sábado, 18 de junho de 2011







O homem e as coisas

* Por Carlos Nejar

As coisas não se submetem
à nossa vestidura;
na máscara que somos
as coisas nos conjuram.

Por que não escutá-las,
tão sáfaras e puras,
como flores ou larvas,
estranhas criaturas?

Por que desprezá-las
no sopro que as transmuda
com os olhos de favas,
fechados na espessura?

Por que não escutá-las
na linguagem mais dura,
comprimidas as asas
na testa que as vincula?

Despimos a armadura
e a viseira diurna;
a linguagem resvala
onde as coisas se apuram.

Recônditas e escravas
na cava da palavra,
são fiandeiras escuras
ou áspides sequiosas.

As coisas não se submetem
à nossa vestidura.


Poema extraído do livro “Obra poética I”, Nova Fronteira – Rio de Janeiro, 1980, pág. 329.

* Luís Carlos Verzoni Nejar, poeta, ficcionista, crítico e tradutor, nasceu em Porto Alegre (RS), em 11/01/1939. Seu primeiro livro de poesias, “Sélesis”, foi publicado em 1960. Considerado um dos 37 escritores chaves do século, entre 300 autores memoráveis, no período compreendido de 1890-1990, Nejar — chamado "o poeta do pampa brasileiro" — figura como uma voz emblemática e universal, de original e abundante produção lírica, ao lado de Octavio Paz, Jorge Luis Borges, César Vallejo e Nicanor Parra. Autor dos livros: “Sélesis”, “Livro de Silbion”, Livro do tempo”, “O campeador e o vento”, “Danações”, “Ordenações”, “Canga” (Jesualdo Monte),”Casa dos arreios” e “O poço do calabouço”, entre outros.

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