segunda-feira, 20 de junho de 2011



Fluxos de ingratidão

* Por Arita Damasceno Pettená

Diante de nós, uns olhos–mulher. E estavam cheios de lágrimas. Mas a vida é mistério. Cabe inteirinho, dentro da “prima dona”, um mundo de contradições. E não foi preciso descobrir de pronto a razão daquele pranto, daquele SOS ao coração da poeta, sempre susceptível aos dramas da humanidade.

Questionando-nos como suavizar a dura caminhada de sofridas almas, como ultrapassar os limites da dor até chegar ao âmago da chaga que machuca em doses homeopáticas, difícil não nos foi a resposta de como encarar ingratidões sob a ótica de que estradas outras, palmilhadas por Santos e por Heróis, foram a trilha para a sua vitória, para a sua auto- afirmação.

E o fluxo de ingratidões que afloram em nossa existência, e se nos deparam como feridas abertas de difícil cauterização, provêm quase sempre de criaturas pelas quais demos de tudo sem medir esforços, sem fazer cobranças. E por isso mesmo, pelo despojarmo-nos de nós mesmos em benefício do outro, por havermos contribuído para o seu sucesso, para a concretização de seus dourados sonhos, é que a frustração toma a dimensão de algo que vai crescendo até chegar às raias da descrença no humano ser.

Mas nem tudo estará perdido se, num vôo mágico, perpassarmos as páginas por onde passeou com suas parábolas, com sua sabedoria, com seu amor pelas frágeis criaturas, o Criador de um universo que tem sido o reverso de tudo que sonhou.

Onde a paz? Onde a esperança? Onde o reconhecimento pelo que de graça recebemos? E a vida, este dom divino, este patrimônio histórico, que faz parte do “eu” de cada um, vez ou outra parece morrer lentamente quando, açoitada pelo aguilhão da ingratidão, vai desmoronando, dentro de nós, a crença de um Deus justo e sempre presente em momentos de desesperança e desencanto.

Mas se nos ativermos aos milagres que realizou o divino Nazareno em suas andanças pelo chão batido, multiplicando pães, transformando água em vinho, curando paralíticos, dando luz aos cegos de nascença, veremos que, se nem Ele foi poupado das ingratidões que lhe foram tão comuns diante de seus gestos de amor, que dizer de nós, míseros mortais, que O negando, muitas vezes, como única verdade que fica, não titubeamos em ultrajá-lo, com a nossa arrogância, com o nosso orgulho.

No entanto, é esse mesmo Deus, que é Pai, que é Mestre, que é o Salvador de nossas almas, o Senhor de nossas vidas, que nos fala através do profeta Isaias: “Na sombra de sua mão me escondeu, fez-me como flecha polida, e me guardou na sua aljava”.

E, em Mananciais no Deserto, Lettie Cowman reforça o quanto essa sombra tem sido benéfica aos atingidos pelas chibatas da ingratidão, tendo, como laurel, não medalhas distribuídas a granel, mas cicatrizes como marcas de nosso crescimento espiritual: “Há ocasiões em que a sombra fornece muito mais condições de crescimento. O milho cresce mais rapidamente na sombra das noites de verão. O sol do meio-dia enrola-lhe as folhas, mas depressa elas se desenrolam se uma nuvem cobre o céu. A sombra faz um trabalho que a claridade não faz. A beleza das estrelas só é vista à noite. Há plantas que só florescem na sombra; e há muitos campos verdes em terras de neblina, de nuvens e de sombra”
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* Arita Damasceno Pettená é poetisa, professora, ex-vereadora e membro da Academia Campinense de Letras.

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