domingo, 26 de junho de 2011







A vingança

* Por Celamar Maione


Nancy e Norma eram amigas desde a adolescência. Se conheceram na escola. Simpatizaram uma com a outra e daí não se largaram mais. Pareciam almas-gêmeas. Tiravam até as mesmas notas. Uns diziam que era cola. Elas se defendiam das desconfianças e diziam que era afinidade, que na verdade eram almas-gêmeas. Mas toda alma-gêmea que se preza um dia se desentende. Foi assim com Nancy e Norma.

As brigas e pequenas disputas começaram na Universidade. Passaram para o mesmo curso e ficaram na mesma turma. Cursaram Contabilidade.

Se apaixonaram pelo mesmo homem. O nome da desavença? Cecilio. Um moreno de olhos castanhos claros, sorriso comercial de creme dental e pernas de entortar a cabeça de qualquer mulher. Norma saiu na frente. Teve coragem de confessar a paixão para Nancy:
-Amiga....acho que dessa vez é para valer...estou muiiitttooo interessada no Cecilio.
-No Cecilio? Mas ele tem namorada.
-Ué, e daí??? Isso não impede que eu fique interessada nele.

E assim, sempre que Norma falava de Cecilio, Nancy jogava um balde de água fria nos planos da amiga :
-Esquece esse Cecilio, o cara não quer nada com você. Só porque lhe deu carona você acha que ele tá interessado? É moço educado, só isso. Coisa rara hoje em dia.
-Não é só isso...é que ele me deu um sorriso... um olhar de penetrar na espinha...pediu meu telefone...

Despeitada, Nancy nem deixava Norma acabar de falar e mudava de assunto. Até que um dia, Norma se encheu e disse:
-Sabe de uma coisa Nancy? Você me enche tanto o saco com essa história do Cecilio não gostar de mim, de ter uma namorada ciumenta, e outras coisas mais, que eu acho que você está é apaixonada por ele.

E estava mesmo. A amiga foi no ponto certo da questão. Mas Nancy não tinha coragem de confessar seu amor. Principalmente porque ela sentiu que Cecilio queria Norma e ela tinha medo de entrar na disputa e perder. Ficou na dela. Parou de falar mal de Cecilio. Viu o início do namoro de Norma com Cecilio. Acabou se consolando nos braços de Ismael. Casou com Ismael antes de Norma se casar com Cecilio. Apesar do casamento, não conseguia tirar Cecilio da cabeça. Ia para a cama com o marido pensando em Cecilio. Quando, então, Norma anunciou seu casamento com Cecílio, o mundo veio abaixo para Nancy:
-Amiga...quero que você seja madrinha do meu casamento com o Ceci...sei que no início do nosso namoro você não gostava dele, mas agora você já até casou com o Ismael...
-Madrinha???? Mas se você acha que eu não gosto do seu futuro marido, como eu vou ser MADRINHA do seu casamento!!!!????
-Esquece o que passou...você ainda é minha melhor amiga, apesar dos desentendimentos...

Não teve outro jeito. Mesmo contrariada aceitou ser madrinha. Mas doeu no peito aquele convite. Chorou a noite toda. Ismael não entendia o motivo. Nancy foi dormir na sala:
-Não lhe interessa...a vida é minha. O problema é meu. Vou dormir na sala....me deixa seu retardado...

O dia do casamento chegou. O desespero bateu no peito de Nancy. O homem que ela amava ia se casar com sua melhor amiga. Sempre foi covarde, nunca teve coragem de confessar seu amor, nunca teve coragem de lutar pelo homem dos seus sonhos e agora seu castigo era aturar o traste do Ismael. Andava de um lado para o outro. Nem foi ao salão fazer as unhas e o cabelo. Sentia-se deprimida, sem vontade de nada.

Num acesso de loucura decidiu procurar Cecilio e confessar seu amor. Cedeu aos caprichos do coração. Nunca tinha ido à casa dele. Eram duas da tarde quando chegou na porta do prédio. Deu meia volta para ir embora. Pensou:
-Não... agora é loucura. Ele vai se casar com minha melhor amiga. Eu estou casada...o Ismael é um traste, mas é meu marido... tenho que colocar juízo nessa cabeça... preciso ir embora...

Só que o diabinho que martelava a cabeça dela era mais insistente e falava: “toca o interfone... toca... anda... tá esperando o quê?”.

Tocou o interfone. Quem atendeu foi o próprio Cecilio. Nancy disse que precisava falar urgente com ele. Cecilio apertou a campanhia do interfone. Nancy abriu a porta. Subiu com o coração aos pulos. Assim que Cecilio abriu a porta, Nancy foi logo falando:
-Desculpe... Cecilio... desculpe eu vir aqui no dia do seu casamento...eu sei que não devia...
-Fala logo... deixa de suspense... o que é ?
-Eu sempre fui apaixonada por você... nunca tive coragem de falar... a Norma confessou primeiro... fiquei com medo... mas você é o homem da minha vida...

Cecilio não demonstrou surpresa... e balançou a cabeça dizendo baixinho:
-Eu sabia... eu tinha certeza...
-Como? Você sabia que eu gostava de você?
-Sempre soube. Sentia pelo seu olhar... mas você nunca teve coragem de me dizer e a Norma sempre dando em cima... e eu esperando você confessar seu amor... e a Norma dando em cima... fiquei com ela para te fazer raiva... e você casou com o Ismael... fiquei com ódio e resolvi pedir a Norma em casamento...

Nancy ficou tonta... tentou agarrar Cecilio, ele a empurrou:
-Sai pra lá... agora vou casar com a sua amiga, essa é a minha vingança. Vou casar com a sua amiga. Esse é o preço que você vai pagar por ter sido covarde... por ter ficado calada.... A vingança é um prato que se come frio... agora é tarde!

Nancy chorava... tentava argumentar... a cabeça apertava... o coração batia acelerado...

Cecilio empurrou Nancy do apartamento e fechou a porta na cara dela. A pobre apaixonada ficou ali, na porta de Cecilio, que nem cachorro de rua , implorando carinho. No interior do apartamento, Cecilio colocava música funk no último volume para não escutar a choradeira. Quando Cecilio abriu a porta já estava vestido para o casamento. Empurrou Nancy e foi se casar com Norma.

Ela saiu enlouquecida pelas ruas, babando de tanto chorar. Uma Van atropelou Nancy em plena Nossa Senhora de Copacabana. Levada para o hospital, ficou duas semanas em coma.

Quando despertou no quarto, deu de cara com Ismael, Cecilio e Norma. Os três sorriam para ela. Pareciam felizes pela sua recuperação. Nancy deu um sorriso amarelo, reparou a aliança de casamento nos dedos de Norma e de Cecilio. Desanimada virou para o lado e dormiu novamente.


* Radialista e jornalista, trabalhou como produtora, repórter e redatora nas Rádios Fm O DIA, Tropical e Rádio Globo. Foi Produtora-Executiva da Rádio Tupi. Lecionou Telemarketing, atendimento ao público e comportamento do Operador , mas sua paixão é escrever, notadamente poesias e contos. É autora do livro de contos “Só as feias são fieis” (Editora Multifoco).

Um comentário:

  1. Achei Cecílio incoerente. A maior parte das pessoas aceitaria Nancy, mesmo atrasada.

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