Um
pouco de tudo
* Por Pedro J.
Bondaczuk
A manifestação mínima de racionalidade
e inteligência que podemos ter é a de amar: nossos pais, nossos filhos, nossa
esposa, uma determinada mulher etc. Há, porém, infelizes e néscios que não
cultivam esse sentimento. Amam, apenas, o próprio umbigo e, às vezes, nem isso.
Por serem incapazes de amar (sabe-se lá por qual razão) são os mais broncos dos
seres humanos, mesmo que sejam pessoas aparentemente cultas, bem-informadas,
até detentoras de um bom número de diplomas e de altas condecorações
acadêmicas. Na verdade são infelizes por opção.
O poeta indiano, Rabindranath Tagore,
considera indivíduos tão insensíveis (e infelizes) como imbecis. Mas ao pé da
letra. Não se trata de mero xingamento,
que é o que gente assim até merece. Em um inspirado poema, escreveu: “A falta
de amor é um grau de imbecilidade, porque o amor é a perfeição da consciência”.
E não é?! O irônico é que essa perfeição está tão ao alcance das nossas mãos e
não nos apoderamos dela. Amar racionalmente, por livre deliberação, sem a
necessidade de motivos, espontaneamente,
mesmo sem a devida correspondência, é um sentimento que nos justifica e
nos humaniza.
Outro aspecto do comportamento que
requer reflexão, por gerar equívocos e
falsas interpretações é o da liberdade. Somos, de fato, tão livres quanto
desejamos ou pensamos ser? Você é? Eu não me sinto assim. E explico.
Julgamo-nos livres, senhores do nosso
destino, mas nossa liberdade é ilusória e, sobretudo, restrita, parcial,
limitada. Estamos encerrados em cadeias de servidão, algumas ostensivas, outras
tantas sutis, quase imperceptíveis, posto que muito reais e concretas.
Não somos livres na maior parte do
tempo, limitados por compromissos e obrigações: com os pais, com os filhos, com
o cônjuge, com a sociedade e o país em que vivemos etc. Há, ainda, as leis,
algumas nitidamente injustas e
perversas, a determinarem o que podemos e o que não podemos fazer. Fôssemos
equilibrados e justos e respeitássemos os limites e direitos alheios, elas
seriam prescindíveis.
Morris West explicitou essa
dependência, essa permanente coação, nestes termos, no romance “O Navegante”:
“Todos nós somos prisioneiros. De nossos
genes, de nossa história, de nossos velhos sonhos ancestrais”.
Aprisionados à nossa condição humana é
como estamos do nascimento à morte. E somos prisioneiros, sobretudo, da nossa
efemeridade, pois não temos a menor condição de saber a duração e as
circunstâncias de nossas vidas e muito menos de evitar a extinção, quando chega
o nosso momento.
Uma terceira questão que trago à
reflexão é a da utilidade e do reconhecimento. As pessoas mais úteis, as que
são esteios da sociedade, que lançaram os fundamentos da civilização, quase
sempre são as que menos aparecem. Não raro não aparecem nada. Ao contrário,
permanecem rigorosamente anônimas. Fazem
o que fazem espontaneamente, sem que sejam obrigadas a tal e sequer buscam o
reconhecimento da autoria de suas obras.
Algumas, raríssimas, são, de fato,
reconhecidas por suas comunidades e até reverenciadas. A maioria, porém, não é.
Os responsáveis pelos grandes avanços da humanidade são, quase todos, insisto,
rigorosamente anônimos. Quem descobriu, por exemplo, como fazer fogo? Quem
inventou a roda? Procurem em qualquer fonte que não encontrarão a mais remota
referência a esses geniais criadores. E eles, no entanto, óbvio, existiram.
Usufruímos de suas criações, nos
beneficiamos delas, sobrevivemos muitas vezes graças à sua genialidade e
talento e, no entanto... Raramente sabemos sequer seus nomes, quanto mais as
motivações de suas benignas realizações e como viveram, o que sentiram, com
quem se relacionaram, como, e coisas do tipo. Desconhecemo-las por completo.
