domingo, 14 de novembro de 2010




O coração de Billy The Kid

* Por Paulinho Assunção

1. No quilômetro 729, numa curva, pouco antes do Povoado das Lacrimosas, você vai ver cinco árvores.

2. São cinco jacarandás.

3. O terceiro é o mais velho e é ali, um pouco à direita, onde há um marco de pedra, que está enterrado o coração de Billy the Kid.

4. Foi por amor.

5. Por um raio de muitas léguas, em qualquer birosca de beira de estrada, você vai ouvir a história.

6. O nome dela seria Orcanda, Orlanda, Ordália, Olinda — tantos nomes de boca em boca para referências a uma só pessoa.

7. Mais correto seria Ordália, filha de Josué e Mercês, Ordalita para os mais íntimos.

8. O amor chegou com fogo baixo, cresceu com algumas labaredas, virou incêndio pela altura de um setembro — há quem fale em outubro.

9. Billy the Kid era motorista de uma Scania entre Uberlândia e Jaboticabal — arroz nas viagens de ida, cerâmica nas viagens de volta.

10. Ordalita sempre punha os seus vermelhos (batom, vestido e unhas) quando presumia as buzinas no alto da curva, o ronco daquele motor feito potro, com medalinha de São Judas Tadeu na boléia.

11. Foi então no tal dia (era setembro ou outubro), no coaxar da tarde, que a carreta serenou no acostamento, justo no 729, perto do terceiro jacarandá.

12. Contam que Ordalita só tinha risos, risos e rumorejos.

13. Contam que eram dois passarinhos, fervores de bicos e lábios, debaixo do jacarandá.

14. Contam que Billy the Kid, em certa hora, trouxe Ordalita ao colo, ele próprio fez-se rede, ele próprio fez-se ninho.

15. E contam das horas passadas, noite adentro, os dois.

16. E por fim contam do velho Josué, das trevas saído, com o punhal.

17. E contam.

18. E recontam.

19. O coração na madrugada, elevado aos céus, sob estrelas cadentes.

20. Contam palavras sinistras.

21. De um tal Billy the Kid.

22. Motorista.

23. Etc.


* Poeta, ficcionista e jornalista com mais de uma dezena de livros publicados. Foi membro da Comissão de Redação do Suplemento Literário do Minas Gerais e repórter na sucursal mineira da Agência Estado. Ganhou o Prêmio Cidade de Belo Horizonte de 1983 (Poesia) e o Prêmio Minas de Cultura (Guimarães Rosa), categoria contos, em 1998. Edita, entre outros, os blogues Paulinho Assunção: Works (http://paulinhoassuncao.blogspot.com) e Quixote e Kafka em Belo Horizonte (http://quixoteembelohorizonte.blogspot.com

Um comentário:

  1. Ai que amor trágico! Ordália deveria ter tido mais cuidado, sido mais previdente, e avisado a Billy. A surpresa foi grande, pois não suspeitei que a moça fosse comprometida. Pobre coração!

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