Ladeira abaixo
* Por Fernando Yanmar Narciso
Convenhamos, os feriados são todos sacais. Mas ruim mesmo é atravessá-los sozinho, dentro de casa, como já é quase uma tradição minha e de minha mãe. Não há um feriado em que não nos deliciemos em ficar trancados em casa, reclamando da vida e chorando, em proporções variáveis.
Exceto por este! O último feriado santo foi muito importante, posto que foi simbolizado pela quebra de vários mitos e barreiras. No penúltimo domingo, minha adorada mãe pegou um buzum para um congresso de medicina em Ouro Preto. Até aí, nada de especial. Porém ela marcou de passar o feriado na casa de uma tia em minha amada Belo Horizonte, e eu, de marra, não podia deixar essa passar batida. Todos vocês vão rir quando eu confessar que até semana passada, aos 27 anos, eu nunca havia viajado sozinho, tampouco de ônibus! Morria de medo de sair sozinho da cidade. Pois agora esse medo passou! Saindo daqui de madrugada numa bumba que, apesar de moderna e ter ar condicionado, mais parecia uma coqueteleira na estrada, milagrosamente desmaiei na cadeira e só acordei na hora da chegada na capital, às 7:45. Nem nas paradas obrigatórias eu desci, tampouco me incomodei com os roncos – que, até onde me lembro, foram escassos – ou flatulências da tripulação. Pelo menos essa virgindade eu perdi… Agora posso ir pra qualquer lugar que eu quiser, conforto é para os fracos!
E as peculiaridades do passeio não pararam por aí.
Em praticamente toda minha adolescência e início de vida adulta me acostumei a ficar só na parte de baixo da cidade, junto ao centro e aos shopping-centers mais modestos. Mas agora, como numa reedição dos tempos de vacas magras do fim da Era Sarney, eu e minha mãe fomos hóspedes de uma tia. Ela, assim como quase todos os nossos parentes que residem na capital, mora num apartamento grande nas partes mais altas. Absolutamente nada que gostamos fica perto dali, então tome chá de sola ou paranóia com o taxímetro… Não que essa parte tenha sido ruim, afinal, assim fiquei sabendo como a maioria dos belo-horizontinos se locomove pela cidade.
Enfim, por causa da sexta-feira santa, como não havia muitas lojas abertas, nosso roteiro de viagem foi basicamente caseiro ou de visitas a parentes, sendo que apenas no sábado tivemos um programa típico de turistas. Mas boa mesmo – modo sarcasmo ON – foi a viagem de volta…
Na ida, como já expliquei, foi até fácil de agüentar, pois estava exausto de uma semana inteira de insônia e a viagem noite adentro foi como um calmante para mim, mas fazer o mesmo trajeto de dia, quando se está acordado e com a tripulação inteira batendo papo é um animal totalmente diferente. Antes mesmo de o ônibus começar a andar o motorista já nos avisa que havia um trecho acidentado no meio do trajeto que poderia – olhem como ele foi bondoso – atrasar um pouco – olhem como ele foi bondoso 2: A missão – a viagem. Acontece que o “trecho acidentado” eram três pontes que foram devastadas pelas chuvas e só podem ser atravessadas um veículo por vez, e engatinhando. Praticamente um revival de tempos de estrada em reformas com filas imensas de carros esperando a vez de passar, só que dessa vez o risco de morte era quase certo. Éramos nós o tempo todo olhando para baixo, azuis de medo porque os encostos das pontes foram arrancados do asfalto e o rio passando lá embaixo. Adrenalina pura, mermão!
Se todo o mal fosse só esse… Fora essas paradas em filas e as descidas em postos para comprar comida, ainda tínhamos que parar em CADA cidade do caminho para receber ou despachar novos passageiros. Nessa brincadeira, a viagem que deveria durar quando muito sete horas e meia durou nove horas. Apesar dos percalços que sempre aparecem em qualquer viagem, esta foi uma viagem muito importante para mim. Volto para casa satisfeito, mortalmente exausto e revigorado, pronto pra próxima.
• Designer e colunista do Literário.
