Pontos de encontro do Recife de antigamente
* Por José Calvino de Andrade Lima
Os pontos de encontro da cidade do Recife tinham muito a ver com a vida noturna do bairro do Recife, área popularmente conhecida como Zona (baixo meretrício), assim chamada por se tratar de uma zona portuária (Vide p. 27 do livro de minha autoria: “Miscelânea Recife”- ed. 2001 e Boemia do Recife de antigamente, publicado no Literário na coluna “Observações e reminiscências”, 01/06/2010).
Era no Recife onde se viam cadeiras nas calçadas e as famílias a conversarem até tarde da noite. Recife do “Quem me quer?”, onde os jovens iam namorar, a Festa da Mocidade, freqüentada pela nata da sociedade. O Tobogã funcionava como grande atração, destinada à recreação das crianças, o Parque Xangai, com auto-pista, Tira Prosa, Roda Gigante, Trem Fantasma, Stands de Tiro ao Alvo, etc. O alto-falante rodando antigos sucessos como: “Conceição”, na voz de Cauby e “De Cigarro em Cigarro”, na voz de Nora Ney, também nos cabarés e nos parques de diversões eram cantadas por Nelson Gonçalves, Ângela Maria, Silvio Caldas, Dalva de Oliveira, Bienvenido Granda “El Bigote que Canta”, este último cantando “Señora”, eram os mais favoritos da época. Nos bairros periféricos o então tradicional “de alguém para alguém”, o qual transcrevo um trecho da cena do diálogo teatral, p. 56 do teatro Trem & Trens: “ GLÓRIA (Calçada, recordativa) – Meu velho, eu não me esqueço quando você mandava anunciar ‘na festa’, para mim, aquela poesia, que o locutor (com sua linguagem própria) dizia (rindo) ‘pétlas’, em vez de pétalas e ‘ovário’, no lugar de orvalho.
CARLOS (Calçada, imitando o locutor) – “Atenção, atenção, Glorinha. Abra o seu coração, como as pétlas de rosa para receber as gotas de ovário, que caem nesta noite linda, em que nos amamos para sempre, e escuta esta página musical...”
A FECIM no Parque da Jaqueira, trazia as novidades internacionais e nacionais na área do Comércio e das Indústrias.
Na Zona e alhures do grande Recife, a boemia tinha outros locais, outros pontos de encontro, alguns bares no centro da cidade fizeram a história, destacavam-se: Savoy, Botijinha e Uirapuru, na Matias de Albuquerque; Cabana e Torre de Londres, no Parque 13 de Maio; o Lero-Lero ao lado direito do Diário de Pernambuco; Brahma Chope, O Flutuante, O Buraco de Otília, funcionava num casebre na Rua da Aurora, o casebre foi demolido, o Restaurante/Bar ficou funcionando na mesma rua numa casa que já foi residência de um espanhol.
Nos bairros do Pina e Boa Viagem da orla marítima, tinha o Maximes, o Pra Vocês, o Cassino Americano (anos 40), viveu os seus melhores momentos no auge da II Guerra Mundial, era freqüentado por militares norte-americanos. Quando terminou o conflito, continuou com o jogo proibido e alugava quartos as prostitutas da Rua do Jaú (então baixo meretrício do Pina). No Hotel Boa Viagem, o seu restaurante era freqüentado por altas figuras da sociedade. Existia o bar e restaurante Veleiro, um point na época, situado no bairro de Boa Viagem, Zona Sul do Recife. Casa Navio, construída pelo empresário Adelmar da Costa Carvalho, em 1940. Era cartão postal, motivo de ter sido filmado pela Metro Golden Meyer de Hollywood para figurar em um filme. Pois com toda pompa na história do Recife, em nome da especulação imobiliária e do descaso com o passado histórico, foi demolida em 1981 para dar lugar a mais um espigão da Avenida Boa Viagem. Boa Viagem nos anos 50/60 deu o seu primeiro impulso com a construção dos edifícios Califórnia, Acaiaca e do famoso Holliday.
Nos bairros distantes da orla marítima tinha também alguns que ficaram na história:
O Caldinho de Água Fria, que ficava no bairro do mesmo nome cujo dono era seu João (falecido). Ele colava nas paredes inúmeros cartões de visita dos freqüentadores e servia pessoalmente a cana e o caldinho (Ele & Ela) colocando no caldinho de feijão o que ele chamava o barro da transamazônica
(Patê de galinha), Pirauira (raiz que tira o cheiro da aguardente ingerida) e sangue da mulher amada (Ketchup).
Existia também o Baependi, um boteco de madeira, localizado na rua da Harmonia em Casa Amarela. O nome muitos acreditavam que era em homenagem ao Marquês de Baependi. Outros achavam que se originou do navio Baependi, que segundo a história foi torpedeado por submarinos alemães em 18 de agosto de 1942. Era no “Baependi”, onde os falecidos poetas Godoy e Adalto recitavam “A Flor do Maracujá”. Godoy declamava dramatizando a lenda sertaneja. Adalto também recitava a de Fagundes Varela.
