Civilização da solidão
Por Pedro J. Bondaczuk
Os tempos atuais são caracterizados, entre outras tantas coisas, por uma profunda solidão, que se abate sobre grandes contingentes de pessoas, gerando infelicidade, carências afetivas, neuroses, depressão e outros males psíquicos e físicos.
“Mas como?!”, perguntará, admirado, o atento leitor, como que duvidando da sanidade do cronista. “Afinal, já somos mais de 6,7 bilhões de tripulantes na espaçonave Terra e, atualmente, nascem mais de três bebês por segundo em todo o mundo”, dirá, com convicção, o mais bem-informado, como se apresentasse um argumento decisivo, que pusesse fim à conversa.
De fato, é o que ocorre. “Ademais”, acrescentará, “os meios de comunicação são cada vez mais sofisticados, aproximando pessoas de todos os continentes; como os jornais e revistas que se multiplicam pelo mundo afora; os computadores, cada vez mais rápidos, simples e popularizados; o rádio e a televisão, onipresentes em nosso dia-a-dia; e o telefone celular, que permite a qualquer um falar diretamente com milhões de interlocutores, estejam onde estiverem”.
Isto, é fato, não há como negar. Desde que acordamos, até o momento de nos recolhermos de novo, para dormir, mantemos contatos diretos e/ou indiretos com dezenas, centenas e, não raro, com milhares de pessoas em nosso convívio, quer familiar, quer profissional, quer social. Ainda assim...sem que na maioria das vezes venhamos a nos dar conta, estamos, de fato, real e irremediavelmente sós.
Tanto que o escritor francês André Malraux (1901-1976), especializado em assuntos políticos, de comportamento e de cultura (em 1959 assumiu o então recém-criado Ministério das Questões Culturais no governo do general Charles De Gaulle), assegurou, do alto da sua experiência e conhecimento, que de fato integramos “a civilização da solidão”.
As comunicações que mantemos em nosso cotidiano raramente são pessoais, íntimas e intensas. Caracterizam-se, em geral, pelo formalismo, pela impessoalidade, pela frieza e pela formalidade. Parecem atos, gestos e palavras ensaiados, como se estivéssemos representando uma peça teatral num palco. E, de fato, estamos, mesmo que não saibamos ou não admitamos.
Raros se preocupam, de verdade, com o que o interlocutor é, com o que pensa e, principalmente, com o que sente. E a recíproca é verdadeira. Poucas vezes temos a oportunidade (e a confiança suficiente), para abrirmos, de fato, nossos corações a alguém, até mesmo aos cônjuges ou aos pais, para expressarmos, sem pudor, sem freios e nem restrições, nossas angústias, carências, temores, fraquezas e idéias. Em geral mostramos o que não somos e o que não pensamos, por medo de críticas e recriminações. Felizes os que encontram um ouvido generoso ou um ombro amigo e acolhedor para as suas confidências
Não raro, vivemos anos sob o mesmo teto com um punhado de pessoas sem que nos conheçamos, de fato, naquilo que realmente importa. Por isso, embora residindo em superpovoadas concentrações urbanas, algumas com populações equivalentes à de países (São Paulo, por exemplo, tem uma vez e meia o número de habitantes de Portugal), apesar de termos nosso espaço vital cada vez mais restrito e encolhido e da privacidade ter se tornado, literalmente, uma impossibilidade, somos, ou pelo menos nos sentimos, cada vez mais sós. Irremediavelmente sós!
Ademais, sem que sequer nos apercebamos, nos vemos coagidos a abrir mão da nossa individualidade, dos nossos gostos, do nosso jeito de ser, induzidos, sutilmente (pelo que se convencionou chamar de “educação”), quando não coagidos, à massificação. Concordemos ou não, temos que nos enquadrar em determinado sistema, ideológico, político, econômico, religioso e/ou social. Somos forçados a aderir ao que se convencionou chamar de “moda”, que nos impõe o que e como se vestir, que tipo de alimento consumir, que espécie de lazer praticar e, até mesmo, como amar uma pessoa.
Experimente, por exemplo, caro leitor, sair à rua trajando fraque, cartola e usando um pince-nez. A primeira interpretação de quem o vir com esses trajes será a de que você está vestido para um baile de fantasias, principalmente se for tempo de Carnaval, ou para participar, como ator, de alguma peça de teatro. Mesmo que você aprecie esse traje, portanto, jamais o usará no dia-a-dia, a menos que não se importe de se expor ao ridículo.
Esta civilização, como assinalou Malraux, separa inflexivelmente, de todas as anteriores, “a posse dos gestos humanos”. Massa. Temos que nos enquadrar na massa, mesmo que não concordemos com o que nos for imposto. Ou nos enquadramos, ou nos tornamos marginais, discriminados e, quem sabe, confinados num manicômio, como loucos perigosos.
Eminentes filósofos, como Aristóteles e Santo Tomás de Aquino, afirmaram que o homem jamais está, de fato, só e que nunca deve ficar, já que é um animal basicamente social, sobretudo político. A solidão, todavia, pode ter dupla interpretação. Do ponto de vista físico, num mundo com mais de 6,7 bilhões de habitantes, não há, de fato, como estar sozinho. Todavia, espiritualmente...Se levarmos em conta nossas diferenças de gostos, de sentimentos e de emoções, o processo genuíno de comunicação, salvo exceções, torna-se quase que mera abstração. Não somos entendidos e, em contrapartida, não entendemos os que nos cercam. E nos sentimos irremediavelmente sós...
