sexta-feira, 8 de julho de 2016

O triunfo


* Por Manuel de Araujo Porto Alegre


Troam na Ibéria os hinos da vitória
Que Fernando e Isabel do Mouro houveram.
Jaz vencida Granada! A Cruz guerreira
Da moderna cruzada resplandece
No rubro cimo da atalaia altiva,
Que domina de Alhambra os régios muros,
E os zimbórios vidrados das mesquitas
Assentadas no grêmio augusto e belo
Da abatida sultana do ocidente!
Jaz vencido o corão: no santo aprisco

Repousa a Espanha à sombra do Evangelho.
Na ridente esplanada, ovantes, firmes,
Como troncos de ferro, ao sol fulguram
Pautados esquadrões, lúcidas armas.
Rebombam no horizonte em densas nuvens
Os estrondos da rouca artilheria,
Que dos rinchos equinos aumentados,
E do rijo clangor das marciais tubas,
D’alto a baixo as montanhas estremecem!
Sobre o crânio hibernal das Alpuzarras
Estala o diadema eterno e frígido
De níveas carambinas: geme a terra;
Revolve o Darro o antigo leito, e mescla
De áureas palhetas as sangrentas águas,
Onde exangues cadáveres flutuam.
Retremem os zimbórios esmaltados
Dos islâmicos templos! Pavorosa
A sombra de Almansor, banhada em sangue,
Do poento jazigo em que dormia,
Se ergue, e lá foge ao funeral de um trono,
Que o seu braço escudara em cem batalhas.

Jaz vencida Granada! A Providência
Quebra a espada de Islã nos frágeis muros
De Santa Fé, erguida após o incêndio.
O drama porfiado, que oito séculos
Ensangüentara a Hespéria, se desfecha;
Cai aos pés de Israel estrebuchando
O orgulhoso colosso desse império
Que o braço de Fernando avassalara.
Na incude marcial não bate o malho
Do mourisco alfageme; acerbas lágrimas
O ferro mal temperam; só ressoa
Através desses muros derrocados,
O tinir das cadeias dos escravos,
Em cuja mente a liberdade antiga
Não ousa aos céus erguer dúbia esperança.
No régio acampamento o afã redobra:
Preliba a festa a marcial falange
Aprestando mil jogos. Sobre carros
Rolam selvas dos flancos das montanhas,
E os tardos bois e os férvidos cavalos
Movem acervos de pesados troncos.
Rangem as serras, os machados talham.
Cava-se o chão, e os artefatos sobem.
No regaço gentil, nas mãos mimosas
Das felizes donzelas se engrinaldam
Odoras flores e lauréis virentes;
E em seus dedos a agulha industriosa
Nos pendões e divisas emblemava
Com empenho amoroso imos arcanos.
Séricas tendas, pavilhões heráldicos,
No ar tremulam as douradas franjas.
Ascendentes palanques contorneiam
O precinto faustoso da estacada,
Que o arauto firmara em torno à liça,
Onde em breve travando as áureas lanças,
Há de em preito amoroso, em destros jogos,
Turba heróica ostentar valor e arte,
Domina a teia o cadafalso régio,
Adornado de telas brasonadas,
Que feitos e vitórias preconizam
Dessa prole de heróis à cruz votada,
Que o crescente eclipsou co’a destra invicta!

Era no dia em que o cristão memora
A maga epifania. Ao som festivo
Das ibérias trombetas, fronticurvo,
Da tarima real descia o Mouro,
Vendo em seu trono o desengano e a morte,
E a glória avita como um sonho iluso!
O férreo guante do espanhol pesava
Sobre as ameias do rendido alcáçar.
Consumado era tudo! Escravo o bronze,
Que inda há pouco nas hostes inimigas
A morte vomitava, aguarda o mando
De seu novo Senhor, que ovante marcha,
E às portas bate da purpúrea Alhambra.

                                       [...]


*  Barão de Santo Ângelo, poeta, pintor, professor, jornalista, diplomata e teatrólogo, membro da Academia Brasileira de Letras.

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