Busca da coerência
A busca (e manutenção) da coerência tem que ser objetivo permanente de quem lida com textos, seja jornalista ou escritor, pois o que escreve tem o caráter de permanência e tende a denunciá-lo, não raro anos mais tarde, caso venha a se contradizer. Aliás, trata-se de virtude desejável para todos os que lidam com idéias, mas que se torna possível, apenas, quando se tem convicção no que se expressa. Daí recomendar às pessoas que tratem, exclusivamente, do que de fato conheçam, (e em profundidade), para evitarem de dizer, se contradizer, tornar a dizer, voltar a se contradizer e assim indefinidamente. Muita obra de ficção já foi arruinada por falta de um pouquinho que fosse de coerência. A coisa fica pior quando se trata de crônicas e ensaios. Talvez se faça “vistas grossas” apenas aos poetas, quando são incoerentes e contraditórios, já que sua “matéria-prima” não são propriamente idéias, mas sonhos, sentimentos, emoções e, não raro, “delírios.
Em uma conversa informal, a coerência e seu oposto, a incoerência, nem sempre são notadas e, por isso, exigidas. Claro que seria desejável que fossem notadas e que a primeira delas estivesse sempre presente. Enfim... Em uma palestra, ou conferência, ou mesmo locução de rádio e TV, a incoerência, quando cometida, é notada sim. O autor, todavia, nesses casos, pode alegar (e via de regra alega) equívoco dos ouvintes. Mas num texto... A bobagem nunca passa despercebida. Sempre haverá quem detecte a incoerência e a denuncie, para constrangimento de quem a cometeu, mesmo que demore anos para denunciar.
E por que somos tão amiúde incoerentes ao falar? Dante Aligheri, em sua “Divina Comédia”, na parte referente ao “Paraíso”, Canto XIII, atribui isso à “afoiteza”. Não pensamos devidamente antes de nos expressar. Temos pressa em colocar nossas opiniões e, com isso, as distorcemos, não raro sem sequer nos darmos conta. O poeta escreveu a propósito: ”Revela-se o mais tolo entre os tolos aquele que sem meditação afirma ou nega. Num e noutro caso, cumpre ser ponderado. A afoiteza é causa de que muitas vezes a opinião geral conclua erradamente, havendo a paixão tomado o lugar do raciocínio. Mais do que inútil é a saída para o mar do que não sabe a arte da pesca, pois com maior dano volta da procura da verdade aquele que não se preparou para encontrá-la”.
É bem possível que a esta altura algum leitor queira me contestar, assegurando que estou sendo desastrosamente incoerente em minhas colocações. Poderá, para tanto, jogar-me na cara texto recente que escrevi em que fiz a defesa da flexibilidade de opiniões. Ou seja, recomendei que mudemos nossa postura sem maiores constrangimentos. Mas quando fazer isso? Sempre? Não! Apenas quando alguma opinião que tenhamos seja provada, de forma incontestável, que é errada. Conservá-la, nesses casos, apenas por teimosia, é uma grande estupidez. Não vejo nenhuma incoerência entre essa recomendação e o que acabo de afirmar. O que se condena é você escrever determinada coisa, digamos, em uma crônica, e, no mesmo texto, linhas abaixo, se desdizer, posto que com outras palavras. Ou ter a mesma atitude num outro texto, não importa. É claro que, então, estará sendo incoerente, incoerentíssimo por sinal. Se você mudou de opinião, convencido que foi de que antes estava errado, fez muito bem. Tratou-se de atitude de sábio. Mas tenha, então, o capricho de revelar ao leitor essa mudança. Assim, estará evitando de ser dogmático e, por conseguinte, manterá, sim, a coerência.
É verdade que o ser humano é um feixe de contradições. E quanto mais o analisamos, mais perplexos e surpresos ficamos com seus extremos. Todos somos, praticamente o tempo todo, contraditórios. Eu sou, você é, assim como seu cônjuge, seu vizinho, seu amigo, seu inimigo etc. o são. Mas seria errado pelo menos tentarmos manter um mínimo de coerência no que dissermos e, principalmente, escrevermos? É óbvio que não. Charles Baudelaire, certa feita, fez o seguinte desabafo, em tom de queixa: “É lamentável que entre os direitos do homem, tenha sido esquecido o direito da pessoa se contradizer”. Mas ele não foi esquecido. Apenas não foi explicitado. Desde que, como enfatizei, você esclareça a razão da mudança de determinada opinião, ou seja, dessa contradição, estará sendo, mesmo que minimamente, coerente ao mudá-la.
