Último dia em Paraty
* Por
Mara Narciso
“Estava
à toa na vida, o meu amor me chamou, pra ver a banda passar, tocando coisas de
amor.” (A Banda, Chico Buarque de Holanda, 1966).
O início da
apresentação do Grupo Carroça Mamulengo de Rio Claro, MG, estava marcado para
as 9 horas da manhã na Praça da Matriz, no último dia da XIII FLIP, Festa
Literária Internacional de Paraty. O público chegou aos poucos, juntamente com
os atores, uns jovens bonitos, e da mesma família, sendo duas duplas de gêmeos,
uma de rapazes e outra de moças, capitaneados pela mãe de um deles. Trouxeram
suas crianças, e a atividade faria parte da Flipinha, dedicada ao público
infantil.
Os jovens circenses
colocaram um lençol colorido no centro da praça e nele se sentaram,
improvisando um camarim. Com espelhos nas mãos tiraram objetos mágicos da
sacola e iniciaram a pintura dos seus rostos, primeiro com uma base branca, e
depois cor preta nas sobrancelhas, boca vermelha e nariz de palhaço. As
crianças, filhas dos artistas, também estavam se trocando e se pintando. Eram
pessoas bonitas. Algumas delas trazendo instrumentos musicais, sentaram-se nos
bancos e começaram a ensaiar alguns acordes. Outros traziam pernas de pau
longas, protegidas por grandes sacos de pano.
A platéia foi se
formando e invadiu a cena fotografando e filmando. Os atores vestiam roupas de
cores alegres e foram subindo nas suas pernas-de-pau. As moças estavam com
longos e charmosos vestidos. Mal começaram a andar lá no alto, já
impressionavam pela habilidade. A música começou, embalando o aquecimento.
Então, eles fizeram uma roda, chamando o público, e de lá de cima seguraram as
mãos dos cá de baixo. O grupo fingia o abrir e fechar de uma porteira, imitando
o ruído com a voz, abrindo e fechando os braços. Após alguns minutos chamaram a
assistência para acompanhá-los ruas afora, o que já seria surpreendente,
considerando-se o calçamento da cidade, com pedras altas e irregulares, com
sulcos e monturos, onde é difícil caminhar devagar, mesmo de tênis. Com
pernas-de-pau?
“A
minha gente sofrida esqueceu-se da dor, pra ver a banda passar, cantando coisas
de amor.”
Com a agilidade de
jovens treinados e com boa força nas pernas, o grupo avançou célere pelas ruas
pedregosas de Paraty, acompanhado pelo relativamente pequeno grupo, a
princípio, que estava na praça naquela manhã fria. Seus filhos seguiram o
grupo. A banda de música atrás, com atores igualmente vestidos de alegria.
Tocavam músicas cantantes e conhecidas, entre modinhas de carnaval e populares.
A caminhada, que era rápida, passou a ser praticamente uma corrida, e a alegria
do grupo e da música envolveu o público, que nessa altura era uma pequena
multidão que se acotovelava nas ruas estreitas da cidade histórica, felizmente
plana.
Os intrépidos atores
circenses faziam hábeis malabarismos, corriam, saltavam, dançavam, dobravam as
pernas-de-pau à altura da cabeça e levantavam acima dos seus braços estendidos
para cima, uma das moças, também de perna-de-pau. Loucura total! A carregavam
como a um andor, e, ao ritmo e em conjunto a depositavam delicadamente no
chão. Também seus filhos foram içados. A
empolgação do grupo invadia os presentes, que, sem saber exatamente como,
estavam magnetizados por tudo, energia, música e euforia, coisa incompreensível
para quem acaba de chegar. Os que ouviram a música em casa, foram atraídos por
ela, saíam à varanda, à porta ou lá no alto, esticavam pescoço, braços e mãos,
capturados pela situação, sendo impelidos para a rua. O contágio da alegria
atuava como cachaça. Paraty é, sim, sinônima de cachaça.
Quem acompanhava,
corria e dançava, escancarando um riso rasgado de felicidade. O som dos
instrumentos e o magnetismo dos participantes hipnotizaram os presentes, que
extasiados, seguiram o grupo por quase duas horas, sem avaliar tempo, nem cansaço.
Depois do circuito pelas ruas, voltaram para a praça, onde uma grande corrente
humana, de mãos dadas, deu um abraço nela. A brincadeira seguiu-se por mais
alguns minutos, com integração dos dois grupos, platéia e elenco. Atados pelas
mãos, altos e baixos, adultos e crianças rodopiaram na praça num grande
caracol.
“E
para o meu desencanto, o que era doce acabou, tudo tomou seu lugar, depois que
a banda passou.”
O nível da atração
Carroça Mamulengo é de primeira grandeza, sendo facilmente alçado ao patamar de
clímax de toda a festa. A perícia dos jovens artistas é alimento para o
espírito, e tal instante de felicidade é o melhor convite para uma volta.
*Médica endocrinologista, jornalista
profissional, membro da Academia Feminina de Letras e do Instituto Histórico e
Geográfico, ambos de Montes Claros e autora do livro “Segurando a
Hiperatividade”
Deve ter sido uma experiência e tanto, Mara. Gostaria muito de conhecer Paraty, especialmente no tempo da FLIP. Abraços!
ResponderExcluirÉ mais do que eu esperava, Marcelo. Ano que vem tem mais.
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