quinta-feira, 18 de novembro de 2010




Sombra duma sombra

* Por Pedro J. Bondaczuk

O escritor, filósofo, filólogo e historiador Joseph Ernest Renan, que viveu, na França, no século XIX, analisando os acontecimentos do seu tempo, escreveu, certa feita: “Estamos vivendo à sombra duma sombra. Em que viverão os povos que nos sucederem?” Boa pergunta. Se estivesse vivo, o que acharia do tipo de vida que se leva hoje, em pleno século XXI? Certamente, estaria decepcionado. A maioria de nós está!
A maneira de encarar o futuro, tanto do otimista, quanto do pessimista, é bastante parecida, variando, apenas, de intensidade. O primeiro, por exemplo, tem “certeza” de que ele será brilhante e feliz, muito melhor que o presente. Já o segundo, manifesta, apenas, “esperança” que venha a ser assim.
É verdade que via de regra ele afirme, em conversas, (mesmo que não sinta isso), achar que o futuro será pior do que o presente. Está em sua natureza apostar no negativo. Mas no íntimo, não espera pelo pior. Pelo contrário. Como se vê, em ambos os casos, tanto o otimista, quanto o pessimista, não se baseiam em fatos. Afinal, o futuro é imprevisível e não passa de abstração. É o que ainda não aconteceu e pode jamais acontecer.
Estranhamente, nessa questão, os opostos, se não se tocam, pelo menos se aproximam. Diferem, apenas, na intensidade dos seus anseios. Um “afirma” que aquilo que está por vir será melhor. Outro “espera” que assim o seja. Por maior que seja a soma de conhecimentos ao dispor da humanidade, ela é ínfima diante dos segredos e mistérios da natureza que nos cerca e, sobretudo, do universo, ainda por serem desvendados. E olhem que o acervo de informações atual não é de se desprezar. Muito pelo contrário. É impossível de ser assimilado por uma única pessoa, ou por pequenos grupos delas, tamanha é a sua vastidão.
O advento da informática, por exemplo, possibilitou ao homem reunir, num só dia, conhecimentos e informações equivalentes aos gerados em vários séculos pela humanidade. Como se vê, não é a ciência que fracassou na tarefa de esclarecimento humano. Com todas suas carências, naturais na obra de um animal ainda em evolução, ela cumpre, até que razoavelmente, seu papel. Ocorre que a extensão dos conhecimentos é, virtualmente, infinita.
Há quem afirme, sem nenhuma base científica ou mesmo fundamentação lógica, que o universo, com sua dimensão infinita, foi feito à medida do ser humano. Não foi. É muita arrogância de quem pensa dessa maneira. Somos, apenas, partes ínfimas, irrisórias, totalmente descartáveis desse fenomenal conjunto.
É certo que somos dotados de razão, o que nos torna especiais, por possibilitar a compreensão, posto que ainda primária e rudimentar, do que somos e onde estamos. Mas se o universo não foi feito à nossa medida, também não nos é, particularmente, hostil. Somos uma espécie bastante adaptável e eclética e temos, ainda, muito a aprender e a superar.
Não tenho dúvidas de que, um dia, o homem haverá de conquistar outros mundos, embora sua principal conquista deva ser a de si próprio, a dos seus instintos. Por isso, não posso deixar de dar razão ao físico e astrônomo Carl Sagan, quando afirma: “O universo não foi feito à medida do ser humano, mas tampouco lhe é adverso: é-lhe indiferente”.
Por que o futuro sempre nos parece tão promissor, mesmo que nosso presente seja sombrio e repleto de dificuldades? Afinal, trata-se de uma contradição. Objetivamente, vivemos, a conta-gotas, cada hoje, que é o tempo em que temos condições de agir. O ontem é somente lembrança e não pode ser modificado e o amanhã, queiram ou não, é imensa incógnita.
Ocorre que o futuro é sempre movido a esperança. Contamos que, nele, as circunstâncias eventualmente desfavoráveis atuais, haverão de se modificar para melhor, mesmo que pareça (e seja) improvável. O que fazemos, na verdade, é dar asas à fantasia que, como sabemos, tudo pode, mas (infelizmente) apenas no plano abstrato. No terreno do concreto...
O futuro é sempre enorme incógnita. Sabemos, apenas, com certeza, que nele iremos envelhecer e que, um dia, que desconhecemos quando, morreremos. É verdade que o passado não pode ser alterado. Devemos, pois, desprezá-lo, liminarmente, e fazer de conta que sequer aconteceu? Depende.
Caso os erros que cometemos nele possam ser reparados, é importante que o façamos o mais rápido possível. Afinal, essa é a única forma de interferência naquilo que já passou com que contamos. Todavia, as mágoas, tristezas, tropeços e dores que eventualmente tivemos, em alguma fase da vida, devem ser esquecidos e, se possível, apagados da memória, já que sua lembrança não nos servirá para nada, se não para perpetuar sofrimentos desnecessários e evitáveis.
Temos que substituir – em nome da nossa sanidade mental e até física – esses sentimentos negativos por gratidão, alegrias, projetos e satisfações, na tarefa de construção de um presente feliz. O passado, portanto, importa sim. Mas apenas como origem, como alicerce do que estivermos construindo agora, no tão volátil hoje. Porquanto, como afirmou Ernest Renan, “vivemos à sombra duma sombra”. Aliás, não apenas de uma, mas de múltiplas.

*Jornalista, radialista e escritor. Trabalhou na Rádio Educadora de Campinas (atual Bandeirantes Campinas), em 1981 e 1982. Foi editor do Diário do Povo e do Correio Popular onde, entre outras funções, foi crítico de arte. Em equipe, ganhou o Prêmio Esso de 1997, no Correio Popular. Autor dos livros “Por uma nova utopia” (ensaios políticos) e “Quadros de Natal” (contos), além de “Lance Fatal” (contos) e “Cronos & Narciso” (crônicas). Blog “O Escrevinhador” –http://pedrobondaczuk.blogspot.com – twitter:@bondaczuk
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