domingo, 22 de maio de 2016

Minhas mulheres animadas


* Por André Falavigna


Não sei se antigamente era assim. Hoje em dia é muito comum. Toda hora ouvimos alguém dizer que fulano ou beltrano “parece um desenho animado”, ou uma “personagem de desenho animado” (prefiro a coisa à moda antiga, quando se dizia que “personagem” era substantivo feminino). Eu mesmo tenho essa impressão de muita gente que conheço. Não necessariamente a impressão de que tais e quais pessoas se pareçam com desenhos animados, mas que se pareçam ao menos com desenhos. Sempre tive esse problema. Adoro desenhos desde pequeno e, talvez por isso, essas comparações surgiram em mim muito naturalmente. A ponto de as coisas se misturarem de maneira perigosa em minha cabeça. Por exemplo: meu primeiro tesão foi a Velma Dace Dinkley, amiga do Scooby Doo. Isso mesmo. A amiga que, em tese, é feia. Todo mundo gosta da Daphne Blake, mas eu tinha tara pela Velma. Uma coisa estranhíssima. Preciso me livrar dessa tralha toda e agora vocês vão ter que me agüentar.

A lista é longa e parece interminável. E excluo dela as personagens confeccionadas ad hoc, como a Cláudia do Manara, a Druuna do Serpieri e a Justine, do Crepax. Essas aí eu homenageei muito durante a adolescência, se é que vocês me entendem. Mas elas estavam lá é para isso mesmo. Aliás, ainda estão. Então, não contam. Nem elas, nem aquele mulherio todo do Carlos Zéfiro. Sim, eu li muito Carlos Zéfiro. Ele voltou à moda no final dos anos 80. Foi com Carlos Zéfiro que descobri que toda brasileira, sem exceção, é uma devassa em potencial. Todas topam tudo, desde que venhamos com a conversa certa. Coisa do outro mundo. Foi assim que convenci minha jovem esposa a casar-se comigo. Isso é para vocês verem.

As que contam são outras. A Pocahontas, por exemplo. Homenageei muitíssimo também. Ela não era pouca hontas, não. Era muita hontas. Também gostava da Tina, da turma da Tina. Do Maurício de Souza. Sempre achei que o Maurício de Souza deveria ter feito uns desenhos de sacanagem, nem que fosse sob pseudônimo. Ele leva jeito para a coisa. Já viram aquele par de coxinhas da Tina? Eu sempre enlouqueci com aquele par de coxinhas. O Jaime se divertia bastante, isso sim. É, Jaime era o namorado esporádico da Tina. Mas o Rolo também deve ter se divertido ali, não é possível que não. Ninguém é tão tonto, nem o Rolo. A não ser que ele nunca tenha lido Carlos Zéfiro, coisa que eu duvido.

A Mariella, escritora que contribui aqui no Literário, vocês a conhecem pessoalmente? Muita gente a acha a cara da Betty Boop. Não gosto do desenho da Betty Boop, não nesse sentido. Não a acho sensual de verdade, parece mais uma brincadeira. Por outro lado, a Mariella quebra um galhão. Mesmo assim, ela parece a Betty Boop mesmo. Vale conferir. O engraçado é que essas loucuras fazem o caminho inverso também. A Peppermint Patty. Nunca vi nada demais nela, até conhecer minha jovem esposa. De repente, me peguei achando-a muitíssimo atraente. Começou sem que eu entendesse por quê. Dia desses, veio o insight. Minha jovem esposa lembra a amiguinha do Charlie Brown. Agora, portanto, Patty me excita. É patológico.

Mas pode ficar pior. Alguém aí já assistiu “Spirit – O Corcel Indomável”, da Disney? Muito bem, e aquela égua, a Rain? Ela lembra-me uma ex-namorada minha, muito inteligente e uma das piores perversas de que se tem notícia em toda a face da terra. O resultado é que não consigo assistir o desenho sem ficar confuso. Um inferno.

Também curto a “Noiva Cadáver”, a noiva morta mesmo, não a viva. Ela tem um visual “heroína chique”, mas sem perder o ar de inocência (acho engraçado isso nas modelos de verdade: diz-se delas que são capazes de reproduzir mil ares; acho balela. Fazem todas eternamente as mesmas caras imbecis, que nunca são o que deveriam. São pretensamente sacanas, nunca sacanas, pretensamente inocentes, nunca inocentes, pretensamente fortes e dominadoras, sempre umas tontas cujo destino é qualquer um que qualquer um quiser). A noiva cadáver é bem atraente, lânguida, e toca piano. A de carne viva não é de se jogar fora, mas a cadáver é mais mulher, mais madura.

Sim, eu sei. Esta crônica já passou pela pedofilia, pela zoofilia e finalmente chega à necrofilia. Mas dane-se. Perdido por um, perdido por mil. A campeã das campeãs é Bela Adormecida. Mas só adormecida, é lógico. Acordada, ela perde o charme proporcionado pelo fato de estar ali, à nossa disposição, desarmada e indefesa diante das mais baixas idéias que tivéssemos destilado nas nossas mais doentias noites. Fora que, acordada, ela começaria a falar. E quereria tirar o tempo perdido, em que o sono forçado a tornara muda. E pensar que, quando ela dormia, não dava opinião nem sobre o sabor da pizza, nem sobre o canal a assistir. O príncipe marcou passo nessa história. Levava ela adormecida para casa e pronto. Muito mais negócio.

Pensando bem, não devo estar sozinho. Sei de muita gente que ficava louco com Lara Croft muito antes de Angelina Jolie. Lara Croft não é mais do que um desenho que vive de costas para a gente e que, entre uma pirueta e outra, dá uns gritinhos felinos. Há de se convir que o material é de primeira. Quem não se lembra de Jéssica Rabbit? Não a criaram à toa. Criaram-na porque muita gente acha a idéia desenhada coisa muito divertida. E uma bela pin-up, que falta não faz? No fundo, historietas de sacanagem, quadrinizadas, são muito melhores do que fotonovelas pornográficas. O mesmo para desenhos animados em relação aos filmes pornográficos. Nos quadrinhos e nas animações, não há equívocos de interpretação, maus atores ou modelos gordinhas. Tudo é perfeito e sempre há muito mais história. Outra grande vantagem é que os desenhos raramente dão opinião sobre política, coisa que os atores fazem sempre e que resulta invariavelmente nas piores paulobettadas. E há certos detalhes que tornam tudo muito interessante: é sempre possível que a Thaís Araújo pose nua para a Playboy. Mas duvido que a mãe da “Mafalda, a Contestatária”, tope uma coisa dessas, seja lá pelo cachê que for. Essas coisas proibidas tornam tudo melhor.

P.S: Conforme o prometido, deixo aqui meu feliz Natal a todos, leitores e colegas. O Natal não é época para fraquezas. Divirtam-se e comemorem, não cedam ao vozerio estupidificante e frívolo que pretende humilhar-nos com o que temos de melhor. Sejamos generosos desta vez, inclusive conosco. Há sempre um ponto que deixamos para trás e cujo nó, no Natal, surge com insuspeitada providência. No Natal, nunca é tarde demais. Nunca.

(*) André Falavigna é escritor, tendo publicado dezenas de contos e crônicas (sobretudo futebolísticas) na Web. Possui um blog pessoal no qual lança, periodicamente, capítulos de um romance. Colabora com diversas  publicações eletrônicas.





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