Artista polivalente
Um poeta canadense, já bastante vivido e experiente, de 76 anos de idade (fará 77 em 21 de setembro), conquistou o prestigioso e cobiçado Prêmio Príncipe das Astúrias de Letras de 2011, superando outros 31 candidatos, de 24 países diferentes (inclusive do Brasil). Trata-se, sobretudo, de um artista polivalente, que brilha, com o mesmo brilho, em artes diferentes. Refiro-me a Leonard Cohen, nascido em Montreal, de uma família judia de origem polonesa.
Embora escritor, e dos bons, (tanto que acabou de ganhar um dos prêmios literários de maior valor), o feliz premiado é mais conhecido, mundo afora, como cantor e compositor. O Youtube está repleto de vídeos com suas apresentações artísticas. Para que vocês tenham uma ideia do seu prestígio, basta informar que é citado em uma canção conhecidíssima da banda Nirvana, intitulada “Pennyroyal tea”. E não é só isso. A escritora Elizabeth Gilbert citou-o no livro “Comer, rezar, amar”, um dos hits desta temporada. Isso basta? Se não bastar, há outra menção a ele, de alguém até mais célebre, de um escritor ganhador do Nobel de Literatura, José Saramago, que fez uma referência a Leonard Cohen no livro “História do cerco de Lisboa”.
Interessante notar, porém, que quando esse showman, esse artista polivalente passou a se dedicar à música, o que fez aos 30 anos de idade, há já bom tempo era consaiderado escritor experiente, com alguns romances publicados, além de vários volumes de poesia. Não se tornou cantor e compositor, portanto, por eventual fracasso na literatura. Muito pelo contrário. Até premiações locais já havia conquistado.
Fico fascinado quando dou de encontro com histórias desse tipo. Gosto de pessoas talentosas e competentes e que são bem sucedidas. E minha admiração, além da apreciação, aumenta em progressão geométrica quando esse sucesso é multiplicado e ocorre em artes diferentes, como é o caso. Se chegar ao topo, numa delas, já é uma parada, que exige muito mais do que talento, mas também relacionamentos, canais de divulgação, saber detectar e aproveitar oportunidades e muita, muitíssima, enorme dose de sorte, imaginem em duas! Isso não ocorre, claro, com muitos e nem a todo instante.
O primeiro livro de poesias de Leonard Cohen, “Let us compare mythologies” foi lançado em 1956. E emplacou. Depois dele, vieram outros treze, entre os quais vários romances. Ele começou a dedicar-se à música, para valer, em meados da década de 60, quando se mudou para os Estados Unidos. Antes de arriscar-se a cantar, deu o pontapé inicial na nova carreira com o que sabia fazer melhor: compor. Mas compunha não somente letras (embora sobretudo estas, já que é poeta), mas também melodias. Suas duas primeiras composições de sucesso, “Suzanne” e “Dress rehearsal rag”, foram gravadas pela cantora norte-americana Juddy Collins, em 1966, no disco “In my life”. E o que aconteceu? Sucesso logo de cara.
Um ano depois, resolveu gravar um LP só dele, cantando suas próprias composições, intitulado “Songs of Leonard Cohen”. Foi um sucesso, tanto de crítica, quanto, e principalmente, de público. A partir de então, sua carreira decolou de vez, transformando-o praticamente num mito no mundo da música popular.
Apesar da ascendência judia, no início dos anos 90 esse inquieto poeta-cantor, ou cantor-poeta como queiram, converteu-se ao budismo. Passou, então, a viver no mosteiro budista de Mount Baldy Zen Center, nos arredores de Los Anges, sendo ordenado monge em 1996 e rebatizado com o nome Dharma de Jikan (cujo significado é “Silencioso”). E silenciou, de fato. Afastou-se dos palcos por longos sete anos, retornando só em 2001 com o álbum “Ten new songs”.
Para que vocês conheçam um pouco do talento de Leonard Cohen, pincei, na internet, as letras de duas de suas composições, mas traduzidas para o português. Claro que a tradução tira um pouco do encanto original, mas, ainda assim, considero duas magníficas letras e com mensagens. Confiram:
Hino
Os pássaros cantam
No romper do dia
"Comece de novo"
Eu ouço eles dizendo
Não se apoie naquilo
Que passou
Ou naquilo que está para vir
Ah, as guerras,
Elas serão lutadas de novo
A pomba sagrada
Ela será apanhada novamente
Comprada e vendida
E comprada de novo
A pomba nunca está livre
Toque os sinos que ainda pode tocar
Esqueça sua perfeita oferenda
Há uma falha em tudo,
É assim que a luz entra.
Nós pedimos sinais
Os sinais foram enviados:
O pássaro traído
O casamento gasto
Sim, a viuvez
De todo governo...
Sinais para todos verem.
Eu não posso mais correr
Com essa multidão desgovernada
Enquanto os assassinos em lugares altos
Fazem suas orações em voz alta.
