustentabilidade do desenvolvimento. Esta era a imagem que muitas pessoas aqui na Europa têm deste país.

Alias, todos os guias, artigos publicados na Europa, os programas de instituições internacionais sobre questões ambientais e desenvolvimento sustentável, sempre exaltaram Costa Rica, tanto pelo fato de ser um país de paz, como exemplo a seguir do modelo de desenvolvimento distinto de outros países da América Latina. Seria Costa Rica realmente o novo paradigma de desenvolvimento?

Para mim esta indagação necessitava de resposta. Além de leituras e um bom roteiro de viagem com a ajuda de um amigo local, a melhor resposta para esta questão seria cruzar informações e buscar testemunhos de atores locais envolvidos com questões ambientais, culturais, de educação dentre outras. Assim procedi para escrever este artigo.

Alguns dados geográficos

Costa Rica reúne em um espaço geográfico de apenas 51.100 km² e, possui 212 km de litoral na costa caribenha e 1016 km na costa pacífica, conta com uma população de 4.610.000 habitantes. Apesar de seu espaço geográfico pequeno (um pouco menor do que o Estado do Rio Grande do Norte-NE) comparado com outros países da América Latina, este país conta com uma enorme diversidade do mundo vivo na natureza, mais conhecida hoje como a biodiversidade, assim como uma diversidade ecossistêmica que encanta qualquer ser humano com consciência ecológica disposto a observar esta exuberante natureza. Os ecossistemas terrestre, marinho e de água doce são diversos. A floresta é dominante no país e representa 45% do território nacional, as tropicais são as mais importantes, mas existem outros tipos de florestas, pântanos, mangues, os páramos e savanas. Cerca de 24,3% do país é coberto por pastagens e culturas perenes e plantações.

Atualmente existem 123 reservas privadas em Costa Rica e 28 parques nacionais. Costa Rica, através da sua legislação, definiu nove categorias de gestão para as áreas protegidas naturais do país, sob a liderança de um sistema de proteção nacional (Sistema Nacional de Áreas de Conservación / SINAC), em conformidade com a lei sobre o meio ambiente de 1995 (Nº. 7554, artigo 36). A sua gestão pode, em alguns casos, ser confiada a particulares. Essas categorias são: parques nacionais, reservas biológicas, reservas florestais, áreas protegidas, refúgios de vida silvestre (públicas, privadas ou mistas), zonas úmidas (incluindo manguezais), locais de patrimônios naturais, reservas marinhas, áreas marinhas de proteção. Sem contar seus inúmeros vulcões que uma vez ou outra se despertam para a contemplação dos turistas. Seus parques naturais oferecem um momento sublime para escutar inúmeros ruídos, mas também se pode escutar o silêncio...

Desenvolvimento sustentável ou mercantilização da natureza? O marketing ecológico

Segundo os relatos, nos anos 50, 60 começa em Costa Rica uma política "conservacionista" de proteção ambiental (floresta, animais) e se criam algumas reservas privadas porém não existe até então uma consciência ecológica. Serão alguns estrangeiros que irão contribuir para a preservação ambiental criando as primeiras reservas florestais. Perguntei se havia hoje realmente uma consciência ecológica por parte das redes hoteleiras que investem no ecoturismo. A primeira informação obtida é que "a consciência verde da maioria dos promotores do ecoturismo e dos políticos locais está mais ligada no verde dólar que na preocupação de preservar a longo prazo a biodiversidade".

Na verdade, ao longo da viagem tive a percepção que nem sempre o ecoturismo e desenvolvimento sustentável estão intrinsecamente ligados. Além do turismo ecológico realizei varias entrevistas e registrei diversos testemunhos, principalmente de jovens que atuam na área do ecoturismo, trabalham nos parques e reservas naturais, em organismos do governo e atuam em ONGs ambientais. Guardarei o anonimato como prometido, dado o envolvimento profissional.