O Cantinho da Dalva, esse foi muito freqüentado por jovens no início da década de 70. Ficava na Avenida Beberibe. O dono era Mário, fã da cantora Dalva de Oliveira e lá havia tudo que lembrasse a cantora (fotos, recortes de jornais das reportagens, etc). O travesti conhecido como Elza Show, travestido de Elza Soares, cantava músicas com uma voz bem feminina. Hoje Elza Show sempre é convidado a cantar nas festas patrocinado não sei por quem!
É bom lembrar que existiam outros pontos de encontro, os cafés como a Sertã, localizada na esquina da Rua da Palma com a Av. Guararapes, no térreo do edifício do mesmo nome, onde era o Cinema Trianon. Lá se discutia mais política, com opiniões diversas nos debates políticos de fins de tarde. O Nicola, este último próximo ao bar Savoy, lá discutia-se qual o time bom, time ruim, jogador bom, jogador ruim; gols e perde gols, gol da vitória, gol do empate. Apostas e mais apostas, revoltas e mais revoltas... A Galeria do Maltado, fundada em 1928 pelo imigrante cubano Edélio Lago, pai de Antônio Gomes, que administrou-a até fechar. Era o leite maltado mais famoso do Recife. A Galeria não tinha portas e era aberta 24 horas. Nos anos 50/60, após uma bebedeira, tirava-se a ressaca com gasosa conhecida por “Koch” e, finalmente, as Sorveterias ( Vide “Recife das sorveterias”, publicado no Literário em, 01/05/2010).
O Recife sempre é retratado nos meus livros, os leitores encontrarão com mais detalhes sobre a cidade, lendo-os, principalmente o “Miscelânea Recife” (Mistura do que existe para presente e futuro). Muito obrigado.
* Escritor, poeta e teatrólogo
Os pontos de encontro da cidade do Recife tinham muito a ver com a vida noturna do bairro do Recife, área popularmente conhecida como Zona (baixo meretrício), assim chamada por se tratar de uma zona portuária (Vide p. 27 do livro de minha autoria: “Miscelânea Recife”- ed. 2001 e Boemia do Recife de antigamente, publicado no Literário na coluna “Observações e reminiscências”, 01/06/2010).
Era no Recife onde se viam cadeiras nas calçadas e as famílias a conversarem até tarde da noite. Recife do “Quem me quer?”, onde os jovens iam namorar, a Festa da Mocidade, freqüentada pela nata da sociedade. O Tobogã funcionava como grande atração, destinada à recreação das crianças, o Parque Xangai, com auto-pista, Tira Prosa, Roda Gigante, Trem Fantasma, Stands de Tiro ao Alvo, etc. O alto-falante rodando antigos sucessos como: “Conceição”, na voz de Cauby e “De Cigarro em Cigarro”, na voz de Nora Ney, também nos cabarés e nos parques de diversões eram cantadas por Nelson Gonçalves, Ângela Maria, Silvio Caldas, Dalva de Oliveira, Bienvenido Granda “El Bigote que Canta”, este último cantando “Señora”, eram os mais favoritos da época. Nos bairros periféricos o então tradicional “de alguém para alguém”, o qual transcrevo um trecho da cena do diálogo teatral, p. 56 do teatro Trem & Trens: “ GLÓRIA (Calçada, recordativa) – Meu velho, eu não me esqueço quando você mandava anunciar ‘na festa’, para mim, aquela poesia, que o locutor (com sua linguagem própria) dizia (rindo) ‘pétlas’, em vez de pétalas e ‘ovário’, no lugar de orvalho.
CARLOS (Calçada, imitando o locutor) – “Atenção, atenção, Glorinha. Abra o seu coração, como as pétlas de rosa para receber as gotas de ovário, que caem nesta noite linda, em que nos amamos para sempre, e escuta esta página musical...”
A FECIM no Parque da Jaqueira, trazia as novidades internacionais e nacionais na área do Comércio e das Indústrias.
Na Zona e alhures do grande Recife, a boemia tinha outros locais, outros pontos de encontro, alguns bares no centro da cidade fizeram a história, destacavam-se: Savoy, Botijinha e Uirapuru, na Matias de Albuquerque; Cabana e Torre de Londres, no Parque 13 de Maio; o Lero-Lero ao lado direito do Diário de Pernambuco; Brahma Chope, O Flutuante, O Buraco de Otília, funcionava num casebre na Rua da Aurora, o casebre foi demolido, o Restaurante/Bar ficou funcionando na mesma rua numa casa que já foi residência de um espanhol.