O homem, principalmente em suas atitudes, oscila entre o tétrico e o sublime, a santidade e a maldade, o desprendimento e o egoísmo. O bem e o mal duelam constantemente, ao longo de toda a nossa vida, no interior da nossa alma e, a qualquer momento, um deles pode triunfar e determinar nossa trajetória final no mundo. Ou seja, fazer com que venhamos a ser lembrados (se o formos) pela posteridade como anjos ou demônios, dependendo do teor das nossas ações.
Entendo que somos, ainda, uma espécie em franca evolução. Estamos longe de sermos seres já “acabados”. Há muito, ainda, a modificar e a desbastar, nesta “estátua” viva e pensante, que nós somos. Isso que hoje classificamos de “civilização”, por exemplo, certamente (ou provavelmente, vá lá), dentro de dois, quatro, seis ou mais séculos, será tido como “barbárie”. Nossos descendentes se mostrarão pasmos com a nossa ignorância e selvageria. Temos, reitero, muito, mas muito mesmo que evoluir e contamos com potencial imenso para essa evolução. Se o faremos (ou não) ou quando, é uma outra história.
Blaisé Pascal expressa, com a precisão de filósofo, sua perplexidade face às contradições humanas (dele, minhas, suas etc.). Escreve: “Que quimera é o homem? Que novidade, que monstro, que caos, que sujeito de contradições, que prodígio! Juiz de todas as coisas, verme imbecil; depositário da verdade, fossa de incerteza e de erro; glória e nojo do universo. Quem é capaz de desvendar esta embrulhada?”. Eu não sou! Porventura você seria, meu crítico e analítico leitor?
Boa leitura.
O Editor.
A busca (e manutenção) da coerência tem que ser objetivo permanente de quem lida com textos, seja jornalista ou escritor, pois o que escreve tem o caráter de permanência e tende a denunciá-lo, não raro anos mais tarde, caso venha a se contradizer. Aliás, trata-se de virtude desejável para todos os que lidam com idéias, mas que se torna possível, apenas, quando se tem convicção no que se expressa. Daí recomendar às pessoas que tratem, exclusivamente, do que de fato conheçam, (e em profundidade), para evitarem de dizer, se contradizer, tornar a dizer, voltar a se contradizer e assim indefinidamente. Muita obra de ficção já foi arruinada por falta de um pouquinho que fosse de coerência. A coisa fica pior quando se trata de crônicas e ensaios. Talvez se faça “vistas grossas” apenas aos poetas, quando são incoerentes e contraditórios, já que sua “matéria-prima” não são propriamente idéias, mas sonhos, sentimentos, emoções e, não raro, “delírios.
Em uma conversa informal, a coerência e seu oposto, a incoerência, nem sempre são notadas e, por isso, exigidas. Claro que seria desejável que fossem notadas e que a primeira delas estivesse sempre presente. Enfim... Em uma palestra, ou conferência, ou mesmo locução de rádio e TV, a incoerência, quando cometida, é notada sim. O autor, todavia, nesses casos, pode alegar (e via de regra alega) equívoco dos ouvintes. Mas num texto... A bobagem nunca passa despercebida. Sempre haverá quem detecte a incoerência e a denuncie, para constrangimento de quem a cometeu, mesmo que demore anos para denunciar.
E por que somos tão amiúde incoerentes ao falar? Dante Aligheri, em sua “Divina Comédia”, na parte referente ao “Paraíso”, Canto XIII, atribui isso à “afoiteza”. Não pensamos devidamente antes de nos expressar. Temos pressa em colocar nossas opiniões e, com isso, as distorcemos, não raro sem sequer nos darmos conta. O poeta escreveu a propósito: ”Revela-se o mais tolo entre os tolos aquele que sem meditação afirma ou nega. Num e noutro caso, cumpre ser ponderado. A afoiteza é causa de que muitas vezes a opinião geral conclua erradamente, havendo a paixão tomado o lugar do raciocínio. Mais do que inútil é a saída para o mar do que não sabe a arte da pesca, pois com maior dano volta da procura da verdade aquele que não se preparou para encontrá-la”.
