quinta-feira, 25 de novembro de 2010







Cenas do próximo capítulo

* Por Fernando Yanmar Narciso

Mantenha-os distraídos. Esse é o lema de qualquer tipo de mídia.
Depois que a ditadura militar acabou, os canais de TV sentiram uma liberdade tão grande que começaram a acreditar que podiam vender qualquer coisa como entretenimento. Literalmente. A coqueluche dos reality shows, que já dura uns 20 anos em todo o mundo, é minha testemunha. Fora da tela, ver uma garota bêbada vomitando na calçada é uma cena triste e vergonhosa para a família dela, mas entre as duas camadas de plástico dos monitores de LCD a cena torna-se um prazer culposo.
Assim que a censura acabou, os novelistas, que antes precisavam submeter CADA TIL de seus textos aos caprichos de um general de óculos com uma caneta de grifar na mão, transformaram suas tramas em verdadeiros bundalelês. A realidade, que outrora não tinha vez nas tramas, as invadiu de maneira avassaladora.
Termos que não podiam ser utilizados nos tempos dos milicos como prostituição, bigamia, incesto, tráfico de drogas, fratricídio, psicopatia, suicídio e muitas outras agruras passaram a ser tão comuns no mundo do entretenimento como areia no Saara. Com isso nossa estimada Rede Globo, que nos anos 70 era a campeã da alienação em massa, nas décadas seguintes passou a ocupar o posto de campeã de deturpação de valores morais e desintegração familiar, segundo alguns sociólogos desocupados, e também os ocupados, por aí.
Quando a Vênus Platinada ainda nem sonhava em ser uma das maiores emissoras de televisão do mundo, escrever um folhetim de qualidade não era fácil. Nossa padroeira Janete Clair que o diga. Ela era faixa-preta em novelas com excesso de romantismo e fantasia, que agarravam a audiência pelo pescoço do primeiro ao último capítulo, e nem assim escapou de problemas com o Governo Federal. Porém, o imortal Dias Gomes não se casaria com uma mulher qualquer.
Tão capaz quanto o marido, a escritora compulsiva conseguiu mudar completamente o destino de Selva de Pedra, sua obra-prima, reescrevendo sete capítulos inteiros em um só dia! Para quem não sabe, a novela foi baseada no romance Uma Tragédia Americana, de Theodore Dresler, que àquela altura já havia tido duas adaptações para o cinema. Mas, lá pelos idos do capítulo 80, os generais chamaram Janetão para uma conversa. Disseram que o casamento do galã Francisco Cuoco com Dina Sfat não poderia acontecer, pois ele ainda era casado com a personagem de Regina Duarte, e isso de algum jeito poderia ensinar os espectadores burros e pobres a apoiar a bigamia. Ela saiu da reunião com a cabeça cheia de idéias, deu uma virada na trama e ainda abocanhou 100% da audiência brasileira no último capítulo. Mister feito!
Menos sorte teve Fogo Sobre Terra, de 1974. Com uma trama polêmica para a época, envolvendo luta de classes, a sinopse já havia recebido duas vezes o sinal amarelo dos censores, porque parecia uma analogia à luta dos guerrilheiros contra a ditadura. E quando ela, enfim, conseguiu permissão para tocar o projeto adiante, os milicos, na falta de uma palavra melhor, estupraram a obra, cortando blocos e às vezes semanas inteiras de trama, deixando o enredo truncado e incompreensível.
Janete Clair, Dias Gomes, Bráulio Pedroso, Laudo César Muniz, Ivani Ribeiro, Cassiano Gabus Mendes e Gilberto Braga são até hoje considerados heróis pelos que vieram depois deles. Era necessária habilidade de mestre para ocultar mensagens subliminares nas tramas e passar seus recados sem arrumar confusão com os Atos Institucionais. E as novelas feitas entre 1972 e 1985 continuam inesquecíveis.
Mas a era dos grandes desafios autorais infelizmente acabou. Escrever novelas virou uma parada tão fácil que até eu consegui escrever uma! Essas histórias de hoje só têm crocodilagem, traição, chantagem, festivais de chifres, barracos, crimes hediondos, psicopatas… Pô, disso o mundo já tá cheio! Quando se chega em casa depois de um longo dia de trabalho, creio eu que todos queremos esquecer que essas coisas existem ao ligar a TV. Após os indigestos programas policiarescos de fim de tarde e do noticiário das maldades das 8, o que precisamos é de uma diversão leve e escapista, para que, por pelo menos uma hora, pareça haver salvação pro mundo.

* Fernando Yanmar Narciso, 26 anos, formado em Design, filho de Mara Narciso, escritor do blog “O Blog do Yanmar”, http://fernandoyanmar.wordpress.com

2 comentários:

  1. Os dois autores lançaram dois estilos, por demais imitado. Muita coisa mudou, claro. Os costumes mudaram muito rápido. Rever as novelas dessa época, o ritmo lento da trama, nos faz perguntar: estamos correndo assim para quê?

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  2. Talvez se fizerem um clone do Dias gomes
    quem sabe a teledramaturgia melhore...
    Abração

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