“Se
vier esse frio todo que você está esperando, vamos virar picolé!”
* Por
Mara Narciso
Eu e minha mania de
ocupar um lugar no grupo das exceções. Vivo numa cidade quente, Montes Claros
no norte de Minas. Aqui não chega a ser uma Terezina nem uma Cuiabá, mas no
verão faz 35 graus centígrados. Chove pouco, e nosso período chuvoso vai de
novembro a março. No inverno pode-se experimentar a temperatura de 16 graus de
manhã e 34 à tarde. Estou no lugar certo, pois adoro o calor, e muitos não
acreditam, mas quando o asfalto parece tremer é que me sinto feliz.
Sou neta de Maria do
Rosário de Souza Narciso, ela que, em pleno setembro não saía, a qualquer hora,
com menos de duas blusas de mangas compridas. Sentia frio exageradamente, e
queria prevenir crises de asma, que ela chamava de bronquite e que eu também
herdei do pai dela, Jason Gero de Souza Lima. Então, com as duas heranças da
minha avó, quando vai chegando maio, eu fico triste. Meu corpo todo dói.
Meu pai não sentia
frio. Em pleno inverno montes-clarense, numa noite de ventos ele abria a
janela, sem camisa e dizia: “temperatura agradável”. Minha mãe sentia frio
normal, mas eu preciso de agasalho bem antes dos demais. Quando estou crispada,
tremendo e com as mãos geladas, ouço gente de fora dizer: “até que enfim o
tempo está fresco”.
Com a entrada do
inverno, tenho visto gente comemorando a temperatura amena e frio verdadeiro
para mim. Qualquer ação é horrível no inverno: sair à noite, lavar louça ou
roupa, lavar o rosto, trocar de roupa, tomar banho, pisar no chão, passar
creme. Não consigo economizar água e nem desligar o chuveiro durante o ensaboar.
Tudo é penoso. Muitos param de tomar banho diário e principalmente de lavar a
cabeça. Não é o meu caso, que passo a
tomar banho ao meio dia. Fico impressionada, dentro da noite e dos meus três
casacos, duas calças e bota, com as meninas de sandália, short e blusinha de
alça. Não cruzam os braços, tomam cerveja e sorriem o tempo todo. Fazem-me
lembrar da piada politicamente incorreta, de que “três seres não sentem frio:
urso polar, pinguim e piriguete”.
Circula um vídeo com
preconceito regional, em que um gaúcho fala do comportamento das pessoas da
Bahia, Minas Gerais, Rio de Janeiro, São Paulo e Rio Grande do Sul, à medida
que a marcação do termômetro cai. Com temperatura levemente baixa, o baiano
está super-agasalhado, o mineiro está à beira do fogão de lenha bebendo pinga e
o gaúcho pensa na possibilidade de abrir a janela do carro.
Por mais que me
agasalhe, quando a temperatura desce de 24 graus, ainda assim o frio me
incomoda. Fico tensa e contraída, e nem de longe penso em visitar a neve. Pelo
vídeo é mais confortável. Morei três anos em Belo Horizonte, lugar que faz 10
graus com frequência, e um ano em Conselheiro Lafaiete, que faz dois graus de
madrugada. Triste experiência! Minha irmã morou cinco anos em Poços de Caldas,
lugar onde já senti, num congresso, o rigor de um grau. Nunca a visitei.
Viajar no inverno é um
problema, pois ainda que leve uma imensa mala, vou sofrer frio, coisa que
detesto. Tenho um agasalho no meu carro, de forma permanente e caso precise
enfrentar um ar-condicionado gelado, tenho a que me recorrer. Nos congressos,
os organizadores primam por torturar os congressistas. Lá fora, mais de 30
graus e lá dentro menos de dez.
Tenho amigos do Rio
Grande do Sul, Santa Catarina e Paraná. Fico lendo sobre seus frios espetaculares
e imaginando como é bom estar aqui, um lugar em que ferve no verão (raramente
ligo o ar-condicionado), mas no inverno não esfria tanto. Acompanho a
temperatura ambiente na minha varanda num termômetro analógico há mais de
trinta anos, e asseguro que não vi temperatura maior que 37 graus e nem menor
do que nove graus. A maior parte do tempo o termômetro marca entre 20 e 30
graus.
Sentir frio é chique?
Porque estar em lugar frio parece ser. Dizem que os países adiantados são assim
devido ao frio, que é civilizador, e que os países do terceiro mundo não
prosperam devido ao calor. Pode até ser. Assumo o meu atraso social, mas está
aí uma coisa que não consigo mudar: minha intolerância ao frio. Nisso estou
quase só, pois todos adoram se arrepiar. Para mim é péssimo, mas o ruim mesmo é
ouvir que “não está fazendo esse frio todo não”.
*Médica endocrinologista, jornalista profissional,
membro da Academia Feminina de Letras e do Instituto Histórico e Geográfico,
ambos de Montes Claros e autora do livro “Segurando a Hiperatividade”
Estou com você, Mara. Também não gosto do frio, não. Prefiro o verão, com todos os seus incômodos e desconfortos, do que o rigor do inverno. Abraços.
ResponderExcluirEnfim, alguém para me apoiar. Quase apanho quando defendo o calor. Obrigada!
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