Inesquecível paixão por um mito de dois
mundos
O romance “A casa das sete mulheres”, da gaúcha Leticia
Wierzchowski, destaca não somente uma única personagem feminina inesquecível,
como na maioria das histórias que tratei nesta minha já longa série, mas sete: Antônia,
Caetana, Rosário, Ana, Perpétua, Manuela e Mariana. Como esquecer esse grupo
heterogêneo, esse hepteto confinado por toda uma década no interior da Estância
da Barra, de difícil acesso para garantir sua segurança, propriedade do
patriarca da família, Bento Gonçalves, mítico líder e herói da Revolução
Farroupilha?! Sim, como? Todas as sete têm sua importância na história e o
papel de protagonistas. Só quem não tivesse sensibilidade as esqueceria. Aliás,
este sequer leria o primoroso romance histórico de Letícia, entre os melhores
no gênero da rica Literatura brasileira.
A bem da verdade, não há apenas sete personagens femininas
inesquecíveis no enredo, mas oito, pois não se pode esquecer de Anita
Garibaldi, que embora praticamente não apareça na trama, é relevante, por
conquistar Giuseppe Garibaldi, o mito, o grande herói de dois continentes, o
inesquecível amor da vida de Manuela. Embora nas 509 páginas do romance – que a
gente lê de um só fôlego, lamentando quando chega ao final, pelo atrativo e
gostoso estilo da autora – Letícia trate das batalhas, conflitos, dificuldades
e tudo o que cercou esse importante episódio da História do Brasil, sobretudo
do Rio Grande do Sul, o foco central está, mesmo, naquelas sete mulheres. Está
nos seus amores. Está nos seus ciúmes. Está em suas alegrias, tristezas, temores
e expectativas e não de um único dia, de uma semana ou mesmo de um mês, mas de
dez anos!!! Centra-se, por exemplo, nas incertezas e desencontros do
relacionamento de Rosário e Steban. Ou na paixão incontida e enlouquecedora de
Mariana e João Gutierrez. Enfim, nas esperanças e desesperos de todas aquelas
sete mulheres. E, sobretudo, no amor de Manuela e Garibaldi, que a gente torce
o tempo todo para que tenha um “happy end”, mas que termina em renúncia e
saudade.
Apesar da objetividade de Letícia, todo esse conjunto de
dramas e conflitos é narrado com realismo, é verdade, mas com ternura, de uma
forma envolvente, delicada, pura, poética até. Sem nenhum exagero, “A casa das
sete mulheres” é um imenso e bem composto poema épico. Embora as sete protagonistas
sejam sumamente importantes, uma delas se destaca e, para mim, é a personagem
feminina inesquecível, de fato e de direito (com a ressalva que se alguém eleger
qualquer das outras seis, estará bem eleita). Refiro-me a Manuela.
A própria autora deixa esse destaque implícito ao dividir o
livro em duas partes, que são intercaladas. Numa delas, relata como era a vida
na Estância da Barra, com a ausência dos homens da casa. Na segunda,
apresenta-nos o diário de Manuela, em que ela relata, na primeira pessoa, suas
angústias, alegrias, sonhos de amor por Garibaldi, a quem ela hesitou em
seguir, acabando, por conseqüência, por perdê-lo para sempre para Anita Garibaldi,
que o seguiu até mesmo para a Itália, findo o conflito gaúcho, onde também se
destacou na luta pela unificação daquele país. Em um de seus relatos, tão
íntimos e pessoais, ela registrou: “Fui talhada para ser de um único homem, e
serei dele eternamente. Mesmo que nunca nos casemos, mesmo que a guerra ou o
destino o leve para longe de mim, permanecerei esperando-o até quando for
necessário, até a eternidade”. E foi o que fez.
Em outro registro, Manuela detalha como perdeu Giuseppe
Garibaldi e as conseqüências emocionais que sofreu com a perda: “Foram dias de
um vazio cruel para mim. A proibição do nosso noivado me trouxe doenças e uma
fraqueza que assustou minha mãe. D. Antonia preparou chás e compressas; eu não
melhorava por teimosia. Não era justo que me obrigassem a casar com um primo
que eu não amava enquanto Giuseppe tanto ardia em estar comigo. D. Antônia
falou-me francamente que tinha pena daquele malogro amoroso, mas que era o
único caminho e que um dia eu agradeceria a decisão de meu tio e de minha mãe”.
Mais adianta, Manuela acrescenta: “ Para a tia, havia o
certo e o errado, nada fora disso. Respondi-lhe que ela mesma tinha conhecido a
felicidade mui brevemente, e que dela se havia esquecido havia tempos, portanto
eu a perdoava, mas que nunca mais seria feliz. E nem me casaria com outro que
não fosse o meu Giuseppe. D. Antônia fitou-me com os olhos rasos d’água e não
disse mais nada, restou em silêncio, aplicando compressas em minha testa
febril. Muito depois, quando saía desse quarto, sussurrou: ‘Um dia, isso tudo
passa, filha. Vosmecê vai ver’”. Passou e não passou. Restou a Manuela a
lembrança de um amor frustrado, que nunca se perpetuou.
Pungentemente belo é mais este relato de Manuela, em seu
diário, sobre como toda aquela saga de heroísmo, sangue e morte acabou: “Restei
eu, como um fantasma, para narrar uma história de heróis, de morte e de amor,
numa terra que sempre vivera de heróis, morte e amor. Numa terra de silêncios,
onde o brilho das adagas cintilava nas noites de fogueiras. Onde as mulheres
teciam seus panos como quem tecia a própria vida. Ah, mas isso tudo levou muito
tempo, tempo demais… Naqueles dias, meus cabelos ainda estavam crescendo.
Naquele tempo ainda tínhamos muitos sonhos”. Esse trecho, convenhamos, não
comporta comentários ou observações. É ou não é um final adequado para um
magnífico poema épico, posto que em prosa?!!!
Boa leitura.
O Editor.
Acompanhe o Editor pelo twitter: @bondaczuk
Explode, sai da página de tão maravilhoso!
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