Desafios do escritor
Os grandes artistas (e essa referência à “grandeza”, óbvio, não tem nada a ver com tamanho, mas com competência) tendem a exercer uma influência enorme, em alguns casos decisiva, na formação da nossa personalidade, e do nosso caráter. Suas obras, notadamente as literárias, possibilitam-nos conhecer situações, comportamentos e circunstâncias os mais diversos e extremos, sem que precisemos passar por essas experiências pessoalmente. E quando algo análogo ao que tratam nos ocorre, contamos com caminhos e alternativas já conhecidos para sairmos de enrascadas ou para usufruirmos plenamente os episódios benignos e favoráveis que surgirem.
Ouço, vez em quando, críticas às histórias mais conhecidas e lidas, criações de escritores tidos e havidos como mestres de seu ofício, por terminarem todas (ou quase todas), invariavelmente, em “happy end”. Ao fim e ao cabo, faz-se justiça (pelo menos em seus enredos): os maus são punidos, os bons são recompensados, os vilões ou morrem ou se dão mal de outra forma qualquer e os casais apaixonados, vítimas de armações e vilanias ao longo de todo o texto, finalmente ficam juntos e vivem “felizes para sempre”. Claro que em alguns casos, isso é feito de forma natural e, portanto, verossímil e em outros, nem tanto. Isso, todavia, só depende da competência, da criatividade, do talento de cada escritor.
Argumentam, os que se opõem (ou dizem se opor, mas cuja sinceridade dá para se colocar, tranquilamente, em dúvida), que “a vida não é assim”, que esses finais apoteóticos e felizes não condizem com a realidade. Mas seria esse o papel do escritor? Seria tarefa sua ater-se rigorosamente ao real (o que até seria paradoxo quando recorre à ficção)? Ele não caberia, especificamente, ao jornalista, este sim comprometido com a veracidade dos fatos, em seus mínimos detalhes? É preciso que algum escritor nos demonstre que o mundo não é o paraíso que desejaríamos que fosse? Por mais alienadas que as pessoas sejam, não há quem ache que a realidade reflita minimamente situações que se aproximem mesmo que remotamente das ideais.
Creio que o desafio dos artistas e, claro, dos escritores, objetos destas considerações, não é reproduzir a vida “como ela é”, mas como “poderia e deveria ser”. Johann Wolfgang Goethe, um dos maiores homens de letra não somente da Alemanha, mas do mundo, e de todos os tempos, escreveu algo mais ou menos nessa linha. Observou: “O maior problema de toda a arte é produzir, por meio de aparências, a ilusão de uma realidade mais grandiosa”. Ou seja, é o de exaltar as virtudes, o bem, a coragem, a beleza e, sobretudo, a esperança. Quem quiser um “banho de realidade”, que leia os jornais, assista aos noticiários na televisão, ouçam-nos no rádio ou freqüentem portais de notícias na internet.
Os grandes artistas estabelecem, sobretudo, sua identidade, que refletem nos personagens que criam. Generosos, nos ofertam a possibilidade de libertação do espaço, do tempo e até da morte que, se não a evitam (e não nos ensinam a evitar, pois é inevitável) sugerem como aceitá-la serenamente, como realidade impossível de ser mudada.
André Malraux escreveu a seguinte a esse respeito: ““O grande artista (...) estabelece a identidade eterna consigo mesmo. Pela maneira segundo a qual nos mostra tal ato de Orestes ou Édipo, do príncipe Hamlet ou dos irmãos Karamazov, ele nos torna próximos a esses destinos tão afastados de nós no espaço e no tempo; torna-os fraternos e reveladores para nós. Assim, alguns homens têm o grande privilégio, essa parte divina, de encontrar no fundo deles mesmos, para nos oferecerem, aquilo que nos liberta do espaço, do tempo e da morte”.
A arte é, no final das contas, tentativa (na maioria das vezes bem-sucedida) de “interpretação da vida”, feita pelo artista. Tudo o que o cerca, animal, vegetal ou mineral não importa, é tema potencial para suas criações, temperado, claro, pelo seu talento, experiência e modos de enxergar as coisas. Deleito-me, e aprendo muito mais sobre mim mesmo e o mundo nas obras dos grandes criadores, do que na filosofia, nas ciências e em outras tantas disciplinas criadas pelo e para o homem. E mais ainda do que na crueza do jornalismo, minha profissão original e opção de vida, cuja importância não seria estúpido de negar. Porém, além de utilização do mesmo meio de expressão, no caso o texto, o jornalista no exercício do seu metier pouco (ou nada) tem a ver com o artista e, em especial, com o escritor.
A natureza, se bem observada, é, por si só, inigualável obra de arte. Ás vezes é tétrica (e para o artista, há beleza, até, na extrema feiúra), às vezes sublime, dependendo do que se observa. Mais do que agradar os sentidos, seu principal papel é induzir o observador à reflexão e à análise do que é e onde está. Ser artista, portanto, é enxergar o outro lado das coisas e se deleitar com ele.