É bem possível que a esta altura algum leitor queira me contestar, assegurando que estou sendo desastrosamente incoerente em minhas colocações. Poderá, para tanto, jogar-me na cara texto recente que escrevi em que fiz a defesa da flexibilidade de opiniões. Ou seja, recomendei que mudemos nossa postura sem maiores constrangimentos. Mas quando fazer isso? Sempre? Não! Apenas quando alguma opinião que tenhamos seja provada, de forma incontestável, que é errada. Conservá-la, nesses casos, apenas por teimosia, é uma grande estupidez. Não vejo nenhuma incoerência entre essa recomendação e o que acabo de afirmar. O que se condena é você escrever determinada coisa, digamos, em uma crônica, e, no mesmo texto, linhas abaixo, se desdizer, posto que com outras palavras. Ou ter a mesma atitude num outro texto, não importa. É claro que, então, estará sendo incoerente, incoerentíssimo por sinal. Se você mudou de opinião, convencido que foi de que antes estava errado, fez muito bem. Tratou-se de atitude de sábio. Mas tenha, então, o capricho de revelar ao leitor essa mudança. Assim, estará evitando de ser dogmático e, por conseguinte, manterá, sim, a coerência.
É verdade que o ser humano é um feixe de contradições. E quanto mais o analisamos, mais perplexos e surpresos ficamos com seus extremos. Todos somos, praticamente o tempo todo, contraditórios. Eu sou, você é, assim como seu cônjuge, seu vizinho, seu amigo, seu inimigo etc. o são. Mas seria errado pelo menos tentarmos manter um mínimo de coerência no que dissermos e, principalmente, escrevermos? É óbvio que não. Charles Baudelaire, certa feita, fez o seguinte desabafo, em tom de queixa: “É lamentável que entre os direitos do homem, tenha sido esquecido o direito da pessoa se contradizer”. Mas ele não foi esquecido. Apenas não foi explicitado. Desde que, como enfatizei, você esclareça a razão da mudança de determinada opinião, ou seja, dessa contradição, estará sendo, mesmo que minimamente, coerente ao mudá-la.
O homem, principalmente em suas atitudes, oscila entre o tétrico e o sublime, a santidade e a maldade, o desprendimento e o egoísmo. O bem e o mal duelam constantemente, ao longo de toda a nossa vida, no interior da nossa alma e, a qualquer momento, um deles pode triunfar e determinar nossa trajetória final no mundo. Ou seja, fazer com que venhamos a ser lembrados (se o formos) pela posteridade como anjos ou demônios, dependendo do teor das nossas ações.
Entendo que somos, ainda, uma espécie em franca evolução. Estamos longe de sermos seres já “acabados”. Há muito, ainda, a modificar e a desbastar, nesta “estátua” viva e pensante, que nós somos. Isso que hoje classificamos de “civilização”, por exemplo, certamente (ou provavelmente, vá lá), dentro de dois, quatro, seis ou mais séculos, será tido como “barbárie”. Nossos descendentes se mostrarão pasmos com a nossa ignorância e selvageria. Temos, reitero, muito, mas muito mesmo que evoluir e contamos com potencial imenso para essa evolução. Se o faremos (ou não) ou quando, é uma outra história.
Blaisé Pascal expressa, com a precisão de filósofo, sua perplexidade face às contradições humanas (dele, minhas, suas etc.). Escreve: “Que quimera é o homem? Que novidade, que monstro, que caos, que sujeito de contradições, que prodígio! Juiz de todas as coisas, verme imbecil; depositário da verdade, fossa de incerteza e de erro; glória e nojo do universo. Quem é capaz de desvendar esta embrulhada?”. Eu não sou! Porventura você seria, meu crítico e analítico leitor?
Boa leitura.
O Editor.
Para não ser incoerente e fazer afirmações impensadas, e até enfáticas(meu estilo), melhor admitir que foi dado um nó. Pensar bem e escrever depois, mesmo quando há o aplicativo da lixeirinha, onde o arrependimento pode ser deletado.
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