domingo, 19 de junho de 2011







Ainda que Paris valha sempre a pena

* Por Anna Lee


Não estou entre as mais de 60 milhões de pessoas em todo o mundo que compraram O Código da Vinci, o livro de Dan Brown. Não comprei, não li, nem pretendo ler. Mas fui ver o filme que estreou no fim de semana convencida por um amigo que me acompanhou ao cinema e, depois da sessão, garantiu que o roteiro de Akiva Goldsman e a direção de Ron Howard, mesmo diferindo em alguns detalhes da história original, resultaram numa boa adaptação.

Acreditei em meu amigo – que entende de cinema muito mais do que eu –, apesar de não ter me entusiasmado nem um pouco com a trama que questiona as tradições cristãs ao levantar a discussão sobre Jesus e sua relação com Maria Madalena. Uma relação carnal que teria gerado filhos. Um segredo guardado a sete chaves pela congregação Opus Dei, sobre o qual poucas pessoas tinham conhecimento, entre elas Leonardo da Vinci.

O livro, desde que foi lançado em 2003, tem promovido debates intermináveis e a expectativa é de que o filme alimente ainda mais a polêmica.

Na fila do cinema, que era enorme, havia um grupo distribuindo um folheto intitulado A propósito do Código da Vinci com algumas afirmações tais como: “Jesus Cristo revelou ser Deus”; “O essencial dos conhecimentos que temos sobre Jesus Cristo se deve ao relato dos seus apóstolos”; “Os apóstolos não perseguiram Maria Madalena por inveja. A prova está na expressão de grande estima e respeito com que os Evangelhos se referem a ela nos momentos cruciais da Morte e Ressurreição. Se quisessem anulá-la teria sido fácil omiti-la da história sagrada” e, por último, “Nós os cristãos não deveríamos de modo algum contribuir para o sucesso de uma obra como esta”.

Pura bobagem e perda de tempo. Não se trata de contribuir para o sucesso da obra. É fato incontestável que o livro O Código da Vinci é sucesso. E o filme, a reboque, sem dúvida repetirá o feito – quer queiram ou não cristãos comuns e sumo sacerdotes. Pena que numa fórmula espetaculosa para fazer fama e dinheiro, e incapaz de subverter verdades estabelecidas.

Isso sim me interessaria. Reproduzo aqui um trecho do texto Depois de aprender com a história do alemão Hans Ulrich Gumbrecht, que tem me feito pensar bastante:

“Chegou à altura, pelo menos para os historiadores de profissão, de responder seriamente a uma situação em que a exigência de que ‘se possa aprender com a história’ perdeu todo o poder. Uma resposta séria – uma resposta para além da reprodução de discursos e atitudes apologéticas – teria certamente que enfrentar o paradoxo de os livros sobre o passado atraírem ainda um número crescente de leitores e de a história continuar uma disciplina inatacável na maioria dos sistemas educativos do ocidente, enquanto autores e leitores, professores e estudantes universitários, todos sentem, de algum modo, que os nossos discursos legitimadores sobre as funções da História degeneraram em rituais fossilizados. (...) Não restou uma única situação do cotidiano, nos últimos anos do século XX (o texto é de 1993), em relação à qual se pudesse confiar seriamente no conhecimento sobre o passado como terreno seguro para decisões sobre investimentos financeiros ou gestão de crises ecológicas, sobre práticas sexuais ou mesmo preferências de gostos. Responder seriamente a esta situação significaria, para nós, profissionais da História (política, cultural, literária etc.) começar a pensar sobre as suas conseqüências sem sermos apologéticos e sem ficarmos obcecados pelo dever auto-imposto de provar que estão errados aqueles que, sem nunca terem esperado aprender com a história, não encontram nenhum ‘uso’ para todo o conhecimento que preservamos, produzimos e ensinamos sobre o passado”.

Infelizmente O Código da Vinci não serve a nenhuma reflexão. É puro entretenimento. E, sinceramente, acho que a intenção é essa mesmo.

Então, para quem interessar possa, aconselho comprar um saco de pipoca bem grande e, antes de sentar diante da tela, se despir de qualquer expectativa (fator prejudicial em todas as circunstâncias da vida, diga-se de passagem).

No mínimo, vai valer um belo passeio virtual por Paris. E Paris, sabe como é, sempre vale a pena. Place Vendôme, Louvre, uma visita ao hotel Ritz, uma visão panorâmica da cidade, a Torre Eiffel, o Sena...

Agora, para quem dispõe de US$ 1.789 e não se importa em dormir num quarto duplo, pode fazer o roteiro especial que a empresa Raidho turismo (li no Globo online), especializada em passeios exóticos e culturais, criou para os fãs do livro. São seis noites em Paris com direito a percorrer o Louvre pelos caminhos detalhados no livro e outros pontos tradicionais da cidade, além de um mini-cruzeiro, com jantar, pelo rio Sena no Bateau Parisiens.

O hotel Ritz, que serviu como set de filmagem para o filme, também está oferecendo um pacote temático que inclui hospedagem no mesmo quarto (o 512), em que Tom Hanks gravou a primeira cena do filme, em que o personagem Robert Langdon é despertado pelo telefone. Custa 670 euros.

Tudo muito espetaculoso. Pura diversão. Tal como Dan Brown concebeu seu O Código da Vinci. Tal como Akiva Goldsman e de Ron Howard reproduziram em filme e Tom Hanks e Audrey Tautou protagonizaram.

Eu não iria. Ainda que Paris valha sempre a pena.

*Jornalista, mestranda em Literatura Brasileira, autora, com Carlos Heitor Cony, de "O Beijo da Morte"/Objetiva, ganhador do Prêmio Jabuti/2004, entre outros livros. Colunista da Flash, trabalhou na Folha de S. Paulo e nas revistas Quem/Ed.Globo e Manchete.

Um comentário:

  1. Achei o filme muito fantasioso, igualmente a Bíblia. Estou agora revendo a ilustração "Ceia"-de Juan De Juanes.

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