Três
haustos
* Por Daniel
Santos
A mesma cama ainda. Foi nela que lançou
seu grito primal entre as pernas da mãe e as mãos da parteira. Depois, aquela
respiração intensa de quem pretendia vingar, uma respiração forte, quase feroz,
de rebento.
Pois a tal cama, ganhou-a como presente
de casamento, quando aconteceu pela segunda vez: durante vertigem sobre o corpo
da mulher, respirou de novo com dificuldade, agora em gozosa consumição
nupcial.
O terceiro hausto ocorreu minutos
atrás. Sentara-se à sala com sua velha para o almoço, mas tomou apenas uma
colher de sopa. Logo, uma fisgada trespassou-lhe a cabeça. Deitou-se, então, em
busca de sossego.
Deitado permanece, enquanto a tonteira
começa a lhe tomar os sentidos. Quieto, mãos crispadas sobre o peito arfante,
ouve o tilintar de louça na cozinha, onde a esposa lhe prepara o chá do
providencial socorro.
Da cozinha ao quarto, a irrespirável
eternidade. Tenta chamar pela esposa, mas apenas um suspiro lhe escapa. Agora,
voluta sem agonia, se afasta com a fluidez de um sopro, cada vez mais distante
da cama.
* Jornalista carioca. Trabalhou
como repórter e redator nas sucursais de "O Estado de São Paulo" e da
"Folha de São Paulo", no Rio de Janeiro, além de "O Globo".
Publicou "A filha imperfeita" (poesia, 1995, Editora Arte de Ler) e
"Pássaros da mesma gaiola" (contos, 2002, Editora Bruxedo). Com o
romance "Ma negresse", ganhou da Biblioteca Nacional uma bolsa para
obras em fase de conclusão, em 2001.
A morte gloriosa dos anjos, daqueles realmente bons.
ResponderExcluir