Reverência à genialidade
Os gênios – entre os quais determinados escritores excepcionais – não deveriam morrer. Ou, caso estivessem sofrendo, esse sofrimento bem que poderia dar longuíssima trégua – de cinco séculos, por exemplo –, e só então deveriam deixar o mundo dos vivos. Caso isso fosse possível (evidentemente não é), haveria, no entanto, uma condição fundamental para essa longuíssima longevidade (e me perdoem a redundância): a de que essas pessoas geniais se mantivessem lúcidas, criativas e, por conseqüência, produtivas.
Infelizmente, nada disso é possível, nem mesmo a título de exceção. Nunca aconteceu com ninguém. E a menos que a ciência evolua a tal ponto que prolongue tanto a vida, jamais acontecerá. Nem com gênios e nem com beócios. As pessoas geniais morrem como quaisquer outras, que não tenham o mais leve resquício de genialidade.
Os anos não poupam ninguém. Desgastam, deprimem, arrasam e aniquilam. Alguns gênios, por ironia da natureza, chegam a ficar senis e se transformam em ridículas caricaturas, melancólicas e patéticas, do que já foram. Nestas circunstâncias, a morte se torna piedoso descanso. Resta-nos, apenas, o consolo do usufruto das obras que deixaram.
O mundo literário perdeu, em 2011, vários escritores geniais, que esgotaram seus ciclos de vida, mas talvez não seu potencial de criatividade. Paciência! As coisas são assim para todos. A morte (e isso é para lá de óbvio) é democrática. Afeta a todos, indistintamente: biliardários ou mendigos, imperadores ou escravos, santos ou demônios, belos ou horrendos, gênios ou beócios, e vai por aí afora.
A literatura brasileira perdeu, por exemplo, e ainda tão recentemente, esse escritor genial, posto que discreto, que foi Moacyr Scliar. Em 30 de abril, as letras argentinas também sofreram irreparável perda, com a morte de um de seus maiores expoentes (a bem da verdade, expoente da literatura latino-americana e mundial). Refiro-me, óbvio, a Ernesto Sábato.
Dizem que ninguém é insubstituível. Isso é verdade, mas apenas parcialmente. A máxima pode valer para inúmeras atividades, mas não para todas. Para a literatura, na minha modesta opinião, não vale. Não vejo como substituir, com a mesma qualidade, uma lista interminável de gênios. Entendo que, no Brasil, um Moacyr Scliar seja insubstituível O mesmo vale para Ernesto Sábato, na Argentina. Podem (e vão) aparecer escritores “parecidos”, talvez até melhores do que ambos, mas jamais iguais.
Foi pensando nessas perdas que passei a desejar o impossível (logicamente em vão): que indivíduos dotados de genialidade tenham a prerrogativa da eternidade (ou quase). Todavia, com as condições que destaquei: que não sofram os desgastes do tempo e se mantenham criativos e, por conseqüência, produtivos.
Scliar, que além de escritor, era médico, foi acometido de fulminante e severo AVC. Caso sobrevivesse, é provável que não tivesse, mais, sua imensa capacidade de raciocínio. Talvez sequer se mantivesse lúcido. A sobrevivência, nessas circunstâncias, provavelmente se transformaria em horrendo pesadelo.
Ernesto Sábato, autor de obras como “O túnel”, “Sobre heróis e tumbas” e “Abbadón, e exterminador”, nos últimos três anos, vinha sofrendo de várias doenças decorrentes de sua avançada idade (estava com 99 anos).
A diferença maior entre estes dois gênios das letras está no tratamento post-mortem que vêm recebendo. Enquanto ninguém mais menciona o brasileiro, a despeito da riqueza, da relevância e da qualidade da sua obra, o argentino é reverenciado e alvo de inúmeras (e justas, claro) homenagens. Continuamos sendo um povo desmemoriado? Parece que sim!
É certo que há bom pretexto para as reverências prestadas a Ernesto Sábato. O dia 24 de junho (sexta-feira) marcou o centenário do seu nascimento, que por 55 dias, deixou de comemorar junto à família, aos amigos e aos admiradores. Por essa razão, o escritor portenho foi alvo de uma série de homenagens na Argentina, como o início das obras de uma Casa-Museu, um concurso fotográfico e uma árvore plantada em sua memória, entre outros eventos.
Entendo, no entanto, que para homenagear gênios, são prescindíveis pretextos e datas especiais. Isso pode, e deve, ser feito em qualquer dia ou hora, sem motivos específicos. Daí minha iniciativa (talvez um tanto intempestiva, mas sincera e respeitosa), de render esta humílima homenagem a esse meu ilustre conterrâneo, que não tive o privilégio de conhecer pessoalmente, mas que foi fiel e constante companheirão de reflexões na maior parte da minha vida, influenciando tanto a minha forma de escrever e de encarar a literatura. Saudades, Moacyr Scliar!!!
Boa leitura.
O Editor.
Os gênios – entre os quais determinados escritores excepcionais – não deveriam morrer. Ou, caso estivessem sofrendo, esse sofrimento bem que poderia dar longuíssima trégua – de cinco séculos, por exemplo –, e só então deveriam deixar o mundo dos vivos. Caso isso fosse possível (evidentemente não é), haveria, no entanto, uma condição fundamental para essa longuíssima longevidade (e me perdoem a redundância): a de que essas pessoas geniais se mantivessem lúcidas, criativas e, por conseqüência, produtivas.
