Ediclar e seus agora famosos cadernos
* Por
Mara Narciso
Cada livro de Karla
Celene Campos que leio – este foi o terceiro –, me faz imergir em seu mundo colorido, mais
agradável do que aquele em que vivo. E não ousaria dizer que o mundo de Karla é
irreal. Ele é tão concreto quanto o meu, porém envolto numa vaporosa roupa de
versos.
Lendo sua produção, eu
ouço a voz de Karla, a ruiva cor de leite, que fala poeticamente e sorrindo.
Difícil imaginá-la enfrentando as dores do mundo, e seu estilo mostra que
consegue passar rápido por esses martírios. Livre, segue seu caminho sem impor
normas, sem incomodar ninguém. É bom conviver com ela, ouvir suas performances
interpretativas, segui-la pelo mundo da arte, ler o que escreve, saber o que
pensa. Hiperbólica, veste-se de deusa, pinta o rosto, atravessa o mundo pisando
em nuvens, baila com todos, abre os braços – um gesto tão seu –, canta alto, alegra, comove, faz pensar. Agora,
bem mais gente pensa junto com ela, pois o seu livro “O Lado de Dentro das
Coisas” foi escolhido para o vestibular da Unimontes.
Sua capacidade de
respeitar aos demais atinge ares dogmáticos, numa espécie de condição pétrea.
Assim, com a liturgia que visitar o passado exige, pega e faz crescer uma
história comum, dando-lhe tons mágicos. E então, como um apresentador de circo,
diz solenemente: respeitável público, o espetáculo não pode parar! Ela sabe dar
vida ao que lhe chega às mãos. De posse dos cadernos de Ediclar Pereira da
Costa, um homem sem estudos, que deixou suas impressões sobre o mundo através de
trovas em letra de forma, ela escreve “Cadernos de Ediclar - Memórias do Brejo
das Almas”. Karla Celene transforma o passado em presente, numa desculpa para
brincar, recriar a realidade, buscando os personagens nas trovas e fazendo-os
viver.
Nascida em Montes
Claros, exuma Francisco Sá, o seu Brejo das Almas, não deixando nenhum morto
adormecido. Quer todo mundo de pé. Os que se mudaram da cidade e os que já
morreram voltam a caminhar pelas ruas, conversam, fazem graça, e convivem com a
menina que a autora já foi, mas que nunca deixou de ser. Amadureceu, mas não
perdeu a alegria que só as meninas sonhadoras que concretizam seus sonhos têm.
Ler o livro é visitar
a Francisco Sá da década de 1970/80, para ver seus contemporâneos desfilar,
como também ficar na praça ouvindo a menina Karla que escrevia poemas, e que
assegura ter passado mais da metade da sua infância sentada naquele banco, em
frente a sua casa, entendendo o mundo, desejosa de viajar para longe.
A maneira como a
autora usa a falta de cronologia a seu favor, indo e vindo, a permite usar
vários narradores, falando na primeira pessoa, o que valoriza o personagem,
dando-lhe voz no presente. As datas são uma formalidade, que Karla,
deliberadamente informal, joga para o alto. Nessas andanças podem-se ver modas,
costumes, a Escola de Samba Estrela Dalva, criada por Ediclar quando voltou do
Rio, ir ao mercado, ao Clube Araês e ler o mundo pelos livros que Karla achou
na casa do avô ou com a mãe professora.
Quem tem boca vaia
Roma, e quem sabe ler aplaude a imortal Karla Celene Campos, que faz uma
finalização apoteótica, num Brejo das Almas deserto, no qual reaparecem todos
que por ali passaram, o que me fez lembrar “Incidente em Antares”. Retornam
naquela noite de Carnaval, não para assombrar, mas para mostrar um passado
bonito nas mãos firmes da escritora, pelas quais o tempo e a morte pontuam a
história, mas sem deixar de lado a maneira carnavalesca de Karla, a
porta-bandeira da escola de samba.
*Médica endocrinologista, jornalista
profissional, membro da Academia Feminina de Letras e do Instituto Histórico e
Geográfico, ambos de Montes Claros e autora do livro “Segurando a
Hiperatividade”
Um nome de autora incomum, para um livro também aparentemente sui generis.
ResponderExcluirTudo nela é diferente. Celene tem a ver com a lua. Ela é casada e tem um filho e uma filha. O filho dela é tão claro e de cabelo tão sem pigmento, que parece albino. O marido dela fez cinco faculdades completas. A mãe dela é gêmea idêntica. E como se não bastasse, ela escreve bem prosa e verso, atua e declama divinamente, além de boa professora de Literatura. Como diz Pedro, a biografia é tão boa quanto a escrita. Obrigada pela atenção, Marcelo.
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