Mas eles foram convocados, foram convocados
Para uma nuvem tempestuosa
E eles vão ouvir de mim.
Toque os sinos que ainda pode tocar...
Você pode acrescentar as partes
Mas você não vai encontrar a soma
Você pode iniciar a marcha,
não há nenhum tambor
Todo coração, todo coração
Virá para amar
Mas como um refugiado
Toque os sinos que ainda pode tocar
Esqueça sua perfeita oferenda
Há uma falha, uma falha em tudo
É assim que a luz entra.
Toque os sinos que ainda pode tocar
Esqueça sua perfeita oferenda
Há uma falha, uma falha em tudo
É assim que a luz entra
É assim que a luz entra
É assim que a luz entra
Avalanche
Bem, eu adentrei uma avalanche,
Isso encobriu minha alma;
Quando não sou esse corcunda que você vê
Eu durmo embaixo do monte dourado.
Você que deseja conquistar a dor,
Deve aprender, aprender a me servir bem.
Você tomou meu lado por acidente
Enquanto descia pelo seu ouro.
O aleijado que você vestiu e alimentou
Não está mais faminto ou com frio;
Ele não procura por sua companhia,
Não no centro, o centro do mundo.
Quando estou em um pedestal,
Você não me armou lá.
Suas leis não me compelem
A ajoelhar, grotesco e desprotegido.
Eu mesmo sou o pedestal
Dessa feia corcunda que você encara.
Você que deseja conquistar a dor,
Deve aprender o que me torna amável;
As migalhas de amor que você me oferece,
São as migalhas que eu deixei pra trás.
Sua dor não é credencial aqui,
É só uma sombra, sombra da minha úlcera.
Eu comecei a ansiar por você,
Eu, que não tenho ambição;
Eu comecei a perguntar por você,
Eu, que não tenho necessidades.
Você diz que se afastou de mim,
Mas posso senti-la quando você respira.
Não vista esses trapos para mim,
Eu sei que você não é pobre;
Você não me ama tão ferozmente agora
Quando você sabe não estar certa.
É sua vez, adorada,
E é sua carne que eu visto.
Pelo exposto, entendo que o Prêmio Príncipe das Astúrias de Literatura de 2011 ficou em excelentes mãos. O cara, além de inegável talento, tem estrela, nasceu, como se costuma dizer em roda de amigos, “com o bum-bum virado para a lua”, além do que tem algo muito importante para pessoas públicas, notadamente artistas: carisma.
Boa leitura.
O Editor.
Um poeta canadense, já bastante vivido e experiente, de 76 anos de idade (fará 77 em 21 de setembro), conquistou o prestigioso e cobiçado Prêmio Príncipe das Astúrias de Letras de 2011, superando outros 31 candidatos, de 24 países diferentes (inclusive do Brasil). Trata-se, sobretudo, de um artista polivalente, que brilha, com o mesmo brilho, em artes diferentes. Refiro-me a Leonard Cohen, nascido em Montreal, de uma família judia de origem polonesa.
Embora escritor, e dos bons, (tanto que acabou de ganhar um dos prêmios literários de maior valor), o feliz premiado é mais conhecido, mundo afora, como cantor e compositor. O Youtube está repleto de vídeos com suas apresentações artísticas. Para que vocês tenham uma ideia do seu prestígio, basta informar que é citado em uma canção conhecidíssima da banda Nirvana, intitulada “Pennyroyal tea”. E não é só isso. A escritora Elizabeth Gilbert citou-o no livro “Comer, rezar, amar”, um dos hits desta temporada. Isso basta? Se não bastar, há outra menção a ele, de alguém até mais célebre, de um escritor ganhador do Nobel de Literatura, José Saramago, que fez uma referência a Leonard Cohen no livro “História do cerco de Lisboa”.
Interessante notar, porém, que quando esse showman, esse artista polivalente passou a se dedicar à música, o que fez aos 30 anos de idade, há já bom tempo era consaiderado escritor experiente, com alguns romances publicados, além de vários volumes de poesia. Não se tornou cantor e compositor, portanto, por eventual fracasso na literatura. Muito pelo contrário. Até premiações locais já havia conquistado.
Fico fascinado quando dou de encontro com histórias desse tipo. Gosto de pessoas talentosas e competentes e que são bem sucedidas. E minha admiração, além da apreciação, aumenta em progressão geométrica quando esse sucesso é multiplicado e ocorre em artes diferentes, como é o caso. Se chegar ao topo, numa delas, já é uma parada, que exige muito mais do que talento, mas também relacionamentos, canais de divulgação, saber detectar e aproveitar oportunidades e muita, muitíssima, enorme dose de sorte, imaginem em duas! Isso não ocorre, claro, com muitos e nem a todo instante.
