Sem
volta
* Por Daniel
Santos
Ria tanto, e sem motivo aparente, que
mal se agüentava em pé. A
boca sem dentes e o corpo vacilante como se prestes a atacar tornavam-no
amedrontador. Ria, por isso, ainda mais. Ria-se mesmo de sacolejar.
Apesar de tanta debilidade, resolveu
atravessar a praça de circular vertigem por onde as pessoas volteavam em busca
do rumo. A meio do caminho, encontrou um igual e se ampararam num abraço a
calhar.
Depois, cheiraram cola e riram quase
até caírem no meio da praça que girava. No ouvido, um zumbido os elevava acima
da realidade. Melhor, impossível! Então, cheiraram mais, que a liberdade vicia.
Nunca mais a clausura do cotidiano –
diziam-se pelo olhar. E foi assim, de comum acordo, e sem o previsível drama,
que pegaram suas facas no bolso da calça. Um, dois golpes certeiros ... e
estava feito!
Tombaram ainda rindo no centro do
passeio concêntrico, em definitiva
síntese. Os passantes – antes chocados, curiosos – pisavam agora com rotineira
indiferença a tintura do sangue sobre a última vertigem.
* Jornalista carioca. Trabalhou
como repórter e redator nas sucursais de "O Estado de São Paulo" e da
"Folha de São Paulo", no Rio de Janeiro, além de "O Globo".
Publicou "A filha imperfeita" (poesia, 1995, Editora Arte de Ler) e
"Pássaros da mesma gaiola" (contos, 2002, Editora Bruxedo). Com o
romance "Ma negresse", ganhou da Biblioteca Nacional uma bolsa para
obras em fase de conclusão, em 2001.
Do extremo prazer à morte.
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