segunda-feira, 23 de maio de 2016

Estalos de lembrança


* Por Núbia Araujo Nonato do Amaral

- Mãe que letra é essa?
- E essa?
- E essa daqui?

Caixa de sabão em pó, lata de óleo (é, sou desse tempo), caixa de remédio, placas de rua. Tudo eu queria ler e minha mãe vendo o meu descontentamento e fome por saber, me alfabetizou.

Minha primeira professora... lógico que quando fui para a escola tinha vários vícios, mas não dei trabalho a professora. Não as chamávamos de tia, era dona fulana ou somente professora.

Dona Maria Auxiliadora, minha primeira professora oficial era grandona, alta, de cabelos curtos; por debaixo daqueles óculos redondinhos eu a achava tão bonita! Sua voz ressoava na sala e o silêncio era imediato.

Minha escola parecia o mundo, com grandes árvores cujas raízes transgressoras rasgavam o chão pra respirar. Na minha imaginação eu podia jurar que eram baobás.

A campainha tocava e saltava criança de tudo que era canto; eu observava as lancheiras e o que saíam delas, sucos, frutas biscoitos. Sentava-me em uma das raízes e abria o meu guardanapo, por sorte o pão tinha recheio, mas nem sempre era assim, das vezes oferecia um pedaço pra professora, mas ela nunca aceitava, nos deixava no recreio e ia pra sala dos professores.

Eu era quase sempre a primeira a copiar todo o dever, a fazer a redação, a colorir um mapa e o meu caderno sempre em dia e sem orelhas servia de exemplo.

Na simplicidade do meu dia a dia acumulei experiências, algumas bem dolorosas, como no dia em que acordei muito mal, mas minha mãe não acreditou em mim. Voltei pra casa com o casaco amarrado na cintura e um séquito de mosquitinhos a minha volta; tadinha, ela ficou pior do que eu.

Ah! E mais e mais eu escreveria! A memória é um prodígio, reacende a cada estalo de lembrança.

 * Poetisa, contista, cronista e colunista do Literário


Um comentário:

  1. As lembranças dolorosas ficam marcadas a ferro, enquanto as boas viram fumaça. Nossa memória não deveria ser assim.

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