sábado, 28 de maio de 2016

E Deus deu à mulher...


* Por Anna Lee


        
Corre por aí uma história sobre uma conversa entre Deus, Adão e Eva. Lá pelas tantas, o criador do mundo disse ao casal que tinha duas habilidades para dar a eles, uma para cada um: “A primeira é a capacidade de urinar em pé, a segunda...”. Adão não deixou Deus concluir a frase e gritou: “Essa é minha, essa é minha! Eu quero poder urinar em pé”.

Eva, diante da manifestação efusiva do companheiro, não questionou: “Tudo bem. Não tem problema, eu fico com a segunda”. Ao que Deus respondeu: “Se é assim, minha filha, a segunda habilidade – a que lhe será atribuída – é a de ter orgasmos múltiplos”.

E assim Deus deu à mulher a possibilidade de orgasmos múltiplos.

Mas parece que grande parte das descendentes de Eva não aprovou sua resignação e muitas delas, até hoje, dizem ter inveja dos homens. A frase “eu gostaria de poder fazer xixi em pé” tem sido dita e repetida há muitas gerações, por mulheres de raças, credos e condições sociais distintas, como se esse atributo fizesse dos homens seres superiores. Mais que isso. A realização de tal desejo, às vezes, é tomada como a condição que determinaria a igualdade definitiva entre os sexos, superando as principais bandeiras sustentadas pelo feminismo durante anos: o emprego fora do lar, o direito de utilizar métodos anticoncepcionais, de praticar aborto e à livre opção sexual.

Muito foi alcançado desde que a escritora norte-americana Susan B. Anthony se engajou na luta feminista em 1851 e teve como primeira conquista a regulamentação do direito à propriedade. Isso numa época em que as mulheres não podiam registrar nenhum bem em seu nome, nem podiam votar, não tinham autoridade sobre os próprios filhos e deviam obediência aos homens da família.

Sim, muitos direitos foram conquistados desde então. Dá até para dizer que hoje a mulher está ali, quase páreo a páreo, com o homem no mercado de trabalho. Mas fazer xixi em pé não teve jeito. E, quer saber, nunca vai ter.

Está certo que a indústria farmacêutica até inventou um apetrecho – uma espécie de condutor urinário – que promete uma revolução: “Enfim, chegou o dia em que as mulheres não precisam mais se abaixar para urinar”, diz a publicidade. Tudo bem, não deixa de ser uma alternativa, mas no fundo, no fundo, sempre se saberá que é apenas um artifício. E nós mulheres sabemos o quanto é frustrante ter de se conformar com uma cópia por impossibilidade de possuir o original. Tem coisa pior do que se sujeitar a comprar a imitação de uma bolsa de grife por não ter dólares suficientes para adquirir uma autêntica?

O fato é que aconteça o que acontecer, para o bem ou para o mal, as mulheres jamais poderão fazer xixi em pé. Pelo menos não naturalmente. Tem alguém preocupada aí? Pois eu não. Sinceramente, não troco meu direito a orgasmos múltiplos por poder fazer xixi em pé de jeito nenhum. Nem pensar.

*Jornalista, mestranda em Literatura Brasileira, autora, com Carlos Heitor Cony, de "O Beijo da Morte"/Objetiva, ganhador do Prêmio Jabuti/2004, entre outros livros. Colunista da Flash, trabalhou na Folha de S. Paulo e nas revistas Quem/Ed.Globo e Manchete.
    

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