Castidade violada
* Por
Marcelo Sguassábia
- Quando fechamos
negócio, o senhor me jurou que dava garantia.
- Eu disse que
garantia o produto contra defeitos de fabricação, o que não inclui avarias
provocadas pelo mau uso. O cinto de castidade que eu lhe vendi foi violado, eu
poderia jurar que usaram um pé-de-cabra para arrebentar a fechadura.
- Desculpa, mas um
produto dessa natureza e com essa finalidade, só tem serventia se for
comprovadamente inviolável. Cadê a fiscalização do Inmetro numa hora dessa? A
minha noiva desacordada na cama, todo aquele sangue escorrido... Ah, se o
senhor visse...
- Bom, pela minha
prática eu arriscaria três hipóteses para o fenômeno. A primeira: a própria
mulher ou alguma outra pessoa provocou ferimento nas partes baixas ao forçar a
abertura, aí acabou sangrando. A segunda: a mulher menstruou e, incomodada com
o sangue melecando a virilha, abriu a gaiola genital para se limpar. Não sei
como, mas abriu. A terceira, que o amigo vai custar a admitir mas que costuma
ser a mais provável: o sangue é da perda da virgindade. Consentida ou forçada.
- Ela não faria isso.
A minha noiva não!
- Pois é, mas o senhor
se lembra que não foi por falta de aviso. Se tivesse levado o modelo com
quadrichave e senha digital, poderia ter evitado todo esse aborrecimento. Até
hoje não conheci ninguém capaz de violar um genuíno quadricinto de castidade.
- Ponha-se no meu
lugar. Se a noiva fosse sua e tivesse acontecido isso, o que pensaria?
- Eu não pensaria
nada, pois teria optado por um cinto da linha Quadrichave Ultra Security para
não ter dor de cabeça. Se a questão é prevenir, vamos fazer a coisa direitinho.
- Mas dizendo isso o
senhor deprecia o seu modelo básico. Por uma questão ética, não poderia vender
um modelo com chave comum e risco de violação, concorda?
- Olha, vamos parar
com essa discussão. Eu conheço muito bem e respondo por toda a minha linha de
produtos, tenho um bom nome na praça e a consciência tranquila. Já o senhor, eu
não sei se está tão seguro quanto ao caráter da sua noiva.
- Escolha bem as
palavras quando se dirigir a mim, seu maldito insolente. A família dela é
respeitada em todo o reino, é gente que honra o brasão da família!
- Então por que
comprou o cinto?
- Ferreiro desgraçado!
Seu pós-venda não vale nada, é um case de marketing sobre o que não se deve
nunca fazer e dizer ao cliente! Vou postar hoje mesmo essa história toda nas
redes feudais. Seu negócio será reduzido à produção de ferraduras pra jumento,
e olhe lá.
- Bom, pelo menos de
fome eu sei que não vou morrer. Jumento é o que não falta nesse feudo...
* Marcelo Sguassábia é redator
publicitário. Blogs: WWW.consoantesreticentes.blogspot.com
(Crônicas e Contos) e WWW.letraeme.blogspot.com
(portfólio).
É o que se pode chamar de degringolamento da fala civilizada, com desproveito para os dois lados.
ResponderExcluir