Minhas
mulheres animadas
* Por André
Falavigna
Não sei se antigamente era assim. Hoje
em dia é muito comum. Toda hora ouvimos alguém dizer que fulano ou beltrano
“parece um desenho animado”, ou uma “personagem de desenho animado” (prefiro a
coisa à moda antiga, quando se dizia que “personagem” era substantivo
feminino). Eu mesmo tenho essa impressão de muita gente que conheço. Não
necessariamente a impressão de que tais e quais pessoas se pareçam com desenhos
animados, mas que se pareçam ao menos com desenhos. Sempre tive esse problema.
Adoro desenhos desde pequeno e, talvez por isso, essas comparações surgiram em
mim muito naturalmente. A ponto de as coisas se misturarem de maneira perigosa
em minha cabeça. Por exemplo: meu primeiro tesão foi a Velma Dace Dinkley, amiga do Scooby Doo. Isso mesmo. A amiga que,
em tese, é feia. Todo mundo gosta da Daphne
Blake, mas eu tinha tara pela Velma. Uma coisa estranhíssima. Preciso me livrar
dessa tralha toda e agora vocês vão ter que me agüentar.
A lista é
longa e parece interminável. E excluo dela as personagens confeccionadas ad hoc, como a Cláudia do Manara, a
Druuna do Serpieri e a Justine, do Crepax. Essas aí eu homenageei muito durante
a adolescência, se é que vocês me entendem. Mas elas estavam lá é para isso
mesmo. Aliás, ainda estão. Então, não contam. Nem elas, nem aquele mulherio
todo do Carlos Zéfiro. Sim, eu li muito Carlos Zéfiro. Ele voltou à moda no
final dos anos 80. Foi com Carlos Zéfiro que descobri que toda brasileira, sem
exceção, é uma devassa em
potencial. Todas topam tudo, desde que venhamos com a
conversa certa. Coisa do outro mundo. Foi assim que convenci minha jovem esposa
a casar-se comigo. Isso é para vocês verem.
As que contam
são outras. A Pocahontas, por exemplo. Homenageei muitíssimo também. Ela não
era pouca hontas, não. Era muita hontas. Também gostava da Tina, da turma da Tina.
Do Maurício de Souza. Sempre achei que o Maurício de Souza deveria ter feito
uns desenhos de sacanagem, nem que fosse sob pseudônimo. Ele leva jeito para a coisa.
Já viram aquele par de coxinhas da Tina? Eu sempre enlouqueci com aquele par de
coxinhas. O Jaime se divertia bastante, isso sim. É, Jaime era o namorado
esporádico da Tina. Mas o Rolo também deve ter se divertido ali, não é possível
que não. Ninguém é tão tonto, nem o Rolo. A não ser que ele nunca tenha lido
Carlos Zéfiro, coisa que eu duvido.
A Mariella,
escritora que contribui aqui no Literário, vocês a conhecem pessoalmente? Muita
gente a acha a cara da Betty Boop. Não gosto do desenho da Betty Boop, não
nesse sentido. Não a acho sensual de verdade, parece mais uma brincadeira. Por
outro lado, a Mariella quebra um galhão. Mesmo assim, ela parece a Betty Boop
mesmo. Vale conferir. O engraçado é que essas loucuras fazem o caminho inverso
também. A Peppermint Patty. Nunca vi nada demais nela, até conhecer minha jovem
esposa. De repente, me peguei achando-a muitíssimo atraente. Começou sem que eu
entendesse por quê. Dia desses, veio o insight. Minha jovem esposa lembra a
amiguinha do Charlie Brown. Agora, portanto, Patty me excita. É patológico.
Mas pode
ficar pior. Alguém aí já assistiu “Spirit – O Corcel Indomável”, da Disney?
Muito bem, e aquela égua, a Rain? Ela lembra-me uma ex-namorada minha, muito
inteligente e uma das piores perversas de que se tem notícia em toda a face da
terra. O resultado é que não consigo assistir o desenho sem ficar confuso. Um
inferno.
Também curto
a “Noiva Cadáver”, a noiva morta mesmo, não a viva. Ela tem um visual “heroína
chique”, mas sem perder o ar de inocência (acho engraçado isso nas modelos de
verdade: diz-se delas que são capazes de reproduzir mil ares; acho balela.
Fazem todas eternamente as mesmas caras imbecis, que nunca são o que deveriam.
São pretensamente sacanas, nunca sacanas, pretensamente inocentes, nunca
inocentes, pretensamente fortes e dominadoras, sempre umas tontas cujo destino
é qualquer um que qualquer um quiser). A noiva cadáver é bem atraente,
lânguida, e toca piano. A de carne viva não é de se jogar fora, mas a cadáver é
mais mulher, mais madura.
Sim, eu sei.
Esta crônica já passou pela pedofilia, pela zoofilia e finalmente chega à
necrofilia. Mas dane-se. Perdido por um, perdido por mil. A campeã das campeãs
é Bela Adormecida. Mas só adormecida, é lógico. Acordada, ela perde o charme
proporcionado pelo fato de estar ali, à nossa disposição, desarmada e indefesa diante
das mais baixas idéias que tivéssemos destilado nas nossas mais doentias
noites. Fora que, acordada, ela começaria a falar. E quereria tirar o tempo
perdido, em que o sono forçado a tornara muda. E pensar que, quando ela dormia,
não dava opinião nem sobre o sabor da pizza, nem sobre o canal a assistir. O
príncipe marcou passo nessa história. Levava ela adormecida para casa e pronto.
Muito mais negócio.
Pensando bem,
não devo estar sozinho. Sei de muita gente que ficava louco com Lara Croft
muito antes de Angelina Jolie. Lara Croft não é mais do que um desenho que vive
de costas para a gente e que, entre uma pirueta e outra, dá uns gritinhos
felinos. Há de se convir que o material é de primeira. Quem não se lembra de
Jéssica Rabbit? Não a criaram à toa. Criaram-na porque muita gente acha a idéia
desenhada coisa muito divertida. E uma bela pin-up, que falta não faz? No
fundo, historietas de sacanagem, quadrinizadas, são muito melhores do que
fotonovelas pornográficas. O mesmo para desenhos animados em relação aos filmes
pornográficos. Nos quadrinhos e nas animações, não há equívocos de
interpretação, maus atores ou modelos gordinhas. Tudo é perfeito e sempre há
muito mais história. Outra grande vantagem é que os desenhos raramente dão
opinião sobre política, coisa que os atores fazem sempre e que resulta
invariavelmente nas piores paulobettadas. E há certos detalhes que tornam tudo
muito interessante: é sempre possível que a Thaís Araújo pose nua para a
Playboy. Mas duvido que a mãe da “Mafalda, a Contestatária”, tope uma coisa
dessas, seja lá pelo cachê que for. Essas coisas proibidas tornam tudo melhor.
P.S: Conforme
o prometido, deixo aqui meu feliz Natal a todos, leitores e colegas. O Natal
não é época para fraquezas. Divirtam-se e comemorem, não cedam ao vozerio
estupidificante e frívolo que pretende humilhar-nos com o que temos de melhor.
Sejamos generosos desta vez, inclusive conosco. Há sempre um ponto que deixamos
para trás e cujo nó, no Natal, surge com insuspeitada providência. No Natal,
nunca é tarde demais. Nunca.
(*) André Falavigna é escritor,
tendo publicado dezenas de contos e crônicas (sobretudo futebolísticas) na Web.
Possui um blog pessoal no qual lança, periodicamente, capítulos de um romance.
Colabora com diversas publicações eletrônicas.
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