sábado, 20 de novembro de 2010




Vocação para a infelicidade

* Por Urda Alice Klueger

Passava eu uns poucos idílicos dias em Aruba. Aruba é uma ilha de 35 quilômetros quadrados ao norte da Venezuela, jóia preciosa engastada no mar transparente do Caribe, minúsculo país que já foi colônia holandesa, e que hoje fala uma interessantíssima língua chamada papiamento.
A única atividade econômica de Aruba é o turismo, e 600.000 turistas vão lá todos os anos. Assim, tudo naquele país onde só vivem pessoas ricas, é feito para o prazer do turista. Até para se caminhar na praia há caminhozinhos de cimento, para que o turista não tenha que sujar os pés na areia. Verdadeira ilha da fantasia. Aruba é perfeita e maravilhosa, embora nos deixe na boca um travo de falsificação quando se vai embora e a falsificação da irrealidade; a vida, lá, não é verdadeira, não é intensa como o resto do mundo. Em todo o caso, é um paraíso terrestre para alguns poucos dias, e achava que era impossível alguém sentir alguma coisa negativa no meio daquela maravilha rodeada por águas verdes e transparentes.
Eu estava caminhando por um dos caminhozinhos de cimento de uma das praias de Aruba, quando, na minha frente, quando vi um casal que tinha toda a pinta de ser brasileiro. A moça era muito elegante: usava uma canga colorida como nós usamos no Brasil; um par de brincos de casca de coco dava-lhe um ar sofisticado. No meio daquela imensidade de estadunidenses deselegantes que lá passam suas férias, ela chamava a atenção, e eu a julguei brasileira. Apressei o passo para ouvir o que o casal falava, e não deu outra: falavam português ! Fazia dois dias que não encontrava brasileiros, e os abordei de imediato. Foi ótimo, eles foram super-receptivos, convidaram-me para a barraca deles, não paramos de conversar no caminho.
Daí, chegamos à barraca. As praias de Aruba são cheias de barracas simétricas, direitinhas, com telhado de palha, onde há espreguiçadeiras já com toalhas, uma das tais mordomias de Aruba. Chegamos à barraca do casal brasileiro, e lá já havia outro casal. Os dois casais viajavam juntos, e aí eu vi o que é vocação para infelicidade.
Os brasileiros haviam chegado em Aruba fazia dois dias - chegaram e foram olhar a praia, e acharam-na maravilhosa. Daí a mulher do outro casal disse :
- Eu quero aquela barraca lá para amanhã!
As barracas são todas iguais, mas aquela era a primeira de uma série de frente para o mar.
Na manhã seguinte ela levantou-se às SEIS DA MANHÃ (em plenas férias) para ir à portaria do hotel reservar a dita barraca. Deve ter voltado para o quarto e infernizado o marido um pouco, pois só desceram para a praia às oito. E o que aconteceu? Já havia outras pessoas na dita barraca.
Aquilo foi uma tragédia para a mulher. Ela infernizou todo o mundo o tempo todo, fez o gerente do imenso hotel vir à praia para reclamar, não aproveitou nada o dia inteiro. Havia dezenas de outras barracas vazias, de frente para o mar, bem ali, mas ela conseguiu ficar infeliz e revoltada por todo o dia porque alguém estava na barraca que ela queria.
Capítulo dois: na manhã seguinte, quando os encontrei, a dita mulher havia acordado às CINCO DA MADRUGA para reservar de novo a tal barraca. Deve ter infernizado a vida do marido, de novo, pois de novo só desceram para a praia às oito. Adivinhem o que tinha acontecido! Tinha gente na dita barraca de novo! A mulher só faltou endoidar! Foi quando os encontrei.
Não foi nada agradável ouvir toda aquela história da boca da mulher, que, além de tudo era feia e estava transida de raiva. Tentei pôr água fria na fervura, falei-lhe aquelas coisas assim: você está de férias, esqueça isto, olhe só quantas barracas vazias, olhe como o mar está lindo! - sem o menor sucesso. A mulher só faltava espumar como um cão raivoso, estava perdendo mais um dia que poderia ser maravilhoso naquela ilha paradisíaca! Caí fora, é claro. Caí fora com pena do marido dela e do outro casal, aquele da mulher elegante e bonita. É claro que a mulher feia e braba estava estragando as férias dos quatro. Haja vocação para a infelicidade!

* Escritora de Blumenau/SC, historiadora e doutoranda em Geografia pela UFPR

Um comentário:

  1. Pessoas com esse temperamento para o ruim, quando não tem problema criam um. Que nos sirva de lição quando estivermos achando dificuldades onde elas não existem. Uma aula de como não devemos nos comportar.

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