São como raízes de uma planta, de cuja
existência e presença não nos damos conta, mas sem as quais vegetal algum tem a
mais remota possibilidade de existir. Mesmo sem as identificarmos, devemos
reverenciar sua memória e ter por elas profunda gratidão. Rabindranath Tagore
ressaltou sua importância nestes magníficos versos em que diz: “A raiz
enterrada não pede prêmio algum por encher os galhos de frutos”. Este deveria
ser o verdadeiro parâmetro da utilidade.
Finalmente, volto a um tema que, para
mim, é recorrente. Sonhar é muito importante, pois, quase sempre, as grandes
realizações têm como origem mero sonho. Escrevi
“ad náusea” a esse propósito. Planejar, por seu turno, é útil, por
organizar nossas ações e tornar nossos esforços racionais e não dispersivos.
Informar-se é preciso, porquanto a informação correta nos baliza o caminho, nos
situa e mostra onde estamos e a quanto andamos.
Tudo isso é importante, mas cai por
terra se nos faltar um fator essencial, sem o qual obra alguma prospera e
sequer deixa o mero plano das idealizações ou elucubrações para se transformar
em algo concreto: a ação. Só agindo, com rumo, determinação e constância,
teremos condições de construir algo, desde um sólido e confortável edifício, a
um poema, uma sinfonia, um romance, entre tantas outras coisas. Quando penso
nisso (que deveria ser o óbvio para todos, mas que para a maioria não é),
vêm-me de imediato à mente os seguintes versos de Rabindranath Tagore (recorro, como se vê, a
ele, novamente), que resumem o que quero ressaltar: “Não se pode cruzar o mar
apenas olhando a água”. E não se pode mesmo. Para empreender essa travessia é
indispensável, pois, agir!
O escritor francês André Malraux observou:
"Estamos vivendo a civilização do conhecimento, mas não da sabedoria. A
sabedoria é o conhecimento temperado pelo juízo". De que me vale, por
exemplo, conhecer nomes de borboletas, de flores ou de pássaros, a
classificação de seus grupos e famílias, saber de seus hábitos e distinguir sua
morfologia, se eu for incapaz de os identificar quando vir um desses espécimes?
E mais, que valia me trará esse
conhecimento se, em contrapartida, eu não souber sequer como chegar ao coração
do meu próprio filho, se for incapaz de lhe dar os conselhos de que ele
precisar e desconhecer a forma de conquistar a sua amizade? Com as informações,
serei considerado culto, sem dúvida. Mas estarei muito longe de ser sábio. Com
a aptidão humana da empatia, com a prática espontânea do amor, sabendo
converter sonhos em ações e agindo sem esperar recompensa, apenas porque a
comunidade precisa das minhas aptidões, poderei não estar revelando cultura.
Mas exercitarei a sabedoria. Afinal,só o sábio tem um pouco disso tudo.
*
Jornalista, radialista e escritor. Trabalhou na Rádio Educadora de Campinas
(atual Bandeirantes Campinas), em 1981 e 1982. Foi editor do Diário do Povo e
do Correio Popular onde, entre outras funções, foi crítico de arte. Em equipe,
ganhou o Prêmio Esso de 1997, no Correio Popular. Autor dos livros “Por uma
nova utopia” (ensaios políticos) e “Quadros de Natal” (contos), além de “Lance
Fatal” (contos), “Cronos & Narciso” (crônicas), “Antologia” – maio de 1991
a maio de 1996. Publicações da Academia Campinense de Letras nº 49 (edição
comemorativa do 40º aniversário), página 74 e “Antologia” – maio de 1996 a maio
de 2001. Publicações da Academia Campinense de Letras nº 53, página 54. Blog “O
Escrevinhador” – http://pedrobondaczuk.blogspot.com. Twitter:@bondaczuk
Miscelânea bem alinhavada, porém, a meu ver, finalizou com um toque de convencimento disfarçado de modéstia.
ResponderExcluirMiscelânea bem alinhavada, porém, a meu ver, finalizou com um toque de convencimento disfarçado de modéstia.
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