Nos bairros do Pina e Boa Viagem da orla marítima, tinha o Maximes, o Pra Vocês, o Cassino Americano (anos 40), viveu os seus melhores momentos no auge da II Guerra Mundial, era freqüentado por militares norte-americanos. Quando terminou o conflito, continuou com o jogo proibido e alugava quartos as prostitutas da Rua do Jaú (então baixo meretrício do Pina). No Hotel Boa Viagem, o seu restaurante era freqüentado por altas figuras da sociedade. Existia o bar e restaurante Veleiro, um point na época, situado no bairro de Boa Viagem, Zona Sul do Recife. Casa Navio, construída pelo empresário Adelmar da Costa Carvalho, em 1940. Era cartão postal, motivo de ter sido filmado pela Metro Golden Meyer de Hollywood para figurar em um filme. Pois com toda pompa na história do Recife, em nome da especulação imobiliária e do descaso com o passado histórico, foi demolida em 1981 para dar lugar a mais um espigão da Avenida Boa Viagem. Boa Viagem nos anos 50/60 deu o seu primeiro impulso com a construção dos edifícios Califórnia, Acaiaca e do famoso Holliday.
Nos bairros distantes da orla marítima tinha também alguns que ficaram na história:
O Caldinho de Água Fria, que ficava no bairro do mesmo nome cujo dono era seu João (falecido). Ele colava nas paredes inúmeros cartões de visita dos freqüentadores e servia pessoalmente a cana e o caldinho (Ele & Ela) colocando no caldinho de feijão o que ele chamava o barro da transamazônica
(Patê de galinha), Pirauira (raiz que tira o cheiro da aguardente ingerida) e sangue da mulher amada (Ketchup).
Existia também o Baependi, um boteco de madeira, localizado na rua da Harmonia em Casa Amarela. O nome muitos acreditavam que era em homenagem ao Marquês de Baependi. Outros achavam que se originou do navio Baependi, que segundo a história foi torpedeado por submarinos alemães em 18 de agosto de 1942. Era no “Baependi”, onde os falecidos poetas Godoy e Adalto recitavam “A Flor do Maracujá”. Godoy declamava dramatizando a lenda sertaneja. Adalto também recitava a de Fagundes Varela.
O Cantinho da Dalva, esse foi muito freqüentado por jovens no início da década de 70. Ficava na Avenida Beberibe. O dono era Mário, fã da cantora Dalva de Oliveira e lá havia tudo que lembrasse a cantora (fotos, recortes de jornais das reportagens, etc). O travesti conhecido como Elza Show, travestido de Elza Soares, cantava músicas com uma voz bem feminina. Hoje Elza Show sempre é convidado a cantar nas festas patrocinado não sei por quem!
É bom lembrar que existiam outros pontos de encontro, os cafés como a Sertã, localizada na esquina da Rua da Palma com a Av. Guararapes, no térreo do edifício do mesmo nome, onde era o Cinema Trianon. Lá se discutia mais política, com opiniões diversas nos debates políticos de fins de tarde. O Nicola, este último próximo ao bar Savoy, lá discutia-se qual o time bom, time ruim, jogador bom, jogador ruim; gols e perde gols, gol da vitória, gol do empate. Apostas e mais apostas, revoltas e mais revoltas... A Galeria do Maltado, fundada em 1928 pelo imigrante cubano Edélio Lago, pai de Antônio Gomes, que administrou-a até fechar. Era o leite maltado mais famoso do Recife. A Galeria não tinha portas e era aberta 24 horas. Nos anos 50/60, após uma bebedeira, tirava-se a ressaca com gasosa conhecida por “Koch” e, finalmente, as Sorveterias ( Vide “Recife das sorveterias”, publicado no Literário em, 01/05/2010).
O Recife sempre é retratado nos meus livros, os leitores encontrarão com mais detalhes sobre a cidade, lendo-os, principalmente o “Miscelânea Recife” (Mistura do que existe para presente e futuro). Muito obrigado.
* Escritor, poeta e teatrólogo
Gosto desses relatos onde os lugares
ResponderExcluirantigos flutuam em nossa imaginação.
Belas lembranças.
Abração Zé.
Calvino, vc nos presenteia agora com "Pontos de encontro do Recife...". Saudosas lembranças, como as Sorveterias naquela época eram pontos de referência... Após as sessões dos cinemas, o convite as sorveterias eram irrecusáveis.
ResponderExcluirAbraços recifenses,
O resgate do passado vivido com tanto gosto na juventude é feito por escritores memorialistas como você, José Calvino. Ler suas saudades, expressa na demolição do "Veleiro" nos dá nostalgia também, mesmo sem ter vivido tais situações exatas, mas semelhantes. É que saudade é igual em todos os lugares.
ResponderExcluirErrata: expressas
ResponderExcluirObrigado mais uma vez por seus gentis comentários, Núbia, Dilma e Mara.
ResponderExcluirAbração bem recifense do,
José Calvino
RecifeOlinda