Em resumo, pode-se concluir que as artes, qualquer delas, estão entre as atividades mais nobres que existem. Mostram a vida, reitero, não somente como ela é, mas, principalmente, como poderia e deveria ser (e que, de fato, poderá se concretizar, caso atuemos positivamente para torná-la ideal). Nem todos, é verdade, têm habilidades artísticas. Mas ninguém é despido de sensibilidade a ponto de não apreciar um belo poema, um quadro pintado com maestria, uma sinfonia harmoniosa e marcante ou uma escultura executada com perícia. O artista valoriza, sobretudo, a beleza que nos rodeia e que dá encanto à vida.
Se a literatura é importante na vida das pessoas (e estou absolutamente convicto que é), essa constatação sugere um questionamento lógico e pertinente: Qual seu verdadeiro papel no estudo dos seres vivos (principalmente dos humanos)? Para quê ela serve? Para divertir, ou para instruir, orientar, analisar e concluir? Sou suspeito (suspeitíssimo) para opinar, posto que vivo (também) de literatura. É um dos meios pelos quais obtenho meu sustento.
Entendo, todavia, que essa atividade é muito importante para a “fermentação” de idéias, para o estudo do comportamento das pessoas e para nos indicar, sobretudo, o que não devemos fazer, caso tenhamos intenção de obter sucesso em nossas atividades e na convivência do dia a dia. Alguém pode, a esta altura, perguntar: “mas não temos a ciência para estudar o comportamento das pessoas? Afinal, existe uma disciplina, a “etologia”, que é exclusivamente voltada para isso. Sim, temos, de fato temos. Mas somente ela não basta.
Afinal, a vida não se restringe a leis naturais e imutáveis e não há sequer dois seres vivos que reajam de forma absolutamente igual. Ela é sutil e não comporta análises mecânicas e genéricas. Para sua compreensão, são necessários exemplos, das várias formas de comportamento das pessoas. Ainda assim, somos incapazes de compreender em profundidade esse maravilhoso mistério, esse privilégio, essa magnífica aventura que é viver.
A literatura tem, pois, sua importância, mesmo que relativa. Nem é inútil, como acusam os que não sabem ou não gostam de ler, e nem essencial à vida, como pretendem os que a produzem. O maior desafio do escritor é fazer do “happy end” das histórias que cria e que narra a tal “ilusão de uma realidade mais grandiosa”, defendida por Goethe, que desperte no espírito do leitor uma onda infinda de esperança.
Boa leitura.
O Editor.
Os grandes artistas (e essa referência à “grandeza”, óbvio, não tem nada a ver com tamanho, mas com competência) tendem a exercer uma influência enorme, em alguns casos decisiva, na formação da nossa personalidade, e do nosso caráter. Suas obras, notadamente as literárias, possibilitam-nos conhecer situações, comportamentos e circunstâncias os mais diversos e extremos, sem que precisemos passar por essas experiências pessoalmente. E quando algo análogo ao que tratam nos ocorre, contamos com caminhos e alternativas já conhecidos para sairmos de enrascadas ou para usufruirmos plenamente os episódios benignos e favoráveis que surgirem.
Ouço, vez em quando, críticas às histórias mais conhecidas e lidas, criações de escritores tidos e havidos como mestres de seu ofício, por terminarem todas (ou quase todas), invariavelmente, em “happy end”. Ao fim e ao cabo, faz-se justiça (pelo menos em seus enredos): os maus são punidos, os bons são recompensados, os vilões ou morrem ou se dão mal de outra forma qualquer e os casais apaixonados, vítimas de armações e vilanias ao longo de todo o texto, finalmente ficam juntos e vivem “felizes para sempre”. Claro que em alguns casos, isso é feito de forma natural e, portanto, verossímil e em outros, nem tanto. Isso, todavia, só depende da competência, da criatividade, do talento de cada escritor.
Argumentam, os que se opõem (ou dizem se opor, mas cuja sinceridade dá para se colocar, tranquilamente, em dúvida), que “a vida não é assim”, que esses finais apoteóticos e felizes não condizem com a realidade. Mas seria esse o papel do escritor? Seria tarefa sua ater-se rigorosamente ao real (o que até seria paradoxo quando recorre à ficção)? Ele não caberia, especificamente, ao jornalista, este sim comprometido com a veracidade dos fatos, em seus mínimos detalhes? É preciso que algum escritor nos demonstre que o mundo não é o paraíso que desejaríamos que fosse? Por mais alienadas que as pessoas sejam, não há quem ache que a realidade reflita minimamente situações que se aproximem mesmo que remotamente das ideais.
Creio que o desafio dos artistas e, claro, dos escritores, objetos destas considerações, não é reproduzir a vida “como ela é”, mas como “poderia e deveria ser”. Johann Wolfgang Goethe, um dos maiores homens de letra não somente da Alemanha, mas do mundo, e de todos os tempos, escreveu algo mais ou menos nessa linha. Observou: “O maior problema de toda a arte é produzir, por meio de aparências, a ilusão de uma realidade mais grandiosa”. Ou seja, é o de exaltar as virtudes, o bem, a coragem, a beleza e, sobretudo, a esperança. Quem quiser um “banho de realidade”, que leia os jornais, assista aos noticiários na televisão, ouçam-nos no rádio ou freqüentem portais de notícias na internet.