O primeiro livro de poesias de Leonard Cohen, “Let us compare mythologies” foi lançado em 1956. E emplacou. Depois dele, vieram outros treze, entre os quais vários romances. Ele começou a dedicar-se à música, para valer, em meados da década de 60, quando se mudou para os Estados Unidos. Antes de arriscar-se a cantar, deu o pontapé inicial na nova carreira com o que sabia fazer melhor: compor. Mas compunha não somente letras (embora sobretudo estas, já que é poeta), mas também melodias. Suas duas primeiras composições de sucesso, “Suzanne” e “Dress rehearsal rag”, foram gravadas pela cantora norte-americana Juddy Collins, em 1966, no disco “In my life”. E o que aconteceu? Sucesso logo de cara.
Um ano depois, resolveu gravar um LP só dele, cantando suas próprias composições, intitulado “Songs of Leonard Cohen”. Foi um sucesso, tanto de crítica, quanto, e principalmente, de público. A partir de então, sua carreira decolou de vez, transformando-o praticamente num mito no mundo da música popular.
Apesar da ascendência judia, no início dos anos 90 esse inquieto poeta-cantor, ou cantor-poeta como queiram, converteu-se ao budismo. Passou, então, a viver no mosteiro budista de Mount Baldy Zen Center, nos arredores de Los Anges, sendo ordenado monge em 1996 e rebatizado com o nome Dharma de Jikan (cujo significado é “Silencioso”). E silenciou, de fato. Afastou-se dos palcos por longos sete anos, retornando só em 2001 com o álbum “Ten new songs”.
Para que vocês conheçam um pouco do talento de Leonard Cohen, pincei, na internet, as letras de duas de suas composições, mas traduzidas para o português. Claro que a tradução tira um pouco do encanto original, mas, ainda assim, considero duas magníficas letras e com mensagens. Confiram:
Hino
Os pássaros cantam
No romper do dia
"Comece de novo"
Eu ouço eles dizendo
Não se apoie naquilo
Que passou
Ou naquilo que está para vir
Ah, as guerras,
Elas serão lutadas de novo
A pomba sagrada
Ela será apanhada novamente
Comprada e vendida
E comprada de novo
A pomba nunca está livre
Toque os sinos que ainda pode tocar
Esqueça sua perfeita oferenda
Há uma falha em tudo,
É assim que a luz entra.
Nós pedimos sinais
Os sinais foram enviados:
O pássaro traído
O casamento gasto
Sim, a viuvez
De todo governo...
Sinais para todos verem.
Eu não posso mais correr
Com essa multidão desgovernada
Enquanto os assassinos em lugares altos
Fazem suas orações em voz alta.
Mas eles foram convocados, foram convocados
Para uma nuvem tempestuosa
E eles vão ouvir de mim.
Toque os sinos que ainda pode tocar...
Você pode acrescentar as partes
Mas você não vai encontrar a soma
Você pode iniciar a marcha,
não há nenhum tambor
Todo coração, todo coração
Virá para amar
Mas como um refugiado
Toque os sinos que ainda pode tocar
Esqueça sua perfeita oferenda
Há uma falha, uma falha em tudo
É assim que a luz entra.
Toque os sinos que ainda pode tocar
Esqueça sua perfeita oferenda
Há uma falha, uma falha em tudo
É assim que a luz entra
É assim que a luz entra
É assim que a luz entra
Avalanche
Bem, eu adentrei uma avalanche,
Isso encobriu minha alma;
Quando não sou esse corcunda que você vê
Eu durmo embaixo do monte dourado.
Você que deseja conquistar a dor,
Deve aprender, aprender a me servir bem.
Você tomou meu lado por acidente
Enquanto descia pelo seu ouro.
O aleijado que você vestiu e alimentou
Não está mais faminto ou com frio;
Ele não procura por sua companhia,
Não no centro, o centro do mundo.
Quando estou em um pedestal,
Você não me armou lá.
Suas leis não me compelem
A ajoelhar, grotesco e desprotegido.
Eu mesmo sou o pedestal
Dessa feia corcunda que você encara.
Você que deseja conquistar a dor,
Deve aprender o que me torna amável;
As migalhas de amor que você me oferece,
São as migalhas que eu deixei pra trás.
Sua dor não é credencial aqui,
É só uma sombra, sombra da minha úlcera.
Eu comecei a ansiar por você,
Eu, que não tenho ambição;
Eu comecei a perguntar por você,
Eu, que não tenho necessidades.
Você diz que se afastou de mim,
Mas posso senti-la quando você respira.
Não vista esses trapos para mim,
Eu sei que você não é pobre;
Você não me ama tão ferozmente agora
Quando você sabe não estar certa.
É sua vez, adorada,
E é sua carne que eu visto.
Pelo exposto, entendo que o Prêmio Príncipe das Astúrias de Literatura de 2011 ficou em excelentes mãos. O cara, além de inegável talento, tem estrela, nasceu, como se costuma dizer em roda de amigos, “com o bum-bum virado para a lua”, além do que tem algo muito importante para pessoas públicas, notadamente artistas: carisma.
Boa leitura.
O Editor.
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Gosto de ver o sucesso e brilho alheios. É bom que as pessoas cheguem ao topo. A fama é inegável diante de tantas citações importantes.
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