O turismo representa hoje a maior fonte de riqueza do país. Por trás do discurso oficial de proteção ambiental e do desenvolvimento sustentável, a realidade é bem outra. As empresas de turismo têm investido consideravelmente na gestão de negócios ligados à natureza. Existe uma abundância semântica na área do turismo que vai do turismo responsável, turismo sustentável, ecoturismo, turismo verde dentre outras. A costa do Pacífico teve investimento turístico massivo e agora está ameaçada pela concretagem, o que preocupa os ambientalistas de Costa Rica. Depois de degradarem enormemente a fauna e a flora essas grandes empresas hoteleiras passaram a investir na natureza, entretanto, a preocupação maior parece ser o lucro que podem tirar dela e não de investir na durabilidade dos recursos naturais. Para eles a linguagem do ecoturismo é um modo de atrair clientes, entretanto, a preocupação é a rentabilidade, não salvaguarda do meio ambiente. Costa Rica se tornou o paraíso do" ouro verde".

Contradições entre o desenvolvimento sustentável e o modelo econômico

Alguns dos entrevistados levantaram a questão sobre certas contradições entre o discurso oficial sobre o desenvolvimento sustentado e o modelo econômico costarricense incapaz de garantir beneficio social com a qualidade ambiental. Um sistema de produção agrícola por si só já reduz a diversidade biológica do ambiente a partir da transformação de um ecossistema em um agrossistema. Além disso, o uso excessivo de agrotóxicos sem regulação provoca danos ambientais e humanos. Um dos exemplos mais evidentes é a expansão do modelo agro-industrial que coloca Costa Rica na liderança de exportações de frutas principalmente de ananás. A produção intensiva de ananás tem causado grandes impactos ambientais e prejudicado a saúde dos trabalhadores rurais e das comunidades que vivem cerca das grandes plantações. Além das péssimas condições de trabalho e de baixos salários. Recentemente (20 de março de 2015), a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) realizou uma audiência para ouvir os argumentos das comunidades rurais de Cairo, França, Louisiana e Milão (na região do Siquirres) que tiveram seus aquíferos contaminados por empresas envolvidas na produção de abacaxi. Desde julho de 2007, mais de 6000 pessoas dessas comunidades rurais bebem água proveniente de caminhões cisternas (carro-pipa) fornecidos por uma entidade pública de Costa Rica. Tudo isto destrói a imagem veiculada sobre o mito nacional do desenvolvimento sustentável.

De fato, o discurso idílico ambientalista é incompatível diante da realidade. As contradições não são tão recentes, conforme nos declara um jovem agrônomo especializado em questões ambientais. Ele diz que as grandes plantações de bananas foram geralmente estabelecidas em detrimento da floresta tropical. Por causa do desmatamento, o uso intensivo de produtos fitossanitários e a presença humana constante, terminam sempre reduzindo a biodiversidade. O plantio de bananas não corresponde com o habitat natural da fauna ou da flora local. A fauna das bananeiras, segundo ele, é muito pobre e se compõe principalmente de pragas que até hoje estão tentando se livrar. Alias, a Costa Rica se tornou também em um mercado de dumping para as transnacionais, estas podem vender produtos químicos, e tipos de pesticidas proibidos por exemplo na Europa. Sabe-se que na Europa esses produtos estão sujeitos a restrições de utilização. Além disso, embora o arsenal jurídico da Costa Rica sobre as questões ambientais seja bem suprida, o governo parece não ter a capacidade, material e humana institucional de cumprir as leis ambientais em vigor (LA Thrupp, 1988 pp 44-46. Nações Unidas, Comissão Econômica para a América Latina e no Caribe, 2000, p. 93).

Eu já havia lido alguns artigos sobre esta questão, inclusive no Relatório do Estado da Nação sobre o Desenvolvimento Humano Sustentável (2010) esta problemática é abordada. Segundo o relatório, em 2009, a Costa Rica importou mais de 300 toneladas de substâncias que contêm bromo metano, um agroquímico classificado como destruidor da camada de ozônio. Além disso, o relatório chama atenção sobre a poluição da água devido aos resíduos de matérias fecais e poluição química que vem aumentando desde 2001. Comentei este relatório com uma jovem de origem franco-costarricense que estudou desenvolvimento sustentado e trabalhava numa Lodge de ecoturismo para saber se havia avanços sobre esta questão e ela diz que infelizmente continua, tendo em vista que existe em Costa Rica uma expansão agrícola e urbana, que não respeita as margens de proteção das fontes de captação de água para consumo humano.