Os grandes artistas estabelecem, sobretudo, sua identidade, que refletem nos personagens que criam. Generosos, nos ofertam a possibilidade de libertação do espaço, do tempo e até da morte que, se não a evitam (e não nos ensinam a evitar, pois é inevitável) sugerem como aceitá-la serenamente, como realidade impossível de ser mudada.
André Malraux escreveu a seguinte a esse respeito: ““O grande artista (...) estabelece a identidade eterna consigo mesmo. Pela maneira segundo a qual nos mostra tal ato de Orestes ou Édipo, do príncipe Hamlet ou dos irmãos Karamazov, ele nos torna próximos a esses destinos tão afastados de nós no espaço e no tempo; torna-os fraternos e reveladores para nós. Assim, alguns homens têm o grande privilégio, essa parte divina, de encontrar no fundo deles mesmos, para nos oferecerem, aquilo que nos liberta do espaço, do tempo e da morte”.
A arte é, no final das contas, tentativa (na maioria das vezes bem-sucedida) de “interpretação da vida”, feita pelo artista. Tudo o que o cerca, animal, vegetal ou mineral não importa, é tema potencial para suas criações, temperado, claro, pelo seu talento, experiência e modos de enxergar as coisas. Deleito-me, e aprendo muito mais sobre mim mesmo e o mundo nas obras dos grandes criadores, do que na filosofia, nas ciências e em outras tantas disciplinas criadas pelo e para o homem. E mais ainda do que na crueza do jornalismo, minha profissão original e opção de vida, cuja importância não seria estúpido de negar. Porém, além de utilização do mesmo meio de expressão, no caso o texto, o jornalista no exercício do seu metier pouco (ou nada) tem a ver com o artista e, em especial, com o escritor.
A natureza, se bem observada, é, por si só, inigualável obra de arte. Ás vezes é tétrica (e para o artista, há beleza, até, na extrema feiúra), às vezes sublime, dependendo do que se observa. Mais do que agradar os sentidos, seu principal papel é induzir o observador à reflexão e à análise do que é e onde está. Ser artista, portanto, é enxergar o outro lado das coisas e se deleitar com ele.
Em resumo, pode-se concluir que as artes, qualquer delas, estão entre as atividades mais nobres que existem. Mostram a vida, reitero, não somente como ela é, mas, principalmente, como poderia e deveria ser (e que, de fato, poderá se concretizar, caso atuemos positivamente para torná-la ideal). Nem todos, é verdade, têm habilidades artísticas. Mas ninguém é despido de sensibilidade a ponto de não apreciar um belo poema, um quadro pintado com maestria, uma sinfonia harmoniosa e marcante ou uma escultura executada com perícia. O artista valoriza, sobretudo, a beleza que nos rodeia e que dá encanto à vida.
Se a literatura é importante na vida das pessoas (e estou absolutamente convicto que é), essa constatação sugere um questionamento lógico e pertinente: Qual seu verdadeiro papel no estudo dos seres vivos (principalmente dos humanos)? Para quê ela serve? Para divertir, ou para instruir, orientar, analisar e concluir? Sou suspeito (suspeitíssimo) para opinar, posto que vivo (também) de literatura. É um dos meios pelos quais obtenho meu sustento.
Entendo, todavia, que essa atividade é muito importante para a “fermentação” de idéias, para o estudo do comportamento das pessoas e para nos indicar, sobretudo, o que não devemos fazer, caso tenhamos intenção de obter sucesso em nossas atividades e na convivência do dia a dia. Alguém pode, a esta altura, perguntar: “mas não temos a ciência para estudar o comportamento das pessoas? Afinal, existe uma disciplina, a “etologia”, que é exclusivamente voltada para isso. Sim, temos, de fato temos. Mas somente ela não basta.
Afinal, a vida não se restringe a leis naturais e imutáveis e não há sequer dois seres vivos que reajam de forma absolutamente igual. Ela é sutil e não comporta análises mecânicas e genéricas. Para sua compreensão, são necessários exemplos, das várias formas de comportamento das pessoas. Ainda assim, somos incapazes de compreender em profundidade esse maravilhoso mistério, esse privilégio, essa magnífica aventura que é viver.
A literatura tem, pois, sua importância, mesmo que relativa. Nem é inútil, como acusam os que não sabem ou não gostam de ler, e nem essencial à vida, como pretendem os que a produzem. O maior desafio do escritor é fazer do “happy end” das histórias que cria e que narra a tal “ilusão de uma realidade mais grandiosa”, defendida por Goethe, que desperte no espírito do leitor uma onda infinda de esperança.
Boa leitura.
O Editor.
Acompanhe o Editor pelo twittert: @bondaczuk
Novamente o paralelo entre o texto jornalístico e o literário. Cada qual cumpre seu papel em um dado momento. Ambos são vitais, embora nem todas as pessoas saibam disso. Por necessidade geral, muitos acabam se utilizando do texto jornalístico, ainda que ouvindo-o. Um dia a literatura chega lá.
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