Recompensa ou
fim?
* Por Pedro J. Bondaczuk
A palavra felicidade, junto com outros
tantos conceitos ambíguos, como amor, esperança, fé etc.etc.etc. é uma das mais
abordadas por poetas, romancistas, dramaturgos, psicólogos e filósofos de todos
os tempos e das menos compreendidas. Há pessoas que são absolutamente felizes
por nada e outras, por seu turno, têm tudo o que alguém possa aspirar e são
“poços” de infelicidade. Por que?
Antoine de Saint-Exupéry, por exemplo,
considera que a felicidade seja “recompensa” e não “fim”. Discordo. Entendo que
ela seja uma predisposição, uma condição espiritual favorável, um estado de
satisfação íntima que não depende de nada e ninguém para se instalar em nossas
vidas.
Para sermos felizes, temos de “querer”
sê-lo, mas com a máxima intensidade, de coração e alma abertos, sem atentar
para o que somos, o que temos e com quem estamos. Claro que não sou o dono da
verdade e posso, perfeitamente, estar equivocado a respeito. Escrevo, porém,
com base, exclusivamente, na minha experiência pessoal e asseguro que, na maior
parte do tempo, sou feliz! Por que? Porque quero!
É possível tratarmos da felicidade,
cultivarmos esse estado de espírito, esta predisposição positiva face à vida,
como uma planta delicada, para que sempre permaneça viçosa e florida? Entendo
que sim! Não só podemos, como devemos cultivá-la, tratá-la, adubá-la com o
adubo do afeto, do amor e das amizades e borrifá-la com o defensivo da fé, da
esperança e da alegria, para que as ervas daninhas da inveja, do rancor, do desespero
e de tantos e tantos outros nefastos, mas evitáveis, parasitas, não a sufoquem e lhe tirem o viço.
Vinicius de Moraes, nos versos finais
do clássico “A felicidade”, trilha sonora do filme “Orfeu no Carnaval” (com
melodia de Luís Bonfá), diz:
“A
felicidade é uma coisa boa
e
tão delicada também,
tem
flores e amores
de
todas as cores,
tem
ninhos de passarinhos
tudo
de bom ela tem
e
é por ela ser assim tão delicada
que
eu trato dela sempre muito bem”.
Até porque, o início dessa canção soa
como advertência:
“Tristeza
não tem fim
felicidade
sim”.
Evitemos que ela se acabe.
Nunca deixemos as portas da alma
entreabertas, ou seja, nem abertas por completo e nem fechadas de vez. Esse é o
caminho das meias-verdades – que são piores que as mentiras explícitas por
causa da sua verossimilhança – e da insensatez, que nos conduz ao erro e à
infelicidade.
Escancaremos, sim, as portas do nosso
entendimento à verdade, à felicidade, ao amor, às amizades, à alegria, ao
bom-humor e à solidariedade, entre outros tantos sentimentos bons. E
tranquemo-las a sete chaves – se possível com o reforço de um ferrolho – à
inveja, intriga, rancor, violência, egoísmo e aos demais venenos da alma. Mas
nunca, em circunstância alguma, as deixemos apenas entreabertas.
Tudo o que se faz na vida gera algum
efeito. Nada, absolutamente nada passa incólume. Às vezes, é verdade, os atos
são imperceptíveis e ficam assim para sempre. O efeito gerado é ínfimo e quem
os praticou se conforma em não ser identificado. Às vezes, as ações tardam a
ser percebidas e o autor, igualmente, permanece incógnito.
Às vezes, a percepção é imediata, mas
as conseqüências é que são imperceptíveis. E às vezes, os atos (bons ou ruins)
são percebidos de imediato e premiados ou punidos, de acordo com sua natureza,
sem tardança. Mas tudo, absolutamente tudo o que se faz na vida gera algum
efeito.
São os rastros, as marcas, os vestígios
de nossa existência que deixamos nos caminhos do tempo. Cecília Meirelles
ilustra essa situação de forma lírica e bela, com estes versos que encerram o
poema “4º motivo da rosa”, e com os quais encerro, também, essa nossa periódica
conversa:
“Eu
deixo aroma até nos meus espinhos
ao
longe o vento, o vento vai falando de mim
E
por perder-me é que vão me lembrando,
por
desfolhar-me é que não tenho fim”.
Desfolho-me, em cada lugar que passo,
deixando um pouco de mim. Busco espalhar perfume no caminho que trilho, na
tentativa de ser lembrado com carinho pelos que comigo conviveram ou que, ao
menos, me conheceram. Tento, sobretudo, semear exemplos de conduta e motivar as
pessoas na conquista e manutenção da felicidade. Como Cecília Meirelles, “por
desfolhar-me é que não tenho fim”.
* Jornalista, radialista e escritor.
Trabalhou na Rádio Educadora de Campinas (atual Bandeirantes Campinas), em 1981
e 1982. Foi editor do Diário do Povo e do Correio Popular onde, entre outras
funções, foi crítico de arte. Em equipe, ganhou o Prêmio Esso de 1997, no
Correio Popular. Autor dos livros “Por uma nova utopia” (ensaios políticos) e
“Quadros de Natal” (contos), além de “Lance Fatal” (contos), “Cronos &
Narciso” (crônicas), “Antologia” – maio de 1991 a maio de 1996. Publicações da
Academia Campinense de Letras nº 49 (edição comemorativa do 40º aniversário),
página 74 e “Antologia” – maio de 1996 a maio de 2001. Publicações da Academia
Campinense de Letras nº 53, página 54. Blog “O Escrevinhador” – http://pedrobondaczuk.blogspot.com.
Twitter:@bondaczuk
Eu não decidi ser feliz e fui. Eu fui feliz sem me decidir. Hoje quero repetir a dose, mas ela me escapa. Atribuo à falta de saúde. Quanto às ações, têm sim consequências, assim como as omissões, determinantes de muitos destinos.
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