quarta-feira, 1 de julho de 2015

O semeador e as sementes


* Por Urda Alice Klueger
        

(Para o Bruno)


Faz muito tempo que o jovem semeador saiu semeando.Usava uma roupa de seda cor de maçã e um passarinho branco ao ombro, e portava no rosto o sorriso mais amplo e belo que já se vira sob o sol e, nas mãos, um aparelho antigo chamado gravador, que era como um tipo de arado cheio de música. Num alforje, carregava as sementes que suas mãos bem feitas e profícuas iam espalhando por onde passava – tão jovem ainda, e como já sabia semear!

Suas sementes foram medrando pelo caminho – quantas se perderam, mesmo que ele as tenha semeado com tanto afinco e ardor – houve aquelas, também, que foram lançadas em solo fértil, mas onde a chuva não caía, e feneceram antes do tempo, antes de terem forças suficientes para a vida. Algumas, no entanto, germinaram e despontaram para o sol com toda a força possível, e como o semeador ficou feliz!

Ele pode ver o nascimento das suas sementes, e as regou, e juntou bocadinhos de terra às suas raízes, e as cercou com cercadinhos de cuidados e sombras de proteção, e já se punha a imaginar como elas seriam quando crescessem, como cuidaria dos pequenos caules que procuravam a luz, e das cabeleiras de folhas que se pareciam com folhas de plátanos, tão leves, luminosas e reverberantes eram, e ele amava profundamente aquelas plantinhas nascidas da sua semeadura de primavera, e eram tão grandes os seus projetos de vida para elas!

Não sabia o semeador que aquelas plantinhas teriam que crescer sem ele – assim, de inopino, de forma totalmente inesperada, a afiada foice de um agricultor inesperado que fazia sua colheita se enganou e o ceifou junto com os caules do seu campo de trigo, e como o trigo maduro, o jovem semeador também caiu ao solo para já não se levantar, engano de colheita que o colheu antes do tempo.

Foi triste e complicado para aquelas plantinhas vencerem os desafios de crescerem e viverem, agora que já não havia o semeador a protegê-las. Ficou ali por perto, caído no campo, aquele arado musical, e havia uma que se aferrava aos seus sons para se consolar das saudades do semeador, inexoravelmente ceifado por aquele homem que ceifava seu campo de trigo. Aquela tão inesperada violência não tinha volta, e as plantinhas tenras só sobreviveram porque assim queria a natureza, afrontando os ventos e as chuvas já sem os cercadinhos de cuidados com que o semeador as protegia, já sem o amor que o semeador tinha por elas, porque fora ele quem as semeara.

Então, muito tempo depois, chegou o tempo de as plantinhas frutificarem e elas o fizeram, e novas sementes caíram ao chão e germinaram, e como teria ficado feliz o semeador ao saber que vingava no campo uma nova geração de sementinhas que haviam tido início com a semeadura primaveril dele!

E as novas plantinhas cresceram, e agora já é tempo de, por sua vez, frutificarem. Já há plantinha cuidando de preparar seu pedacinho macio de campo para continuar a obra do semeador – e então, aquele passarinho que ele carregava no ombro, de vez em quando passa ali perto da plantinha, vê como ela está fazendo tudo certo, e num voo de flecha riscando o céu, vai até onde o semeador descansa e lhe conta como tudo está bem, como a semeadura primaveril dele não  ficou perdida, e então ele se emociona e abençoa às suas sementes, as que estão e as que virão, e o ciclo da vida continua.

Era uma vez, faz muito tempo, um semeador tão jovem...

Blumenau, 17 de Maio de 2015.

* Escritora de Blumenau/SC, historiadora e doutoranda em Geografia pela UFPR, autora de mais três dezenas de livros, entre os quais os romances “Verde Vale” (dez edições) e “No tempo das tangerinas” (12 edições).
  

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