O
pano em sua
cabeça determina quem você é
*
Por Mara Narciso
Quando
a moda era usar chapéu, os homens descobriam suas cabeças em sinal
de respeito, diante de uma autoridade, ao se despedir de um amigo num
funeral, ao entrar numa igreja, ou ao se sentar para comer. Para quem
você tira o chapéu? Outros adereços mostram quem são os homens em
suas culturas: cocar, solidéu, turbantes, bonés.
Para
a mulher, a cabeça coberta pode ser moda ou sinal de subserviência
a uma imposição. Nos anos 1960, a Igreja Católica exigia que as
mulheres casadas usassem véu preto durante a missa, e só podiam se
comungar com ele. As moças usavam véu branco. Isso já definia o
estado civil das mulheres. Para não dizer outra coisa. Felizmente,
caiu em desuso. Já as profissões militares ainda determinam o uso
de coberturas.
As
freiras usavam longos véus sobre seus hábitos que iam até o chão,
e suas vestimentas diziam quem eram. Depois essa roupa deixou de ser
obrigatória. As irmãs passaram a usar vestidos abaixo do joelho e
lenços pequenos sobre a metade da cabeça, mais adequados ao nosso
clima tropical. Outras ordens não têm uniformes, enquanto algumas
mantêm o hábito ancestral.
Durante
a década de 1970 e sob a influência hippie global, era preciso usar
cabelos lisos à moda americana e inglesa. Como as brasileiras, em
sua maioria, têm cabelos anelados, havia a imposição de se usar
“pasta para alisar os cabelos”, os rolinhos e a touca de meia,
conforme a necessidade de cada uma. O secador de cabelos de pé era
imperioso. Naquela época, era comum sair de casa com o cabelo
“rodado em touca de meia” ou com rolinhos e com um lenço de seda
sobre a cabeça.
Tempos
depois, com a difusão da “escova” e depois da escova
progressiva, não mais se vê mulheres brasileiras com lenços na
cabeça. No meio rural subsiste esse costume apenas entre mulheres
mais velhas, mais pobres, de baixa escolaridade e moradoras de
lugares ermos. O que era um costume indicativo de reserva tornou-se
exceção. Durante o trabalho, para se proteger do sol ou para não
impregnar os cabelos de poeira ou de fumaça, algumas se valem desse
recurso.
Em
poucos países as mulheres cobrem a cabeça e seguem rígidos
critérios de se vestir impostos por lei. Fora de casa são obrigadas
a se esconder da cabeça aos pés dentro de uma burca, geralmente da
cor preta, sob pena de serem apedrejadas e mortas, além de estar
acompanhadas por um homem da família, seja marido, pai ou irmão.
Existem outros lugares nos quais é norma cobrir a cabeça, o pescoço
e os ombros com véus de vários tamanhos e denominações, sem falar
na face coberta, exigida em outras nações.
No
Brasil, as mulheres que não querem alisar seus cabelos usam as
madeixas encaracoladas soltas ou, parcialmente, sob vistosos
turbantes multicoloridos, de puro charme. Quando uma mulher aparece
com um pano cobrindo toda sua cabeça, pensa-se imediatamente em
câncer, no seu tratamento quimioterápico e em seu conhecido efeito
colateral de queda capilar. Tornou-se habitual ver mulheres
recorrendo ao uso de lenços para se sentir mais confortáveis.
Outras mostram a cabeça desnuda.
A
simples presença de um lenço de cabelo serve para definir e
classificar a pessoa socialmente. Caso a mulher esteja com um deles,
não seja estrangeira do oriente médio e não esteja em tratamento,
certamente é velha, da roça ou de classe social baixa, e pode
sentir os olhares, a censura, uma espécie de pena advinda dessa
característica visual. Como não quero usar a “chapinha” para
evitar o frizz – cabelos energizados, acabei por me decidir a fazer
a touca, colocar a meia e o lenço, após a escova, para finalizar os
cuidados com as melenas. Não me mostro, mas noto a desaprovação e
até o preconceito de quem me vê indo pegar o carro. O pano desperta
surpresa, curiosidade e desprezo. São as definições das castas,
pela cabeça, a de dentro que mal pensa e a de fora que é visível.
Mudo a minha maneira ou deve mudar quem me vê?
*
Médica endocrinologista, jornalista profissional, membro da Academia
Feminina de Letras e do Instituto Histórico e Geográfico, ambos de
Montes Claros e autora do livro “Segurando a Hiperatividade”
Convenções e simbologias completamente inúteis, né? Abraços, Mara.
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