Visitas nem sempre fáceis
* Por Mara Narciso
Quando morre alguém, de repente, principalmente quando o morto é jovem e deixa filhos pequenos, é aquela comoção. Muitos prometem ajudar, dividir a responsabilidade e participar das despesas. Até a missa de sétimo dia. Depois disso, somem. Com doença é a mesma coisa. No começo, muitas visitas, depois o descaso. Não é fácil visitar enfermo com doença progressiva e incurável, assim, muitos fogem.
Tempos atrás, quando não havia tratamento eficaz e nem bons meios diagnósticos, o câncer era descoberto, via de regra, tardiamente, quando não havia mais chance de cura cirúrgica. Era linguagem corrente que não se podia mexer num tumor maligno, porque a pessoa morria em seguida. Na operação tardia, o cirurgião encontrava vários órgãos tomados. O pavor da população em torno dessa doença-tabu era devido aos tratamentos ineficazes de então.
Quando alguém conhecido estava com “aquela doença”, a “doença ruim” que ninguém ousava dizer o nome, não se sabia se deveria ou não ir visitá-lo. Uns queriam ver o doente por curiosidade, outros para levar força e fé. Era melhor perguntar aos parentes a conveniência ou não de se fazer a visita. Em muitos casos se pedia para ninguém ir, e caso fosse, confirmar a mentira, um nome inventado de outra doença no local afetado, para enganar o doente. Essa prática mudou, e hoje, quase todos exigem saber o nome e a evolução da doença da qual estão acometidos.
Fazer visitas a gente com doenças agudas pode ter o risco de contágio. No tempo em que as crianças tinham sarampo, catapora, coqueluche e cachumba, não era incomum alguém ir buscar os vírus para todos terem logo a doença. Com a imunização obrigatória isso desapareceu.
Visitar doentes operados, mas já em casa, tem suas peculiaridades. Nas cirurgias plásticas, apenas os mais íntimos são informados do fato, principalmente quando é de face. A pessoa muda bastante, no entanto, quando perguntada, já na rua, nega com veemência. Fica como se a mudança radical fosse uma limpeza de pele. Nos partos e nas cesarianas, há um frágil recém-nascido e uma mãe com pontos cirúrgicos e seios doloridos. Muitos pacientes operados estão com náuseas, ou com dor e até sedados pelos analgésicos. Acordar quem está sofrendo dores é crueldade. Há ainda os doentes incuráveis, e os moribundos. Para cada situação, um comportamento, porém, é bom evitar chorar na frente da pessoa.
E o que levar para um convalescente? Além dos famosos “soros” que inundam o imaginário popular de que engordam, o repouso e o que as visitas levam, também ajudam a ganhar peso na fase de recuperação. Há preferência por frutas, sendo maçãs e uvas as mais frequentes. Os doentes costumam também ser presenteados com flores, bolos, pães e chocolates. No hospital, entre as pessoas mais simples é comum comprarem laranja, banana, bolachas e biscoitos. No horário de visitas, os odores de suor, secreções e excreções, além dos remédios e desinfetantes, tão peculiares em ambiente hospitalar são abafados pelo cheiro de laranja nas enfermarias. Pede-se às visitas para que não se sentem nas camas dos doentes para evitar infecções, porém, após longas caminhadas e esperas, muitos desobedecem.
Sandra, mulher inteligente e observadora, era auxiliar de enfermagem há muitos anos, e trabalhava no setor de Clínica Médica de Mulheres da Santa Casa de Montes Claros. Era rigorosa e competente, vendo coisas que ninguém via. Um dia ela disse assim: Quando alguém da família telefona para saber notícia, pergunta: “Fulana melhorou? Comeu o quê?” Sei que a volta do apetite é sinal de recuperação, mas fica parecendo que o doente veio ao hospital para comer, e não se tratar.
Os velhinhos sem visitas olham tristes para as visitas dos outros, desejosos dos carinhos recebidos por eles. Estão adoentados, mas conscientes que são um estorvo para os filhos tão ocupados. Os ingratos moram na mesma cidade, mas não vão ver o pai ou a mãe doente. Sabe aquela cara de cachorro com fome? Pois esse olhar baço, comprido e invejoso é visto espichado nos semblantes abatidos, magros e cheios de rugas, onde uma lágrima corre e a mão seca e trêmula tenta enxugar, antes que alguém veja. Quando recebe alta, é uma luta. Ninguém vai buscar. O serviço social da entidade precisa praticamente empurrar o velho de volta, como força de polícia. A lei veio socorrer esses incapazes abandonados. Com isso tornou a velhice doente menos triste e menos só.
* Médica, jornalista e autora do livro “Segurando a Hiperatividade”.
* Por Mara Narciso
Quando morre alguém, de repente, principalmente quando o morto é jovem e deixa filhos pequenos, é aquela comoção. Muitos prometem ajudar, dividir a responsabilidade e participar das despesas. Até a missa de sétimo dia. Depois disso, somem. Com doença é a mesma coisa. No começo, muitas visitas, depois o descaso. Não é fácil visitar enfermo com doença progressiva e incurável, assim, muitos fogem.
Tempos atrás, quando não havia tratamento eficaz e nem bons meios diagnósticos, o câncer era descoberto, via de regra, tardiamente, quando não havia mais chance de cura cirúrgica. Era linguagem corrente que não se podia mexer num tumor maligno, porque a pessoa morria em seguida. Na operação tardia, o cirurgião encontrava vários órgãos tomados. O pavor da população em torno dessa doença-tabu era devido aos tratamentos ineficazes de então.