O uso irrefletido de pesticidas no passado com a grande plantação de bananeiras tem consequências até hoje sobre a reconversão dessas terras para o cultivo agrícola. Nem a degradação dos solos parece ter sensibilizado os governantes de Costa Rica que permitiram a continuidade das grandes plantações para exportação.

Outro dado que nos chamou atenção também foi a quantidade de lixo nos diferentes lugarejos, além da falta de sistema de tratamento de esgotos sanitários em muitos lugares turísticos.

Esses testemunhos de mulheres e homens comprometidos com a questão ambiental e desenvolvimento desmistificam a imagem positiva da prática de um desenvolvimento com sustentabilidade, todavia, vale ressaltar que ninguém nega os avanços realizados no domínio da preservação da natureza com relação a outros países da América Latina. E muitos fazem bem a diferença entre conservação da natureza e o desenvolvimento sustentável. O que eles questionam é a formatagem de linguagem sobre o conceito da sustentabilidade usado pelos organismos governamentais que não corresponde à realidade do país.

Discussão final

As informações que recolhi durante a viagem serviram de base de discussão com o sociólogo e educador popular Oscar Jara e com ele aprofundei certas questões do ponto de vista da ecologia política. Ele relata que as décadas de 60/70 foram marcadas por uma política mais progressista que vai implementar a ideia de uso de energias renováveis, e aos poucos o abandono das termoelétricas. Nasce então a energia limpa. Nesse período vai se concretizar a ideia dos parques nacionais como espaços de proteção e recreação, com trilhas nas florestas que permitem passeios mais seguros e oferecem locais para passar o dia. Costa Rica começa então a ter um Sistema Nacional de Áreas de Conservação e que hoje é vinculada ao Ministério do Meio Ambiente. Entretanto, os Parques Nacionais, segundo Jara vão surgir como ilhas em diferentes lugares do país e não se integram em uma política de sustentabilidade no plano nacional. Segundo o sociólogo e depoimentos recolhidos anteriores, a política de desenvolvimento sustentável está mais para o marketing ecológico do que como modelo político de governabilidade. Trata-se de um mito político, tendo em vista que esta temática está longe de um modelo concebido de forma integrada para o desenvolvimento territorial em todo o país. Caberia ao Estado costarricense estabelecer um governo não só eficaz no plano econômico e no lobbyng internacional, aliás, este modelo de capitalismo neoliberal é questionado pelos movimentos e organizações ambientais, pois ele representa uma ameaça à proteção da biodiversidade. Ele não é nem socialmente justo e nem ecologicamente sustentável a longo prazo. Tendo em vista que um desenvolvimento com sustentabilidade é baseado na busca da interação e coerência das políticas setoriais. A pratica neoliberal é deste modo incompatível com a sustentabilidade do desenvolvimento.

O educador sociólogo Oscar Jara fez um excelente resumo sobre o impacto negativo das políticas neoliberais. "Nos anos 90 começa o aceleramento das políticas neoliberais que vai afetar a evolução das iniciativas de sustentabilidade do eco-desenvolvimento. O processo de privatização de terras vai se expandir, e uma nova concepção de turismo vai se impor. Toda a zona costeira vai ser destinada para a grande inversão turística que se afasta da concepção ecológica sem nenhuma política sustentabilizada. Dispondo de bonitas praias e perto de parques naturais, as redes hoteleiras vendem o conceito de ecoturismo. Existe claramente uma tentativa de se aproveitar da natureza como monetização. As grandes cadeias hoteleiras do exterior percebem que o turismo ecológico é altamente rentável, Costa Rica vai representar uma espécie de ouro verde e os investimentos na área turística não cessam de se expandir".

