sexta-feira, 24 de julho de 2015

A mulher do goleiro


* Por Rodrigo Ramazzini


Era a primeira rodada do campeonato municipal de futebol de campo. A presença de público impressionara até os organizadores do evento. Quase trezentas pessoas estavam no campo esportivo para assistir São Nicolau x Milan Cover, pela chave A do torneio.

Duas horas antes da partida, o técnico do São Nicolau ficara sabendo que o seu goleiro titular não compareceria ao jogo, pois estava em horário de trabalho e não conseguira liberação. Por lógica, quem assumiria a posição seria o primeiro reserva. Eis o segundo problema: ele caíra de moto na noite anterior, já saíra do hospital, não sofrera nada muito grave, mas precisava ficar em repouso absoluto. E é assim que entra o Tavinho, segundo goleiro reserva, na nossa história.

Sem alternativas, o técnico do São Nicolau telefonou para o Tavinho e avisou-o da sua titularidade naquela tarde de domingo. O Tavinho não levava muito jeito para o futebol, muito menos para goleiro. Fora inscrito na equipe por ser dono de um ônibus, o qual segundo os planos da equipe, seria fundamental no futuro, pois almejavam jogar torneios fora da cidade.

Faltavam quinze minutos para iniciar o jogo e o Tavinho não aparecia. O lateral esquerdo já estava fardando-se de goleiro quando o ônibus surgiu, lotado, ao som de pandeiros e cavaquinhos.
- Trouxe a minha torcida, rapaziada –, exclamou Tavinho, no vestiário.

Eram esposa, mãe, pai, cunhados, vizinhos etc. Todos com o objetivo de incentivá-lo no primeiro jogo oficial da sua carreira como goleiro. Começa a partida. Com exatos 17 segundos, “um balão” é dado do meio-de-campo em direção ao gol defendido por Tavinho.

– Minha! – gritou para os zagueiros, saindo debaixo das traves em direção à bola. Ofuscado pelo sol, ele perde-a de vista. Ela quica na sua frente, na entrada da pequena área, passa-lhe por cima e entra na goleira. Gol! São Nicolau 0 x 1 Milan Cover. Os torcedores do Tavinho ficam incrédulos. Não podia estar acontecendo aquilo. Mas estava, e pior, tinha mais...

Aos três minutos de partida, a bola é recuada pelo zagueiro para Tavinho, que pressionado pela aproximação de um adversário, assusta-se e tenta chutar a bola para a lateral. O chute sai fraco, a bola cai aos pés do atacante do Milan Cover. Não deu outra. São Nicolau 0 x 2 Milan Cover.

A torcida do Tavinho, que era só festa antes do jogo, após esse lance pára por completo o seu incentivo. Sentam-se e quietos assistem o restante da partida. Os demais expectadores é que começam a zombá-lo. Gozação que aumenta a cada nova trapalhada em campo. Trapalhadas que sempre resultavam em gol para o adversário. O placar marcava São Nicolau 0 x 5 Milan Cover ao término da primeira etapa.

No segundo tempo o “show” proporcionado pelo Tavinho fora maior. Quem assistia ao jogo gargalhava sem parar. A chacota era geral. Gritos satirizando-o eram ouvidos aos montes. Até um cântico zombando-o entoaram:
- Com o Tavinho campo... Com o Tavinho em campo, não tem placar em branco!

O placar da partida indicava São Nicolau 0 x 11 Milan Cover. Foi então que, aos 38 minutos da segunda etapa, o Tavinho realiza a sua primeira defesa no jogo. Uma bola cruzada da direita para o centro da área. O centroavante do Milan Cover erradamente cabeceia. A bola dirigia-se para fora de campo, mas o Tavinho a interceptou dando uma linda “ponte” e espalmando-a para escanteio. A mulher do Tavinho, que agüentara todas as gozações ao marido “friamente”, não titubeou. Levantou-se e gritando, lascou:
- É isso aí! Mas bah... Que baita goleiro!


* Jornalista e contista gaúcho.


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