Afetos essenciais
O escritor mexicano Octávio Paz,
ganhador de um Prêmio Nobel de Literatura, trouxe à baila, em um de seus
ensaios, um tema instigante, sobre o qual tenho escrito muitos textos, sem que
o tenha conseguido elucidar, não pelo menos com a mesma clareza dele (e nem
poderia): o dos afetos essenciais que nos movem.
Trata-se do amor que dedicamos à nossa
família e à nossa casa, por exemplo. Ou da fidelidade que temos com os amigos,
com uma causa que consideremos justa e nobre e com correligionários de um
determinado partido ou organização. E também, por que não, a lealdade que
manifestamos à nossa pátria (sentimento que está se esfriando em muitas pessoas
nesta época de globalização de culturas e de idéias)..
Diz, o eminente escritor, que esses
afetos “vêm do começo, reiterações e variações da situação primeira. São a
marca de nossa condição original, que não é simples, mas dual, composta de dois
termos antagônicos e inseparáveis: fusão e desmembramento. Esse é o princípio
constitutivo de cada vida humana e o núcleo de todas as nossas paixões,
sentimentos e ações. É um princípio anterior à consciência e à razão, mas é,
por isso mesmo, a origem de ambas. Entre sentir-se e saber-se separado há a
consciência de nós mesmos: todos damos esse passo e assim chegamos à
consciência de nós mesmos”.
Há momentos, porém, em que nos sentimos
deslocados no mundo, como se não fôssemos deste lugar. Sentimo-nos como se
estivéssemos em um planeta estranho, exilados do nosso local de origem. Quem sabe,
não somos, de fato, “estrangeiros” por aqui?
A vida é tão maravilhosa, todavia há
tanto sofrimento, tanta insensatez, tanta violência e injustiça ao nosso redor
que concluímos que ela não é compreendida pela maioria, em sua essência e
grandeza (talvez, e provavelmente, nem por nós). Compete-nos a tarefa, quem
sabe inútil, de esclarecer as pessoas e ressaltar-lhes o quão grande é o
privilégio de viver. É o que filósofos, poetas, escritores e mestres vêm
fazendo desde os primórdios da civilização, com poucos resultados.
Somos dotados de uma certa magia, de
algumas peculiaridades que nos distinguem e caracterizam. Encaramos o mundo de
forma diferente dos demais, particular, só nossa, com nuances próprias, embora
não consigamos expressar essas particularidades em palavras. Enxergamos
não somente com os olhos, mas com o corpo (através do tato) e, em especial, a
mente, mediante o poderoso instrumento da imaginação.
Daí não ser correto falar em “realidade”,
já que não existe uma única, igual para todos. Entendo que essa palavra deve
vir sempre no plural. Tudo (embora muitos possam discordar) é questão de ponto
de vista. Enxergamos coisas e pessoas sob prismas diferentes dos demais. Podem
até ser semelhantes, mas quase nunca (ou talvez nunca mesmo) são iguais.
O tempo cobra-nos duro preço, em termos
de desgastes, principalmente físicos, mas também emocionais e afetivos.
Olhamo-nos, todos os dias, no espelho, e não notamos as mudanças que ocorrem em
nosso rosto. Hoje, uma ruga, amanhã, um cabelo branco, depois, um início de
calvície, mas passamos batidos de cada transformação.
Subitamente, certo dia, assim, de
repente, sem sabermos porque, notamos, assustados, de uma só vez, essa sucessão
de desgastes. E, ao analisarmos nossas idéias e sentimentos, percebemos que também
já não são iguais aos de alguns anos atrás. Não mais nos reconhecemos.
Descobrimos que somos outros! Isso, porém, não deve nos preocupar, se as
mudanças, pelo menos no plano mental, forem para melhor, com o acréscimo da
experiência. Mas... e se não forem?
Há certa magia nas pessoas idosas, que
passeiam, com passinhos miúdos, despreocupadas, pelas praças das cidades. Ou
que se sentam, tranqüilas, nos bancos dos jardins, para ler os jornais, como se
tivessem todo o tempo do mundo ao seu dispor. Ou que gastam, horas e horas,
alimentando pombos.
Há raios de esperança brotando, como
chispas, de seus olhos, a despeito da consciência de estarem no fim. Apesar de,
no íntimo, saberem disso, ainda esperam alguma coisa. O que? Nem eles, talvez,
saibam. Mas esperam. Nisso reside o encanto da vida. Na permanência da
esperança, ao nosso lado, até nosso derradeiro suspiro, mesmo sem sabermos no
que ela consiste e para o quê ela se volta.
Algumas dessas pessoas guardam seus
afetos essenciais, suas lealdades e fidelidades. Outras não, por haverem
perdido filhos, amigos, causas, partidos etc. Enfim, tudo. Tudo, menos uma vaga
esperança que os acalenta e mantém vivos em todos os sentidos. A propósito, partilho com você, paciente
leitor, estes belos versos com que o poeta Helvécio Goulart encerra seu poema
“Esperança”:
“Nos
bancos dos jardins, feito de névoas,
há
mágicos sentados.
As
cabras comem as últimas flores da Primavera
e
a esperança é um rio velho, atravessando a noite”.
Lindo, não é verdade? Lindo e
verdadeiro.
Boa leitura!
O Editor.
Acompanhe o Editor pelo twitter: @bondaczuk
O que seria de nós sem a esperança?
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