* Por Fernando Yanmar Narciso
Convenhamos, os feriados são todos sacais. Mas ruim mesmo é atravessá-los sozinho, dentro de casa, como já é quase uma tradição minha e de minha mãe. Não há um feriado em que não nos deliciemos em ficar trancados em casa, reclamando da vida e chorando, em proporções variáveis.
Exceto por este! O último feriado santo foi muito importante, posto que foi simbolizado pela quebra de vários mitos e barreiras. No penúltimo domingo, minha adorada mãe pegou um buzum para um congresso de medicina em Ouro Preto. Até aí, nada de especial. Porém ela marcou de passar o feriado na casa de uma tia em minha amada Belo Horizonte, e eu, de marra, não podia deixar essa passar batida. Todos vocês vão rir quando eu confessar que até semana passada, aos 27 anos, eu nunca havia viajado sozinho, tampouco de ônibus! Morria de medo de sair sozinho da cidade. Pois agora esse medo passou! Saindo daqui de madrugada numa bumba que, apesar de moderna e ter ar condicionado, mais parecia uma coqueteleira na estrada, milagrosamente desmaiei na cadeira e só acordei na hora da chegada na capital, às 7:45. Nem nas paradas obrigatórias eu desci, tampouco me incomodei com os roncos – que, até onde me lembro, foram escassos – ou flatulências da tripulação. Pelo menos essa virgindade eu perdi… Agora posso ir pra qualquer lugar que eu quiser, conforto é para os fracos!
E as peculiaridades do passeio não pararam por aí.
Em praticamente toda minha adolescência e início de vida adulta me acostumei a ficar só na parte de baixo da cidade, junto ao centro e aos shopping-centers mais modestos. Mas agora, como numa reedição dos tempos de vacas magras do fim da Era Sarney, eu e minha mãe fomos hóspedes de uma tia. Ela, assim como quase todos os nossos parentes que residem na capital, mora num apartamento grande nas partes mais altas. Absolutamente nada que gostamos fica perto dali, então tome chá de sola ou paranóia com o taxímetro… Não que essa parte tenha sido ruim, afinal, assim fiquei sabendo como a maioria dos belo-horizontinos se locomove pela cidade.
Enfim, por causa da sexta-feira santa, como não havia muitas lojas abertas, nosso roteiro de viagem foi basicamente caseiro ou de visitas a parentes, sendo que apenas no sábado tivemos um programa típico de turistas. Mas boa mesmo – modo sarcasmo ON – foi a viagem de volta…
Na ida, como já expliquei, foi até fácil de agüentar, pois estava exausto de uma semana inteira de insônia e a viagem noite adentro foi como um calmante para mim, mas fazer o mesmo trajeto de dia, quando se está acordado e com a tripulação inteira batendo papo é um animal totalmente diferente. Antes mesmo de o ônibus começar a andar o motorista já nos avisa que havia um trecho acidentado no meio do trajeto que poderia – olhem como ele foi bondoso – atrasar um pouco – olhem como ele foi bondoso 2: A missão – a viagem. Acontece que o “trecho acidentado” eram três pontes que foram devastadas pelas chuvas e só podem ser atravessadas um veículo por vez, e engatinhando. Praticamente um revival de tempos de estrada em reformas com filas imensas de carros esperando a vez de passar, só que dessa vez o risco de morte era quase certo. Éramos nós o tempo todo olhando para baixo, azuis de medo porque os encostos das pontes foram arrancados do asfalto e o rio passando lá embaixo. Adrenalina pura, mermão!
Se todo o mal fosse só esse… Fora essas paradas em filas e as descidas em postos para comprar comida, ainda tínhamos que parar em CADA cidade do caminho para receber ou despachar novos passageiros. Nessa brincadeira, a viagem que deveria durar quando muito sete horas e meia durou nove horas. Apesar dos percalços que sempre aparecem em qualquer viagem, esta foi uma viagem muito importante para mim. Volto para casa satisfeito, mortalmente exausto e revigorado, pronto pra próxima.
• Designer e colunista do Literário.
E que a próxima viagem reacenda
ResponderExcluirem você esse espírito desbravador.
Que muitas outras venham Fernando.
Abraços
Sei de como vencer barreiras abre avenidas largas e amplas. Algumas viagens que fez em excursão, não contam. Essa foi mesmo a primeira de várias que fará. Avante, Silver!
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