sábado, 25 de junho de 2011







Desta vez, eu vi o outono

* Por Urda Alice Klueger


(Para Atahualpa, meu companheirinho, e para Neide Capello e Poli)

Nada como se ter um cachorrinho muito amado e uma casinha rosa e branca encostada na mata virgem neste tempo de outono da vida, neste tempo em que é tempo de se concluir que há muitas coisas inúteis atravancando o tempo que ainda há para viver, e reduzir diversas atividades e desperdícios de energia, para tornar a vida muito maior e intensa.
Já começara a pensar nesta redução de coisas para tornar a vida maior quando da Tragédia das Águas de 2008, mas foi só agora, neste ano de 2011, que passei a tomar algumas atitudes que realmente reduziram diversas atividades bastante inúteis para dar lugar a outras que realmente contam, e então, creio que pela primeira vez, eu vi o outono!
Já houvera na minha existência tempos com tempo para ver o outono, como na infância – mas na infância a gente não diferencia muito as coisas – lá, o que conta é o grande espetáculo de se estar vivo no planeta, coisa para a qual olhamos como um todo, como um torvelinho, aspirando profundamente o ar da vida como se se o bebesse em grandes e inebriantes goles, e as estações passam emaranhadas umas nas outras, e para mim foram muito mais marcantes coisas como o Natal e a Páscoa do que esta coisa de observar o outono.
Depois, o tempo corre e se está dentro de escolas, e depois, dentro de empregos, e a vida como que se escoa com muito poucas possibilidades de sentir bem de perto o outono. Lembro o quanto vivi intensamente os verões da juventude, mas quantas vezes parei para prestar a devida atenção ao outono?
Neste ano, no entanto, está sendo diferente. Com menos compromissos e um novo lugar na minha casinha, lugar que estou chamando de Ninho dos Sonhos, onde posso viver como se estivesse ao ar livre, vendo sob a janela os animaizinhos da floresta já começando a namorar, preparando os filhotes para a primavera, e um outro ritmo de viver, tentando que seja com menos pressa, dei-me conta de que, afinal, estava prestando a devida atenção a esta estação de matizes e fragrâncias tão diferentes. E por horas e horas e horas estive a observá-la, andando com meu cachorrinho pelos mais diversos lugares da cidade, procurando mudar de itinerário a cada dia, descobrindo bairros novos, lugares escondidos e horizontes inesperados, e, ah! como é lindo o outono!
Há aquelas manhãs já geladas, quando a gente se esconde nos casacos e a respiração até dói um pouco, de tanto frio; há aquelas manhãs mais amenas, onde o ar fino e frio parece de cristal luminoso e se tem a sensação de flutuar, e este tem sido um outono quase sem chuvas, mas a cada manhã, enquanto caminhamos pelos mais inesperados lugares, cada pedacinho de erva está molhado do orvalho denso desta estação, e é como se o mundo estivesse túmido da gravidez que nascerá na primavera! E as tardes, ah! as tardes deste outono! São tardes de pura luz, e conforme se aproxima o anoitecer o azul do céu vai se colorindo das mais mágicas cores, que vão desde o amarelo limão até o profundo vermelho, e há uma luz cristalina e difusa pairando sobre tudo e deixando o mundo como que encantado, uma luz como não lembro de ter observado em outras estações – nem do ano e nem da minha vida. É uma luz tão encantada que vai entrando na gente e, em torvelinhos, vai trazendo à tona sensações, emoções e lembranças que pensava que se tinham perdido no passado, e então me dá uma grande pena por saber que a vida é tão curta, que não viverei os 800 anos que gostaria, para poder escrever sobre cada uma daquelas coisas. Nestes momentos de pena eu me abaixo e abraço com carinho o meu cachorro, que provavelmente terá menos tempo para viver, ainda, do que eu terei, e escuto um pouquinho o coração dele bater, e é muito mágico saber que ele ainda existe e ainda está ali comigo, o único companheiro certo na minha vida que sei que será até que a morte nos separe.
É tarde da noite, agora, e o outono findará em poucos dias. Há uma lua quase cheia num céu muito frio, e a lâmina de um lago à minha frente, de onde se evolam vapores gelados que parecem as brumas misteriosas saídas dos contos de fadas, e mesmo naquela água fria sapos coaxam e conversam entre si, no grande silêncio do frio e da lua. É outono, e meu cachorro vela a meus pés, embora eu saiba que ele está morrendo de sono. De vez em quando, ele rosna para algum sapo de voz mais alta. É lindo! Sei que é outono, e que desta vez estou a vê-lo como nunca o vi. Que pena que a vida seja tão breve!

* Escritora de Blumenau/SC, historiadora e doutoranda em Geografia pela UFPR

Um comentário:

  1. Viver através das suas palavras, ver o mundo através do seu amor a natureza é um privilégio e tanto. Caso eu tivesse esse olhar poético, também gostaria de viver muito tempo. Como não tenho e vejo tudo pelo olhar seco que a medicina me deu, permaneço na inveja de viver uma vida tão plena. Quanto ao amor que nutre pelo seu cachorrinho, sei o que é isso, embora nunca tenha tido um mascote. Tive um filho.

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