Na entrevista que fiz com um jovem que trabalha numa ONG ambientalista, este ponto de vista é confirmado. "A privatização da natureza gera boas fontes de recursos e cria uma vantagem comparativa com relação a outra forma de turismo. Trata-se de uma política puramente comercial e Costa Rica passa a ser uma paraíso para este tipo de investimentos. São as grandes cadeias hoteleiras internacionais que irão comprar muitas terras em Costa Rica com todo o apoio do governo. Até então sem nenhum controle de regras ambientais. A maioria dos esgotos por exemplo, vai para os rios e mar. Assim como o lixo que poucos praticam a reciclagem. "

Outra informação relevante e polêmica é que Costa Rica é o primeiro país a fazer uso do sistema de bônus de conservação em troca da divida externa considerada impagável no final dos anos 80. Uma grande parte de empresas estrangeiras hoteleiras vão adquirir reservas e vão usar o ecoturismo sem nenhuma vocação para promover o desenvolvimento sustentável no pais. Os lucros do marketing ecológico nem sempre beneficia o desenvolvimento econômico, social e cultural das comunidades locais e sim aos interesses privados de inúmeros estrangeiros que se apropriaram de reservas naturais.

O desafio do desenvolvimento sustentável parece não ter tido muito impacto junto à administração publica que continua privilegiando o desenvolvimento sob a ótica econômica.

As empresas de turismo têm investido consideravelmente na gestão de negócios ligados à natureza. Existe uma abundância semântica na área do turismo que vai do turismo responsável, turismo sustentável, ecoturismo, turismo verde dentre outras. A costa do Pacífico teve investimento turístico massivo e agora está ameaçada pela concretagem, o que preocupa os ambientalistas de Costa Rica. Depois de degradarem enormemente a fauna e a flora essas grandes empresas hoteleiras passaram a investir na natureza, entretanto, a preocupação maior parece ser o lucro que podem tirar dela e não de investir na durabilidade dos recursos naturais. Para eles a linguagem do ecoturismo é um modo de atrair clientes, entretanto, a preocupação é a rentabilidade, não salvaguarda do meio ambiente.

Costa Rica se tornou o paraíso do "ouro verde"

Os critérios de sustentabilidade no paraíso tropical "ouro verde" nem sempre são colocados em pratica. "O turismo sustentável é aquele turismo que respeita e preserva a longo prazo dos recursos naturais, culturais e sociais e contribui de forma positiva e equitativa para o desenvolvimento econômico e o bem estar de indivíduos que vivem, trabalham ou permanecem nesse espaços”. Dai o desenvolvimento sustentável não pode somente ser utilizado como marketing do ecoturismo. Ele deve assegurar ás comunidades locais uma parte das receitas que pelo menos possa conciliar o turismo com a melhoria das suas condições de vida. As comunidades devem ser envolvidas também como protagonistas de propostas de desenvolvimento local e não somente como mão de obra barata.

Oscar Jara mostrou-me vários vídeos realizados sobre as últimas manifestações dos movimentos sociais e organizações ambientalistas, deu pra sentir a enorme vitalidade e criatividade dos jovens de Costa Rica, eles inovam na militância e lutam por um modelo de governabilidade democrática onde os recursos naturais e as diferentes culturas não sejam mercantilizadas.

Nota: O atual presidente de Costa Rica Luiz Guilherme Solis em visita a Paris, numa entrevista dada ao jornal "Le Monde" do dia 5 de junho sobre o compromisso de Costa Rica de ser o primeiro país neutro de carbono até 2021, diz que o equilíbrio entre desenvolvimento econômico e desenvolvimento sustentável é difícil de ser encontrado ao se referir ao financiamento da China ao projeto de refinaria.


* Doutora em economia pela Sourbone, especializada em desenvolvimento territorial integrado e solidário, Marilza De Melo Foucher vive há mais de 30 anos em Paris. A despeito da pele clara, essa franco-brasileira se reivindica como cabocla de Boca Acre, filha legítima e incontestável da riqueza genética Amazônica

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