Mudanças
em Blumenau
*
Por Urda Alice Klueger
Como
esta pesquisadora vive há mais de cinco décadas na mesma cidade
(Blumenau – SC), tem ela constantes surpresas das mudanças que
acontecem e aconteceram no seu microcosmo ao longo de tal tempo.
Sua
lembrança primeira é de uma cidade de menos de 60.000 habitantes,
horizontal, espalhada por vales onde casas eram cercadas por jardins,
quintais, pomares e, em grande parte, por pastos onde vivia gado
leiteiro e um ou outro cavalo.
As
casas possuíam galinheiros e chiqueiros.
Todo esse conjunto era cercado pela Mata Atlântica,
ainda quase sempre primária, que ocupava o alto dos morros e outros
lugares e cortada por cursos d´água no fundo dos vales. Nas mais
movimentadas ruas da cidade, ainda se sabia de cor o nome de família
de cada morador ou comerciante, e as referências eram dadas de uma
certa forma: “primeira curva depois das terras da família tal”,
etc. Além do trabalho rural, a maior parte das pessoas trabalhavam
numas poucas fábricas. O uso da língua alemã em lugares públicos
era considerado normal. No rio que corta a cidade havia um campeonato
de pesca ao robalo e competições de remo.
Mais
tarde, ela guardará a lembrança de uma cidade de 80.000 habitantes,
que em pouco se diferenciava da outra, mas onde já haviam nascido os
primeiros edifícios.
A
cidade se verticalizava lentamente, mas, mesmo assim, nas principais
ruas, ainda circulavam carros de tração animal, como carroças
com carga e carros de mola puxados a cavalo, os antepassados dos
táxis, que, naquela altura, já haviam se transformado em atração
turística e neles os visitantes desfilavam em meio aos automóveis,
deleitando-se com aquela tradição do passado que se mantinha
funcionando.
A
pesquisadora também tem muitas lembranças da mesma cidade com
100.000 habitantes, e que então se verticalizava velozmente. As
casas de comércio multiplicam-se, constroem-se muito em encostas e
ao redor dos cursos d´água; já não se conhece o nome das famílias
e dos comerciantes como antes. Os carros de mola e as carroças
desapareceram; o trânsito de veículos automotivos se intensifica.
São raros os pastos e cada vez há menos galinheiros e chiqueiros;
algumas nascentes e ribeirões passam a ser canalizados para que não
mais invadam áreas que antes eram silvestres e que então estavam
cheias de construções. As fábricas e fabriquetas, agora, são
muitas, e se cria a terceirização de trabalhos, tanto nas
indústrias grandes quanto nas de fundo de quintal, também
conhecidas como facções (quando da indústria têxtil). Há cerca
de 900 facções no município, nesse tempo. Outros setores se
terceirizam, como os de segurança, de limpeza, etc. Intermediários
espertos ficam com a maior parte da venda de mais-valia dos que
vendem sua força de trabalho. É um tempo de alta inflação e de
quando começam a acontecer diversos planos econômicos que
prejudicam grandemente a maior parte da população. Também é um
período marcado por grandes inundações. Os grandes supermercados
substituíram a vendinha próxima à casa das pessoas, o uso de
veículos automotores aumentou muito e criou-se a necessidade do uso
de eletrodomésticos modernos. Ainda se pode, no entanto, viajar para
a praia na sexta-feira e esquecer a casa aberta, voltando-se no
domingo sem que ela tenha sido assaltada.
Neste
momento, a cidade de Blumenau conta com um pouco mais de 300 mil
habitantes, e pouco se assemelha àquela cidade que um dia a
pesquisadora conheceu, no início da sua vida. Se alguém usar a
língua alemã, o fato será considerado coisa exótica. Há uma
certa impressão de que não há mais terras disponíveis. Onde, faz
três ou quatro anos, havia um terreno baldio, hoje nasce um edifício
de apartamentos. Muitos córregos morreram nas suas canalizações,
afogados em detritos e algas. Principalmente na zona central, a
cidade está quase que toda verticalizada, e mesmo nos bairros a
verticalização se acelera. Se ainda há pastos, eles estão muito
escondidos. Os animais visíveis são os cachorros, os gatos e outros
mais exóticos, como cacatuas, etc. Há lojas que anunciam: “Compre
uma gaiola e ganhe um ratinho de presente”, numa impressionante
desvalorização da vida. Restam sobras da floresta nativa na ponta
dos morros e em dois parques criados com a finalidade de preservação,
principalmente das nascentes, mas mesmo assim o rio principal da
cidade tem muito menos água do que tinha faz poucas décadas. Os
principais afluentes desse rio também têm muito menos água que no
passado. Em relação ao rio no centro da cidade, outro fato
impressiona: foi cercado de tal forma pelo poder público que a
população já não pode chegar até ele. O rio só pode ser visto
de cima, de longe. Outrora, naquele rio, houvera até um agradável
restaurante flutuante, coisa cuja existência agora já não é
possível, tendo em vista a falta de acesso à água.
Pouco
sobra da cidade de 60.000 habitantes. Lojas de donos desconhecidos
abrem e fecham nos shopping-centers e nas ruas de comércio, sem
que se saiba a quem pertencem. Esta pesquisadora, quando passa umas
poucas semanas sem percorrer determinadas ruas, tem a surpresa de ver
nela construções e comércios que muito recentemente lá não
existiam, e ela própria quase desconhece a cidade. Pensa-se que se
fosse dado a um jovem de 20 anos imaginar a mesma cidade quando ela
tinha 60.000 habitantes, ele teria grande dificuldade em fazê-lo e
talvez não o conseguisse.
*
Escritora de Blumenau/SC, historiadora e doutoranda em Geografia pela
UFPR, autora de vinte e seis livros (o 26º lançado em 5 de maio de
2016), entre os quais os romances “Verde Vale” (dez edições) e
“No tempo das tangerinas” (12 edições).
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