domingo, 1 de maio de 2016

Aluguel tem limite


* Por Ruth Barros



Anabel está estarrecida com o grau de invasão de privacidade que reina nos últimos tempos – e olha que não estou falando desses candidatos malas e xaropes que aparecem em nossa casa pela TV no horário nobre pedindo nosso voto. Não, estou na verdade me referindo a invasões feitas por amigos, falsos amigos e gente que se faz de íntima na vida do coitado do cidadão comum, aquele que não é candidato a nada. Cada vez mais os comportamentos adolescentes (lembram, quando todo mundo namorava em turma e namorado bom só era bom se a turma gostasse dele?) parecem se estender até os mais entrados em anos. É como se a novela das oito chegasse na vida real, com todo mundo dando palpite na vida de todo mundo.
  
Outro dia tive dó de uma amiga. Ela levou o bofe novo, um cara com quem está saindo há pouco mais de um mês pra conhecer sua turma, que estava fazendo um churrasco. Acontece que junto com o novo namorado levou também um bolo, era aniversário dela, para a galera cantar parabéns. Pois na hora do “com quem será que ela vai casar”, uma imbecil metida a íntima puxou o nome do ex-marido, não o de minha amiga, a aniversariante, mas do ex-marido dela, a própria imbecil, que além de tudo morre de ciúme de minha amiga. A saia só não ficou mais justa porque não tinha como, o namorado ficou possesso, com o que dá pra concordar em gênero, número e grau:
- Imagina se fosse eu indo pela primeira vez conhecer a turma dele e fizessem isso, eu também ia querer morrer de falta de graça e de raiva – admitiu minha amiga, pivô involuntário da confusão.
       
Mas a coisa não parou por aí. O namorado, ciumento, passou a achar que ela tinha, teve ou terá alguma coisa com o ex-marido da cretina. E ainda de quebra ficou de bode da turma, que aderiu alegremente à brincadeira, como qualquer turma do mundo, achando que eles torcem contra o romance deles e a favor do ex-marido da outra.

- Ninguém merece – concluiu minha amiga. Fiquei um tempão pra consertar o estrago, acabei conseguindo, pelo menos ele é ciumento mas não burro. Mas podia muito bem passar sem essa, tipo de brincadeira estúpida vinda de uma pessoa com a qual não tenho a mínima intimidade, pelo contrário, o que era leve antipatia virou birra mortal. Por que não me deixar quieta no meu canto namorando em paz? 

Em minha modesta opinião, essa questão tem no mínimo duas respostas. A primeira é que alguém capaz de invadir a vida de outra pessoa assim sem o mínimo desconfiômetro, é a falsa amizade boa de ser mantida a distância, gente assim não traz nada de bom. A segunda é que aconteceu na privacidade quase a mesma coisa que na indústria do seqüestro, pois antigamente só se seqüestravam verdadeiros tubarões e milionários e agora qualquer um tá valendo.

A invasão de privacidade de ricos e famosos que começou nos Estados Unidos – sim, os políticos americanos foram os primeiros a se deixar fotografar em circunstâncias ditas domésticas, normais – desandou para outros cantos. A vida dos famosos parece ser locada na Ilha ou no Castelo de Caras – você se casa e passa sua lua-de-mel no Castelo, quando separar vai curtir sua dor de cotovelo na Ilha e se arrumar carne fresca vai exibir em uma estação de esqui, tudo devidamente fotografado e reproduzido. Pois por que os pobres e remediados não deveriam invadir essa praia? Aí estão os Big Brother da vida que não me deixam mentir, todos em busca de seus quinze minutos de fama.

Anabel Serranegra acha que Andy Wharol foi generoso quando previu 15 minutos de fama para todo mundo, hoje em dia uns 15 segundos já estão de bom tamanho

* Maria Ruth de Moraes e Barros, formada em Jornalismo pela UFMG, começou carreira em Paris, em 1983, como correspondente do Estado de Minas, enquanto estudava Literatura Francesa. De volta ao Brasil trabalhou em São Paulo na Folha, no Estado, TV Globo, TV Bandeirantes e Jornal da Tarde. Foi assessora de imprensa do Teatro Municipal e autora da coluna Diário da Perua, publicada pelo Estado de Minas e pela revista Flash, com o pseudônimo de Anabel Serranegra.



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