terça-feira, 16 de novembro de 2010




C’est la vie

* Por Risomar Fasanaro

Fui um dia desses assistir a uma palestra. Buscava ouvir alguma coisa que me acalentasse a alma que andava atribulada.

A palestrante contou uma história que me impressionou muito, me fez refletir muito sobre a vida, por isso resolvi contá-la a você.

Ela não informou quem era o autor, e se algum de vocês souber, por favor, me avise, para eu lhe dar os devidos créditos.

Os comentários que eventualmente aparecem no meio ou após o texto são meus.

Era a história de uma mulher que queria ser muito rica, que queria ter muito dinheiro e muitas jóias. Quem sabe assim se tornaria poderosa.

Algumas pessoas, pensei enquanto ouvia a história, não conseguem viver sem poder, muito menos sem dinheiro.

Um dia essa mulher da história passeava empurrando um carrinho de bebê com seu filho, quando se deparou com uma estranha porta com um cartaz em que estava escrito: “abra e retire tudo que quiser, mas depois que a porta se fechar, nunca mais ela poderá ser aberta”.

Muito ambiciosa, a mulher nem pensou, abriu a porta, entrou, e se deparou com um enorme salão onde havia jóias e dinheiro em todos os lugares: pulseiras, brincos, anéis, correntes de ouro, muitos diamantes, esmeraldas, topázios...

Quando viu aquele tesouro todo, não teve dúvidas, colocou os brincos mais bonitos que havia, cobriu os dois braços de cima abaixo com as pulseiras, colocou anéis valiosíssimos em todos os dedos, e no pescoço muitos colares de brilhante, esmeraldas, correntes e mais correntes que quase lhe dobravam o corpo com seu peso.

Em seguida encheu completamente a bolsa com mais e mais jóias, e lamentou não ter saído com um bolsa maior; depois recolheu pilhas de dinheiro e socou por dentro do soutien, da calcinha - enfim, não havia mais nenhum espaço para colocar o que ali recolhera.

E com todo aquele tesouro em seu poder, deduziu que jamais passaria necessidade em sua vida. Estava rica, milionária. E de repente sentiu medo. Um verdadeiro pavor apossou-se dela. Aquele medo que só sentem os que possuem coisas materiais.

E se aparecesse alguém ali e lhe tirasse todo aquele tesouro? Pensando nisso, agarrou seus novos pertences, correu até a porta e saiu. Esta se fechou imediatamente.

Lá fora a mulher começou a olhar tudo que tinha adquirido assim, sem esperar. Levantou os braços e olhou demoradamente as pulseiras, os anéis...

Venderia tudo aquilo e ficaria rica. Rica!!!Nunca mais saberia o que era pobreza, o que era sentir fome, frio. E mais, seria muito, muito poderosa, pois as pessoas, pensou ela, se curvariam diante dela, agora que se tornara rica.

Começou a fazer planos: compraria algumas mansões, todas com piscina, claro, um avião, um iate...

Foi aí que ela se lembrou...Olhou em volta e constatou: com a pressa de retirar o máximo de jóias e dinheiro daquele lugar, se esquecera de pegar o filho que ficara preso no carrinho, atrás daquela porta...

A história termina aí, e voltei para casa refletindo sobre o que ouvira.

Quantas vezes fechamos uma porta para sempre, por não valorizar o que temos de mais precioso ali, diante dos nossos olhos? Por achar que o dinheiro ou outras pessoas são mais interessantes, mais valiosas, e perdemos para sempre o que mais nos fazia felizes e não percebíamos?

E a possibilidade mais dolorosa seria algum de nós, em situação semelhante, ser não a mulher coberta de jóias, mas a criança que foi abandonada em um local cuja porta jamais se abrirá. E, pior que isso, só se dê conta da perda muito tarde. C’est la vie.

* Jornalista, professora de Literatura Brasileira e Portuguesa e escritora, autora de “Eu: primeira pessoa, singular”, obra vencedora do Prêmio Teresa Martin de Literatura em júri composto por Ignácio de Loyola Brandão, Deonísio da Silva e José Louzeiro. Militante contra a última ditadura militar no Brasil.

3 comentários:

  1. E quantos e quantos não fazem isso?
    Justificam-se e se perdoam...não prestam
    mais atenção a sua volta e quando se dão
    conta...estão sós.
    Miseravelmente sós...
    Beijos Riso

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  2. Terrível, Risomar. C'est la mort.

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  3. Há algum tempo essa história circula na internet. No começo fala que a mulher poderia, para ficar rica, perder alguma coisa preciosa, então canta a pedra de que poderia se esquecer do filho. Você, Risomar, mostrou os dois lados da história, enriquecendo-a, dando-lhe nova vida. Vê aquilo que abandonamos, em busca de algo que nem sabemos bem o que é, e também analisa o lado abandonado. Quantas vezes vivenciamos uma realidade para depois estarmos exatamente no seu oposto?

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