A ingênua menininha criada por Érico
Veríssimo
O escritor gaúcho (meu conterrâneo) Érico Veríssimo marcou
sua passagem pela rica e variada Literatura Brasileira com a criação de
personagens fortes, míticos, característicos, retratando, através deles, o
comportamento, os gostos, os costumes, tradições e história do seu (e do meu)
Estado natal: o Rio Grande do Sul. Prova disso é a saga “O tempo e o vento”,
conjunto de romances em que, através das peripécias da família Terra Cambará,
traz à baila um pouquinho da trajetória política e social dessa importante
parte do País. Entre suas criações, estão diversas figuras femininas
impossíveis de serem esquecidas. Quando a questão vem à baila, as mulheres que
descreveu que imediatamente vêm à mente são, pela ordem, a valente e
determinada Ana Terra, paixão do aventureiro Capitão Rodrigo, e sua neta, Bibiana
Terra Cambará. É inegável que ambas são dignas de figurar em qualquer lista que
se faça de personagens femininas inesquecíveis.
Todavia, se eu tivesse que escolher apenas uma das mulheres
notáveis que Érico Veríssimo criou, optaria por outra, que não as duas
protagonistas da saga “O tempo e o vento”, escolheria Clarissa. E não só pela
sua, digamos, “atualidade”, mas pelo quê de humanidade que ela tem. Aliás, ela
foi a primeira das suas inesquecíveis personagens, figura central do seu
primeiro romance, datado de 1933, que traz, inclusive, seu nome no próprio
título do livro, o que, por si só, já sugere sua importância. A relevância que
Érico lhe deu foi tamanha, que ela aparece em outros três dos seus livros: “Caminhos
cruzados”, “Música ao longe” e “Um lugar ao sol”.Ou seja, foi inesquecível,
está mais do que claro, para seu próprio criador.
E o que essa tal de Clarissa tinha de tão especial? Nada!
Rigorosamente nada. Era, na criação de Érico, figura feminina até que comum,
como tantas e tantas e tantas da sua idade, o início da adolescência, aquela
difícil época de transição da infância para um período de transformação de uma “larva”
em belíssima “borboleta” que todas as garotas passam. Mas é aí é que está o
segredo do fascínio que ela desperta no leitor (e na leitora, claro). Clarissa
é filha de fazendeiros, que vai morar em uma pensão, comandada por tia
Eufrasina (Dona Zina) e que estuda em Porto Alegre.
Naquele restrito mundinho que passa a ser o seu faz algumas
descobertas de coisas boas e ruins que, em sua juvenil ingenuidade, nem
desconfiava que existissem. Tudo é novo para ela. Decepciona-se, por exemplo,
com a infidelidade de Ondina a seu marido, o caixeiro viajante Barata, a quem
trai com Nestor, solteirão irresponsável e folgado, o que a impressiona demais,
já que julgava que o amor não tivesse dessas, digamos, “feiúras”. Condói-se da
deficiência física de Tonico, com quem se apega e, principalmente, do
sofrimento da mãe dele, a pobre e trabalhadora viúva Dona Tatá, que se esfalfa
na costura para arrancar seu sustento. Testemunha as discussões políticas de
Levinsky, um judeu comunista que não perde a chance de encontrar defeitos e
contradições na religião cristã. Compara a vida da vizinha rica, que contrasta
com a pobreza de Dona Tatá, e considera que se trata de grande injustiça. Santa
ingenuidade!
Um personagem se destaca naquele universo restrito. Trata-se
de Amaro, bancário que sonhava em ser grande pianista e que vivia compondo.
Clarissa torna-se amiga de Tonico, acreditando na sua recuperação. Intimamente,
fica em dúvida se essa amizade era só isso mesmo ou se era amor. Quando o
garoto deficiente morre, a menina chega a fantasiar, até, um romance com ele.
Coisa de adolescente! Chama-me, em particular, a atenção como Érico descreve o
bancário, mas artista sonhador e o ambiente que o cerca, como neste magnífico
trecho, um primor de tirocínio descritivo, que partilho com você, caríssimo
leitor:
“(…) Amaro caminha para o piano. Seus dedos magros batem de
leve nas teclas. Duas notas tímidas e desamparadas: mi, sol... Mas a mão tomba
desanimada. O olhar morto passeia em torno, vê as imagens familiares: a cama
desfeita, os livros da noite, empilhados sobre o mármore da mesinha de
cabeceira, a escrivaninha com papéis em desordem; nas paredes brancas, a
máscara mortuária de Beethoven e o espelho oval por cima da pia, o espelho que
rebrilha, refletindo na superfície lisa o semblante dum homem triste (…)”.
Soberbo!!! Um primor de descrição, não é mesmo?
Por estas e outras é que Clarissa é a minha personagem
feminina inesquecível na obra ficcional de Érico Veríssimo, com “menção honrosa”
para duas das protagonistas de “O tempo e o vento”: Ana Terra e Bibiana Terra
Cambará. Ela também o foi para seu talentoso “criador”, que a inseriu em quatro
de seus romances. Como foi, igualmente, para o sonhador Amaro, que tanto queria
ser pianista, e que no enredo de “Clarissa” nutria pela garotinha ingênua de
treze anos secreta paixão. Se nenhum dos citados a esqueceu, não seria eu que a
esqueceria, ora bolas!!!
Boa leitura.
O Editor.
Acompanhe o Editor pelo twitter: @bondaczuk
Fiquei tão impressionada com Clarissa, que desde meus 14 anos, quando li o livro, eu escolhi este nome para colocá-lo em uma filha, caso a tivesse. Só que não a tive, infelizmente.
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