Quando alguém conhecido estava com “aquela doença”, a “doença ruim” que ninguém ousava dizer o nome, não se sabia se deveria ou não ir visitá-lo. Uns queriam ver o doente por curiosidade, outros para levar força e fé. Era melhor perguntar aos parentes a conveniência ou não de se fazer a visita. Em muitos casos se pedia para ninguém ir, e caso fosse, confirmar a mentira, um nome inventado de outra doença no local afetado, para enganar o doente. Essa prática mudou, e hoje, quase todos exigem saber o nome e a evolução da doença da qual estão acometidos.
Fazer visitas a gente com doenças agudas pode ter o risco de contágio. No tempo em que as crianças tinham sarampo, catapora, coqueluche e cachumba, não era incomum alguém ir buscar os vírus para todos terem logo a doença. Com a imunização obrigatória isso desapareceu.
Visitar doentes operados, mas já em casa, tem suas peculiaridades. Nas cirurgias plásticas, apenas os mais íntimos são informados do fato, principalmente quando é de face. A pessoa muda bastante, no entanto, quando perguntada, já na rua, nega com veemência. Fica como se a mudança radical fosse uma limpeza de pele. Nos partos e nas cesarianas, há um frágil recém-nascido e uma mãe com pontos cirúrgicos e seios doloridos. Muitos pacientes operados estão com náuseas, ou com dor e até sedados pelos analgésicos. Acordar quem está sofrendo dores é crueldade. Há ainda os doentes incuráveis, e os moribundos. Para cada situação, um comportamento, porém, é bom evitar chorar na frente da pessoa.
E o que levar para um convalescente? Além dos famosos “soros” que inundam o imaginário popular de que engordam, o repouso e o que as visitas levam, também ajudam a ganhar peso na fase de recuperação. Há preferência por frutas, sendo maçãs e uvas as mais frequentes. Os doentes costumam também ser presenteados com flores, bolos, pães e chocolates. No hospital, entre as pessoas mais simples é comum comprarem laranja, banana, bolachas e biscoitos. No horário de visitas, os odores de suor, secreções e excreções, além dos remédios e desinfetantes, tão peculiares em ambiente hospitalar são abafados pelo cheiro de laranja nas enfermarias. Pede-se às visitas para que não se sentem nas camas dos doentes para evitar infecções, porém, após longas caminhadas e esperas, muitos desobedecem.
Sandra, mulher inteligente e observadora, era auxiliar de enfermagem há muitos anos, e trabalhava no setor de Clínica Médica de Mulheres da Santa Casa de Montes Claros. Era rigorosa e competente, vendo coisas que ninguém via. Um dia ela disse assim: Quando alguém da família telefona para saber notícia, pergunta: “Fulana melhorou? Comeu o quê?” Sei que a volta do apetite é sinal de recuperação, mas fica parecendo que o doente veio ao hospital para comer, e não se tratar.
Os velhinhos sem visitas olham tristes para as visitas dos outros, desejosos dos carinhos recebidos por eles. Estão adoentados, mas conscientes que são um estorvo para os filhos tão ocupados. Os ingratos moram na mesma cidade, mas não vão ver o pai ou a mãe doente. Sabe aquela cara de cachorro com fome? Pois esse olhar baço, comprido e invejoso é visto espichado nos semblantes abatidos, magros e cheios de rugas, onde uma lágrima corre e a mão seca e trêmula tenta enxugar, antes que alguém veja. Quando recebe alta, é uma luta. Ninguém vai buscar. O serviço social da entidade precisa praticamente empurrar o velho de volta, como força de polícia. A lei veio socorrer esses incapazes abandonados. Com isso tornou a velhice doente menos triste e menos só.
* Médica, jornalista e autora do livro “Segurando a Hiperatividade”.
É triste, mas é um dos muitos retratos deprimentes deste planetinha imperfeito que habitamos. O final está realmente de cortar o coração. Bela reflexão, Dra. Mara.
ResponderExcluirHospitais nunca foram problemas para mim
ResponderExcluiraté o dia em que minha mãe passou mal.
O setor de emergência em um hospital público
é deprimente, desgastante, revoltante. Ficamos
ao lado dela o tempo todo e cobrávamos pela assistência dela a todo instante, mas vi pessoas no mais completo abandono...a doença é corriqueira para eles e eu nada tenho haver com isso.
O lado humano desses profissionais é raro, mas de vez em quando esbarramos em anjos...
Abraços
Mara é uma observadora dos problemas da convivência humana,temas da Ciência, mas também literário que, às vezes estimulam, talvez por isso mesmo, a sua sensibilidade de médica e escritora.
ResponderExcluirParabéns, escritoramiga!
Beijos
Cada um tem um sentimento quando se trata de velhice e doença. De todo modo, mesmo não sendo fácil, ser visitante é melhor do que ser visitado no hospital. Obrigada Marcelo, pela delicadeza. Núbia, é preciso indignar-se com o abandono dos hospitais(aqui tem um, muito importante que deverá ser fechado), e dos doentes. José Calvino, ampliei meu estilo curioso e observador quando acrescentei a visão jornalística ao meu olho clínico de 31 anos. Agradecida pela leitura e acréscimos, gente!
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