Infelizmente, nada disso é possível, nem mesmo a título de exceção. Nunca aconteceu com ninguém. E a menos que a ciência evolua a tal ponto que prolongue tanto a vida, jamais acontecerá. Nem com gênios e nem com beócios. As pessoas geniais morrem como quaisquer outras, que não tenham o mais leve resquício de genialidade.
Os anos não poupam ninguém. Desgastam, deprimem, arrasam e aniquilam. Alguns gênios, por ironia da natureza, chegam a ficar senis e se transformam em ridículas caricaturas, melancólicas e patéticas, do que já foram. Nestas circunstâncias, a morte se torna piedoso descanso. Resta-nos, apenas, o consolo do usufruto das obras que deixaram.
O mundo literário perdeu, em 2011, vários escritores geniais, que esgotaram seus ciclos de vida, mas talvez não seu potencial de criatividade. Paciência! As coisas são assim para todos. A morte (e isso é para lá de óbvio) é democrática. Afeta a todos, indistintamente: biliardários ou mendigos, imperadores ou escravos, santos ou demônios, belos ou horrendos, gênios ou beócios, e vai por aí afora.
A literatura brasileira perdeu, por exemplo, e ainda tão recentemente, esse escritor genial, posto que discreto, que foi Moacyr Scliar. Em 30 de abril, as letras argentinas também sofreram irreparável perda, com a morte de um de seus maiores expoentes (a bem da verdade, expoente da literatura latino-americana e mundial). Refiro-me, óbvio, a Ernesto Sábato.
Dizem que ninguém é insubstituível. Isso é verdade, mas apenas parcialmente. A máxima pode valer para inúmeras atividades, mas não para todas. Para a literatura, na minha modesta opinião, não vale. Não vejo como substituir, com a mesma qualidade, uma lista interminável de gênios. Entendo que, no Brasil, um Moacyr Scliar seja insubstituível O mesmo vale para Ernesto Sábato, na Argentina. Podem (e vão) aparecer escritores “parecidos”, talvez até melhores do que ambos, mas jamais iguais.
Foi pensando nessas perdas que passei a desejar o impossível (logicamente em vão): que indivíduos dotados de genialidade tenham a prerrogativa da eternidade (ou quase). Todavia, com as condições que destaquei: que não sofram os desgastes do tempo e se mantenham criativos e, por conseqüência, produtivos.
Scliar, que além de escritor, era médico, foi acometido de fulminante e severo AVC. Caso sobrevivesse, é provável que não tivesse, mais, sua imensa capacidade de raciocínio. Talvez sequer se mantivesse lúcido. A sobrevivência, nessas circunstâncias, provavelmente se transformaria em horrendo pesadelo.
Ernesto Sábato, autor de obras como “O túnel”, “Sobre heróis e tumbas” e “Abbadón, e exterminador”, nos últimos três anos, vinha sofrendo de várias doenças decorrentes de sua avançada idade (estava com 99 anos).
A diferença maior entre estes dois gênios das letras está no tratamento post-mortem que vêm recebendo. Enquanto ninguém mais menciona o brasileiro, a despeito da riqueza, da relevância e da qualidade da sua obra, o argentino é reverenciado e alvo de inúmeras (e justas, claro) homenagens. Continuamos sendo um povo desmemoriado? Parece que sim!
É certo que há bom pretexto para as reverências prestadas a Ernesto Sábato. O dia 24 de junho (sexta-feira) marcou o centenário do seu nascimento, que por 55 dias, deixou de comemorar junto à família, aos amigos e aos admiradores. Por essa razão, o escritor portenho foi alvo de uma série de homenagens na Argentina, como o início das obras de uma Casa-Museu, um concurso fotográfico e uma árvore plantada em sua memória, entre outros eventos.
Entendo, no entanto, que para homenagear gênios, são prescindíveis pretextos e datas especiais. Isso pode, e deve, ser feito em qualquer dia ou hora, sem motivos específicos. Daí minha iniciativa (talvez um tanto intempestiva, mas sincera e respeitosa), de render esta humílima homenagem a esse meu ilustre conterrâneo, que não tive o privilégio de conhecer pessoalmente, mas que foi fiel e constante companheirão de reflexões na maior parte da minha vida, influenciando tanto a minha forma de escrever e de encarar a literatura. Saudades, Moacyr Scliar!!!
Boa leitura.
O Editor.
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Achei bem escolhidas diversas palavras do editorial, por exemplo nomear de "horrendo pesadelo" uma pessoa desmemoriada, vítima de AVC. E a frase defendendo viver muito, desde " que não sofram os desgastes do tempo e se mantenham criativos e, por conseqüência, produtivos". Não sendo assim, não vejo motivo para cida longa. E sobre "desmemória", mesmo sem derrame algum somos vítimas dela como brasileiros. Faz bem em relembrar Scliar.
ResponderExcluirO escritor Raimundo Carrero, que se ergueu após o AVC é tema de um artigo de José Castello, crítico literário do jornal curitibano"Rascunho"
ResponderExcluirValeu a sua iniciativa através do editorial do Literário, em homenagear Moacyr Scliar.
Abraços