Atrapalhação mútua
O bom relacionamento entre as pessoas,
aquele sadio e respeitoso, em que cada uma das partes acate e compreenda as
opiniões e interesses antagônicos e conflitantes um do outro, sem abrir mão do
próprio ponto de vista, é muito mais complicado do que possa parecer.
Constitui-se, na verdade, em uma arte e das mais complexas. Para se
concretizar, depende de uma série de variáveis, entre as quais as respectivas
personalidades, o nível de educação, as circunstâncias e vai por aí afora.
Se esse bom relacionamento é tão
complicado entre pessoas do mesmo nível (principalmente entre parentes),
imaginem quando se trata de nações! Daí não serem tão surpreendentes assim os
inúmeros conflitos e as freqüentes tensões pessoais e internacionais que
pipocam a toda a hora na imprensa.
Tudo isso, todavia, nos passa uma
impressão bastante negativa da nossa espécie e subtrai, ou pelo menos diminui,
as nossas esperanças de um mundo de paz, justiça e bondade, em que prevaleçam o
amor e o respeito mútuos. Esse é o sonho dos idealistas, das pessoas que querem
fazer a diferença e construir.
Quem nunca ouviu, ou nunca disse, em
tom de desabafo, ao tomar conhecimento pela imprensa de notícia sobre um novo
crime bárbaro, ou sobre qualquer outro tipo de atrocidade, de corrupção ou de
injustiça, a afirmação de que “a humanidade está perdida!”?
De fato, o mundo anda de mal a pior (ou
nos parece que ande) e não é de hoje. Assassinatos, guerras, agressões e toda a
sorte de violência abundam nos noticiários veiculados, praticamente, o dia todo
pelos meios de comunicação. Em termos qualitativos, porém, esse quadro sombrio
não é nada diferente do que ocorria em séculos anteriores. As gerações que nos
antecederam foram tão ou mais violentas, corruptas, agressivas e bárbaras que a
atual.
O aumento se deu em termos
quantitativos, o que seria até lógico de se esperar. Afinal, o século XIX
terminou com o mundo abrigando uma população que mal chegava aos dois bilhões
de habitantes. Hoje, somos mais de 7,5 bilhões nos digladiando por espaço e
pela satisfação de nossos interesses, ambições e necessidades, não raro
conflitantes.
Ademais, há muito mais acesso às
informações do que nos séculos precedentes. Os veículos de comunicação contam,
hoje, com recursos tecnológicos tidos e havidos, até, como impossíveis de serem
criados há não muito tempo.
Imagine, por exemplo, se você falasse,
há apenas cinqüenta anos, ao seu avô, que um dia haveria um telefone sem fio,
pelo qual você poderia se comunicar, a qualquer momento e lugar, com qualquer
pessoa no mundo, estivesse onde estivesse, e instantaneamente! E mais, que com
esse mesmo aparelhinho você poderia tirar fotografias, ouvir músicas
etc.etc.etc. Ele ficaria, no mínimo, preocupado. Acharia que você fantasiava
demais, quando não duvidaria da sua sanidade mental, o encaminhando de imediato
para o consultório de algum especialista, psicólogo, psiquiatra, quando não
direto para algum manicômio. No entanto... O telefone celular é, hoje, um
objeto corriqueiro e considerado até banal. Até moradores de rua já têm acesso
a ele.
A evolução de recursos, por sua vez,
implicou na multiplicação de empresas voltadas à comunicação. Temos, hoje, uma
infinidade de jornais, revistas, emissoras de rádio e de televisão em
praticamente todos os países do mundo e, sobretudo, contamos com a internet,
esquadrinhando cada milímetro do Planeta à cata de notícias, que se
transformaram em produto de excelente cotação. Essa profusão de informações,
porém, nos distorce a realidade (o que, convenhamos, não causa a menor
surpresa) e faz o mundo parecer bem pior do que é.
Por motivos óbvios, não me oponho a
essa enxurrada de notícias. Só defendo que as empresas se preocupem, também,
com a interpretação e com a contextualização do que informam. Claro que o senso
crítico aguçado é útil e até necessário a cada um de nós. Trata-se, na verdade,
de uma tentativa mínima de exercício da cidadania e de formar consciência
coletiva, que contribua para reduzir e atenuar esses males, tão familiares e
sobejamente conhecidos, na impossibilidade de acabar com eles.
Mas somente isso não basta. Criticar é
fácil, cômodo, mas geralmente inócuo. É necessário que essa indignação que as
notícias nos despertam venha acompanhada de atos, de atitudes práticas,
concretas e constantes para melhorar o mundo. E não é, salvo exceções, o que
ocorre via de regra.
Ademais, culpar a “humanidade” pelo que
de ruim acontece, além de se tratar de irresponsável generalização, é uma
atitude injusta. Há muita, muitíssima gente boa empenhada em assegurar, com sua
ação anônima, com seu trabalho dedicado e responsável e com sua capacidade, a
normalidade na vida cotidiana da sua coletividade.
Por isso, concordo, sem restrições, com
Máximo Gorki que, no conto “Konovalóv”, expressou, pela boca de um dos
personagens, sua perplexidade face esse comportamento comodista e negativo da
chamada “maioria silenciosa”: “Como é possível que nós nos queixemos sempre da
humanidade, quando também somos seres humanos? Se os outros atrapalham a nossa
vida, isso quer dizer que também atrapalhamos a vida de alguém...”, concluiu o
escritor russo, com irretorquível lógica. E não é o que acontece?! Tolerância
mutua é, pois, o ingrediente que mais falta faz para o bom relacionamento,
sadio, ético e respeitoso, quer entre pessoas, quer entre nações.
Boa
leitura!
O
Editor.
Acompanhe o Editor pelo twitter: @bondaczuk
Conviver bem é uma arte difícil de executar. Falo da família, nem vou tão longe.
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