sexta-feira, 24 de junho de 2011



Resgate e consagração

Os recursos proporcionados pelo avanço da Tecnologia da Informação, entre os quais destaco o surgimento recente do Ipad (e de seus similares, genericamente batizados de “tablets”) são poderosa ferramenta para a divulgação, entre tantas outras coisas, da literatura. Vem proporcionando, por exemplo, o resgate de vários bons escritores, que estavam um tanto esquecidos (em alguns casos, completamente), ao mesmo tempo que consagram os que já são tidos e havidos como clássicos, cuja obra, finalmente (e literalmente) se universaliza.
Essa observação vem a propósito de notícia que li em vários sites da internet dedicados ao noticiário cotidiano, dando conta de que o célebre poema de T. S. Eliot, “The waste land” (“A terra devastada”, em português), composto (pasmem) em 1922, serviu de base para um novo aplicativo que se transformou, em um piscar de olhos, em campeão de vendas no Reino Unido. Nada mais justo! Caso haja herdeiros do escritor norte-americano – que abriu mão de sua cidadania e se naturalizou inglês – estes, certamente, ganharam na loteria. Suponho, no entanto, que a obra desse notável poeta, ganhador do Prêmio Nobel de Literatura, já tenha caído no domínio público. Mas não tenho certeza.
A Aple, que criou o aplicativo para Ipad, certamente lucrou muito e é justo que tenha lucrado. O público leitor, apreciador de boa literatura, também saiu ganhando. Tanto que, subitamente, transformou o poema apresentado dessa forma, tão prática e tão moderna, em campeão de vendas. A procura, portanto, foi intensa e certamente surpreendente, se levarmos em conta que se trata de poesia, não tão valorizada como o romance, por exemplo. E a um custo, de acordo com a notícia, bastante razoável e atrativo: de US$ 13,99. Nada mau.
É certo que quando se trata de criação, há que se considerar (e com toda a justiça) a questão dos direitos autorais, nem sempre respeitados. Aliás, a pirataria causa prejuízos enormes aos verdadeiros criadores, que deveriam ser os únicos a usufruir dos frutos da sua inteligência e sensibilidade, mas que, no final das contas, são os que menos ganham. Isso, quando ganham alguma coisa. Essa usurpação ocorre notadamente no ramo da indústria fonográfica e na atividade de produção de programas de computadores.
Mesmo tratando-se de crime, combatido a ferro e fogo pelas autoridades, a pirataria continua mais próspera e ativa do que nunca, não raro com a conivência e até a cumplicidade do público consumidor que, ao adquirir um CD, por exemplo, pouco lhe importa a procedência, ou mesmo qualidade técnica do produto, mas leva em consideração, apenas, o preço. Sabe que o barato pode sair muito caro, mas opta por arriscar-se e com isso só estimula a indústria da fraude e da cópia irresponsável, feita quase sem custo, desse produto preciosíssimo que é fruto do talento de gente criativa e não raro genial.
O aplicativo do célebre poema de T. S. Eliot foi desenvolvido, conforme leio no site de “O Globo”, pela Touch Press, de Londres, que se especializou na produção de conteúdos para Ipad (que bom, tomara que milhares de outras empresas se especializem nesse tipo de textos também, para o bem e o conforto dos detentores dessa potencialmente tão útil e genial engenhoca). Mas a produção do poeta não foi pirateada. A empresa responsável pela criação desse aplicativo teve o cuidado de fazer parceria com a Faber & Faber, a editora em que T. S. Eliot trabalhou e que é detentora dos direitos da sua obra. É assim que se deve proceder sempre.
E os escritores brasileiros, o que podem esperar nesse aspecto? Podem nutrir a expectativa de que suas obras também virão a ser adaptadas para essa plataforma e chegarão, dessa maneira, a um público cada vez mais amplo e qualificado? Não tenho dúvidas que sim. Claro, depois que forem equacionadas as questões referentes a direitos autorais, entre outras.
Aliás, conforme essa mesma notícia, que pincei (reitero) no site de “O Globo”, o diretor da Editora Cosac Naify, Cassiano Elek Machado, informa que há projetos semelhantes no Brasil. Mas avisa aos mais afoitos e ansiosos que estes ainda estão na fase de piloto. Ele pondera que o mercado brasileiro desse equipamento ainda está muito atrás do inglês e do norte-americano. Eu aduziria, contudo: “Não por muito tempo”. Pelo menos, é o que espero.
Como escritor (posto que ainda dos “menores”, com pouquíssima projeção, por causa da pouca exposição), tenho, claro, a expectativa de um dia ver meus livros adaptados para o Ipad. Afinal, sonhar não paga imposto (ainda). Já caminhei tantos passos nesse acidentado e íngreme caminho da literatura, que ouso nutrir fantasias a respeito. É certo que, se isso ocorrer, não se tratará nem resgate de uma obra esquecida e nem de consagração de um literato já vitorioso e que não tenha que provar mais nada para ninguém. Tratar-se-á de revelação. Ou de ampliação do que a internet já vem possibilitando, através de blogs e de sites que já divulgam minha volumosa e razoavelmente boa (modéstia a parte) produção literária.
Para não deixar vocês com “água na boca”, tomo a liberdade de reproduzir estes poucos versos, do extensíssimo poema “A terra desolada” – que é uma ode à crise existencial que havia se instalado na Europa ao término da (e em conseqüência dela) Primeira Guerra Mundial. A tradução é de Ivan Junqueira, que traduziu, aliás, toda a obra de Eliot no Brasil.

“Abril é o mais cruel dos meses, germina
Lilase da terra morta, mistura
Memória e desejo, aviva
Agônicas raízes com a chuva da primavera.
O inverno nos agasalhava, envolvendo
A terra em neve deslembrada, nutrindo
Com secos tubérculos o que ainda restava de vida.
O verão; nos surpreendeu, caindo do Sttarnbergersee
Com um aguaceiro. Paramos junto aos pórticos
E ao sol caminhamos pelas aléias de Hofgarten (...)”

Boa leitura.


O Editor.


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Um comentário:

  1. Pedro, você ousa sonhar e eu, de medrosa, nem cogito. Dou um sorrisinho amarelo ao ler sobre seus sonhos, e viajo neles. Obrigada pelos devaneios, que não me arrisco a chamar de delírios. No final a viagem acaba por me fazer bem.

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