quarta-feira, 29 de julho de 2015

Cartas que não se repetirão Nº 3 – De Urda Alice Klueger para Jorge Amado



* Por Urda Alice Klueger



                                   Blumenau, 30 de outubro de 1994


                                               Meu querido Mestre:


                                   Quem é rei, nunca perde a majestade; quem nasceu Mestre, sempre o será, e cada vez melhor, cada vez mais aperfeiçoado. Querida estrela do meu coração, que obra prima que é “A descoberta da América pelos turcos”, lida ontem! Não estou jogando confete, tenha certeza. Sei que sou uma grande leitora (embora pequena escritora) e sei avaliar o que leio. Sem dúvida, Adma e seus turcos só poderiam ter saído da pena de um grande Mestre, de alguém nascido para a genialidade. Como fazer caber em história tão curta, em tão poucas palavras, todo o universo dos turcos brasileiros, desde o seu dia a dia, até a filosofia que orienta suas vidas? E o desfecho do livro, então? “... os milagres aconteciam a três por dois naqueles bons tempos da descoberta da América pelos turcos”. É desfecho de obra prima, daqueles nunca conseguidos por doutos escritores formados em Cursos de Letras, que tudo sabem de Teoria Literária, mas que são incapazes da genialidade. A genialidade nasce junto com a pessoa, não há curso ou livro que a faça aflorar se ela não existe, e esse menino grapiúna que é o senhor nasceu com ela. (Falar em grapiúna me lembra de Ilhéus, e da minha primeira ida lá, nos rastros de Gabriela).

                                   Meu querido Mestre, há que sair, agora, ir a velório de velho tio, e antevejo as situações hilariantes que irei presenciar lá, no encontro de todos os parentes e das duas vertentes religiosas da família: a luterana e a católica Penso até em escrever a respeito disto, desses encontros multi religiosos. Tão comuns por aqui: os luteranos sérios, circunspectos, não cometendo a indignidade de derramar uma lágrima pelo falecido, por mais querido que ele tenha sido e, na sua digna postura superior, demonstrando sem palavras, mas muito claramente, todo o seu desprezo pelo escarcéu do choro e das lamentações dos católicos que vão chegando, e que se envergonhariam caso não deixassem bem claro seu pesar ruidosamente, com muito choro e muitas fungadelas. Sou criatura híbrida até em religião, produto do encontro das duas, mas não consigo deixar de me divertir uma porção a cada desses velórios familiares que vou. Não me julgue mal, é mesmo muito engraçado.

                                   Muito, muito, muito obrigada pela deferência do livro. Claro que ele já passou a ser um dos meus mais preciosos tesouros.

                                   Recomende-me à Dona Zélia Gattai, que tanto admiro desde “Anarquistas, graças a Deus”, e à Rosane, essa pessoa privilegiada que convive diariamente com ambos.

                                   Muito, muito carinho de quem o guarda no coração com toda a ternura.



                                   Urda Alice Klueger



(Digitalizado em 20.07.2015, por Urda Alice Klueger, escritora, historiadora e doutora em Geografia, e-mail urdaaliceklueger@gmail.com. )


* Escritora de Blumenau/SC, historiadora e doutoranda em Geografia pela UFPR, autora de mais três dezenas de livros, entre os quais os romances “Verde Vale” (dez edições) e “No tempo das tangerinas” (12 edições




Um comentário:

  1. Privilégio ler e mais ainda contar o que achou do livro para o grande Jorge Amado.

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