quarta-feira, 1 de julho de 2015

“Se vier esse frio todo que você está esperando, vamos virar picolé!”

* Por Mara Narciso


Eu e minha mania de ocupar um lugar no grupo das exceções. Vivo numa cidade quente, Montes Claros no norte de Minas. Aqui não chega a ser uma Terezina nem uma Cuiabá, mas no verão faz 35 graus centígrados. Chove pouco, e nosso período chuvoso vai de novembro a março. No inverno pode-se experimentar a temperatura de 16 graus de manhã e 34 à tarde. Estou no lugar certo, pois adoro o calor, e muitos não acreditam, mas quando o asfalto parece tremer é que me sinto feliz.

Sou neta de Maria do Rosário de Souza Narciso, ela que, em pleno setembro não saía, a qualquer hora, com menos de duas blusas de mangas compridas. Sentia frio exageradamente, e queria prevenir crises de asma, que ela chamava de bronquite e que eu também herdei do pai dela, Jason Gero de Souza Lima. Então, com as duas heranças da minha avó, quando vai chegando maio, eu fico triste. Meu corpo todo dói.

Meu pai não sentia frio. Em pleno inverno montes-clarense, numa noite de ventos ele abria a janela, sem camisa e dizia: “temperatura agradável”. Minha mãe sentia frio normal, mas eu preciso de agasalho bem antes dos demais. Quando estou crispada, tremendo e com as mãos geladas, ouço gente de fora dizer: “até que enfim o tempo está fresco”.

Com a entrada do inverno, tenho visto gente comemorando a temperatura amena e frio verdadeiro para mim. Qualquer ação é horrível no inverno: sair à noite, lavar louça ou roupa, lavar o rosto, trocar de roupa, tomar banho, pisar no chão, passar creme. Não consigo economizar água e nem desligar o chuveiro durante o ensaboar. Tudo é penoso. Muitos param de tomar banho diário e principalmente de lavar a cabeça.  Não é o meu caso, que passo a tomar banho ao meio dia. Fico impressionada, dentro da noite e dos meus três casacos, duas calças e bota, com as meninas de sandália, short e blusinha de alça. Não cruzam os braços, tomam cerveja e sorriem o tempo todo. Fazem-me lembrar da piada politicamente incorreta, de que “três seres não sentem frio: urso polar, pinguim e piriguete”.

Circula um vídeo com preconceito regional, em que um gaúcho fala do comportamento das pessoas da Bahia, Minas Gerais, Rio de Janeiro, São Paulo e Rio Grande do Sul, à medida que a marcação do termômetro cai. Com temperatura levemente baixa, o baiano está super-agasalhado, o mineiro está à beira do fogão de lenha bebendo pinga e o gaúcho pensa na possibilidade de abrir a janela do carro.

Por mais que me agasalhe, quando a temperatura desce de 24 graus, ainda assim o frio me incomoda. Fico tensa e contraída, e nem de longe penso em visitar a neve. Pelo vídeo é mais confortável. Morei três anos em Belo Horizonte, lugar que faz 10 graus com frequência, e um ano em Conselheiro Lafaiete, que faz dois graus de madrugada. Triste experiência! Minha irmã morou cinco anos em Poços de Caldas, lugar onde já senti, num congresso, o rigor de um grau. Nunca a visitei.

Viajar no inverno é um problema, pois ainda que leve uma imensa mala, vou sofrer frio, coisa que detesto. Tenho um agasalho no meu carro, de forma permanente e caso precise enfrentar um ar-condicionado gelado, tenho a que me recorrer. Nos congressos, os organizadores primam por torturar os congressistas. Lá fora, mais de 30 graus e lá dentro menos de dez.

Tenho amigos do Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Paraná. Fico lendo sobre seus frios espetaculares e imaginando como é bom estar aqui, um lugar em que ferve no verão (raramente ligo o ar-condicionado), mas no inverno não esfria tanto. Acompanho a temperatura ambiente na minha varanda num termômetro analógico há mais de trinta anos, e asseguro que não vi temperatura maior que 37 graus e nem menor do que nove graus. A maior parte do tempo o termômetro marca entre 20 e 30 graus.

Sentir frio é chique? Porque estar em lugar frio parece ser. Dizem que os países adiantados são assim devido ao frio, que é civilizador, e que os países do terceiro mundo não prosperam devido ao calor. Pode até ser. Assumo o meu atraso social, mas está aí uma coisa que não consigo mudar: minha intolerância ao frio. Nisso estou quase só, pois todos adoram se arrepiar. Para mim é péssimo, mas o ruim mesmo é ouvir que “não está fazendo esse frio todo não”.

*Médica endocrinologista, jornalista profissional, membro da Academia Feminina de Letras e do Instituto Histórico e Geográfico, ambos de Montes Claros e autora do livro “Segurando a Hiperatividade”   



2 comentários:

  1. Estou com você, Mara. Também não gosto do frio, não. Prefiro o verão, com todos os seus incômodos e desconfortos, do que o rigor do inverno. Abraços.

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    1. Enfim, alguém para me apoiar. Quase apanho quando defendo o calor. Obrigada!

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