O
massacre dos presos e o Melo-merendismo
* Por
José Ribamar Bessa Freire
“Se
a aparência e a essência das coisas coincidissem, a ciência seria
desnecessária". (K. Marx, 1865)
Mais uma
"pérola" do melo-merendismo acaba de ser atirada aos
"porcos", após o massacre de 56 presos, mortos durante a rebelião que
eclodiu no Complexo Penitenciário Anísio Jobim (Compaj), em Manaus, 1º de
janeiro, Dia da Fraternidade Universal. O escândalo comoveu o mundo inteiro,
até o papa Francisco, em Roma, manifestou sua dor. O governador do Amazonas
José Mello Merenda achou a preocupação exagerada, afinal entre os mortos
"não tinha nenhum santo. Eram estupradores, matadores", minimizou o governador
em declaração à mídia.
Essa justificativa
implícita do massacre foi suficiente para empoderar os "porcos", que
começaram a chafurdar sobre a "pérola" em chiqueiros das redes
sociais. Um deles aplaudiu o governador Melo-Merenda, acrescentando que
"são 60 bandidos a menos, fora de circulação, o que com certeza, traz mais
segurança para a cidade". Uma jovem "porca", embora dizendo ser
contrária às mortes, curtiu e compartilhou, confessando que "cada
criminoso preso ou morto diminui os riscos que correm nossos filhos, porque são
menos marginais soltos nas ruas".
Será?
A retórica nauseabunda
do melo-merendismo joga todo seu peso epistemológico na aparência das coisas. O
raciocínio - digamos assim - pretende ser convincente, mas é bem simplório: se
não houvesse nenhum assassino, ninguém seria assassinado. Numa sociedade que
tem cem assassinos, se sessenta deles morrem, reduz em 60% a possibilidade de
homicídios. Os bandidos mortos, afinal, colheram o que plantaram. "É
melhor que morram eles, que têm culpa no cartório, do que os nossos filhos, que
são inocentes" - postou uma
auxiliar de enfermagem. O Secretário
Nacional da Juventude, um tal de Bruno Júlio (PMDB, vixe, vixe) escolhido para o cargo por Michel Temer,
escancarou, aloprou e declarou em sua página pessoal do Facebook aquilo que
Temer, Melo Merenda e Alexandre Moraes pensam, mas têm vergonha de dizer
publicamente: "Tinham que ter matado mais presos, deveria haver uma
chacina por semana". Menos bandidos, mais segurança.
A aparência
Esse tipo de discurso
lembra a polêmica que Karl Marx teve em meados do séc. XIX na Associação
Operária Internacional com o inglês John Weston para quem era impossível obter
aumento real de salários dos trabalhadores, uma vez que qualquer aumento é logo
repassado para as mercadorias, que ficarão mais caras ao serem compradas pelos
próprios trabalhadores, que mantém assim o poder de compra anterior. "Se
uma terrina contém determinada quantidade de sopa, destinada a um número
limitado de pessoas, a quantidade de sopa não crescerá se aumentarmos o tamanho
das colheres" - ele disse.
Foi aí que Marx,
retomando a distinção que já faziam os filósofos gregos entre a
"aparência" e a "essência" das coisas, nos convidou a
desconfiar daquilo que a gente vê no cotidiano que "somente capta a
aparência enganadora das coisas". Essa aparência ilusória traiu a
humanidade que durante alguns milênios acreditou que o sol dava voltas ao redor
da terra, o que podia ser comprovado pelos olhos de qualquer pessoa. Quem diria
que a água, que apaga o fogo, é formada por dois gases altamente
inflamáveis? - pergunta ele, concluindo:
- "Se a aparência
e a essência das coisas coincidissem, a ciência seria desnecessária".
A ciência é,
efetivamente, desnecessária para Melo-Merenda e para essa outra coisa que
pretende presidir o país. Navegando nas águas do melo-merendismo, Michel Temer,
que três dias depois do massacre ressurgiu dos mortos, classificou o banho de
sangue na penitenciária como um "acidente pavoroso". Ou seja: foi sem
querer. Além disso, declarou Temer, "o presídio era terceirizado e
privatizado e, portanto, não houve uma responsabilidade objetiva, clara e
definida dos agentes estatais". Ele e seu ministro kinder ovo anunciaram a
construção de novos presídios.
A essência
É terrível ser
desgovernado nacionalmente e estadualmente por duas figuras execráveis, que
investem na aparência das coisas quando garantem que construir mais
penitenciárias aumentará a segurança do "cidadão de bem", que -
coitadinho! - acredita naquilo que vê: o sol dando volta em redor da terra. Não
divulgam as estatísticas que os presídios abrigam cerca de 10% de homicidas e
que o restante é formado por ladrão de galinha, vendedores de maconha e outros
delitos equivalentes. Só ficam de fora os que desviam recursos da merenda escolar
e da saúde.
Por isso, é
conveniente destacar a conclusão do desembargador do Tribunal de Justiça do
Estado do Rio de Janeiro, Sérgio Verani, que estudou a questão e concluiu que,
ao contrário das aparências, a terra é que gira em redor do sol. Ele foi
diretor-geral da Escola da Magistratura (EMERJ), presidente da 5ª Câmara
Criminal do Tribunal de Justiça, professor de Prática Forense Penal da
Faculdade de Direito da UERJ e autor do livro "Assassinatos em nome da
Lei". Numa postagem, escreveu:
"Por uma
Sociedade Sem Prisões! O massacre no presídio de Manaus não será o último.
Outras mortes virão, pois a finalidade da pena privativa de liberdade é
exatamente a produção da degradação humana, até o aniquilamento da pessoa. A
prisão é irreformável e inumanizável, é uma instituição incompatível com a
condição humana. Enquanto não ocorrer a sua abolição, o Poder Judiciário e o
Ministério Público poderiam contribuir para reduzir esse grande
encarceramento".
"A maior parte
das condenações à pena privativa de liberdade poderia ser evitada, sem
mencionar as prisões preventivas decretadas sem qualquer fundamentação
jurídica. Os juízes e promotores poderiam despojar-se da sua ideologia
punitivista, além de garantir os direitos dos presos. Se a prisão não cumpre as
garantias da Constituição Federal, do Código Penal, do Código de Processo
Penal, da Lei de Execução Penal, torna-se ilegal a prisão, e o preso deve ser
solto. Abaixo a ideologia da repressão! Por uma sociedade sem prisões!".
Dois dias após a
postagem do desembargador Sergio Verani e horas após Michel Fora Temer declarar
que "não há chances de novas rebeliões em presídios", ocorreu nessa
sexta (6), Dia dos Reis Magos, outro "acidente", outra chacina na
Penitenciária Agrícola de Monte Cristo, em Roraima, com 31 mortos, entre os
quais presos provisórios que não haviam sido condenados em instância final de
julgamento. Tal como desejado pelo Secretário Nacional da Juventude, o tal do
Bruno Júlio, investigado por agredir a mulher em Belo Horizonte. O país pode,
no entanto, ficar tranquilo, porque o ministro Alexandre de Moraes jura que
"a situação nos presídios não saiu do controle". Não explicou do
controle de quem. É esse lixo que governa hoje o país.
*
Jornalista, professor e historiador.
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