* Jornalista, radialista e escritor. Trabalhou na Rádio Educadora de Campinas (atual Bandeirantes Campinas), em 1981 e 1982. Foi editor do Diário do Povo e do Correio Popular onde, entre outras funções, foi crítico de arte. Em equipe, ganhou o Prêmio Esso de 1997, no Correio Popular. Autor dos livros “Por uma nova utopia” (ensaios políticos) e “Quadros de Natal” (contos), além de “Lance Fatal” (contos) e “Cronos & Narciso” (crônicas). Blog “O Escrevinhador” – http://pedrobondaczuk.blogspot.com. Twitter:@bondaczuk
Por Pedro J. Bondaczuk
Os tempos atuais são caracterizados, entre outras tantas coisas, por uma profunda solidão, que se abate sobre grandes contingentes de pessoas, gerando infelicidade, carências afetivas, neuroses, depressão e outros males psíquicos e físicos.
“Mas como?!”, perguntará, admirado, o atento leitor, como que duvidando da sanidade do cronista. “Afinal, já somos mais de 6,7 bilhões de tripulantes na espaçonave Terra e, atualmente, nascem mais de três bebês por segundo em todo o mundo”, dirá, com convicção, o mais bem-informado, como se apresentasse um argumento decisivo, que pusesse fim à conversa.
De fato, é o que ocorre. “Ademais”, acrescentará, “os meios de comunicação são cada vez mais sofisticados, aproximando pessoas de todos os continentes; como os jornais e revistas que se multiplicam pelo mundo afora; os computadores, cada vez mais rápidos, simples e popularizados; o rádio e a televisão, onipresentes em nosso dia-a-dia; e o telefone celular, que permite a qualquer um falar diretamente com milhões de interlocutores, estejam onde estiverem”.
Isto, é fato, não há como negar. Desde que acordamos, até o momento de nos recolhermos de novo, para dormir, mantemos contatos diretos e/ou indiretos com dezenas, centenas e, não raro, com milhares de pessoas em nosso convívio, quer familiar, quer profissional, quer social. Ainda assim...sem que na maioria das vezes venhamos a nos dar conta, estamos, de fato, real e irremediavelmente sós.
Tanto que o escritor francês André Malraux (1901-1976), especializado em assuntos políticos, de comportamento e de cultura (em 1959 assumiu o então recém-criado Ministério das Questões Culturais no governo do general Charles De Gaulle), assegurou, do alto da sua experiência e conhecimento, que de fato integramos “a civilização da solidão”.
As comunicações que mantemos em nosso cotidiano raramente são pessoais, íntimas e intensas. Caracterizam-se, em geral, pelo formalismo, pela impessoalidade, pela frieza e pela formalidade. Parecem atos, gestos e palavras ensaiados, como se estivéssemos representando uma peça teatral num palco. E, de fato, estamos, mesmo que não saibamos ou não admitamos.
Raros se preocupam, de verdade, com o que o interlocutor é, com o que pensa e, principalmente, com o que sente. E a recíproca é verdadeira. Poucas vezes temos a oportunidade (e a confiança suficiente), para abrirmos, de fato, nossos corações a alguém, até mesmo aos cônjuges ou aos pais, para expressarmos, sem pudor, sem freios e nem restrições, nossas angústias, carências, temores, fraquezas e idéias. Em geral mostramos o que não somos e o que não pensamos, por medo de críticas e recriminações. Felizes os que encontram um ouvido generoso ou um ombro amigo e acolhedor para as suas confidências
Não raro, vivemos anos sob o mesmo teto com um punhado de pessoas sem que nos conheçamos, de fato, naquilo que realmente importa. Por isso, embora residindo em superpovoadas concentrações urbanas, algumas com populações equivalentes à de países (São Paulo, por exemplo, tem uma vez e meia o número de habitantes de Portugal), apesar de termos nosso espaço vital cada vez mais restrito e encolhido e da privacidade ter se tornado, literalmente, uma impossibilidade, somos, ou pelo menos nos sentimos, cada vez mais sós. Irremediavelmente sós!
Ademais, sem que sequer nos apercebamos, nos vemos coagidos a abrir mão da nossa individualidade, dos nossos gostos, do nosso jeito de ser, induzidos, sutilmente (pelo que se convencionou chamar de “educação”), quando não coagidos, à massificação. Concordemos ou não, temos que nos enquadrar em determinado sistema, ideológico, político, econômico, religioso e/ou social. Somos forçados a aderir ao que se convencionou chamar de “moda”, que nos impõe o que e como se vestir, que tipo de alimento consumir, que espécie de lazer praticar e, até mesmo, como amar uma pessoa.
Experimente, por exemplo, caro leitor, sair à rua trajando fraque, cartola e usando um pince-nez. A primeira interpretação de quem o vir com esses trajes será a de que você está vestido para um baile de fantasias, principalmente se for tempo de Carnaval, ou para participar, como ator, de alguma peça de teatro. Mesmo que você aprecie esse traje, portanto, jamais o usará no dia-a-dia, a menos que não se importe de se expor ao ridículo.
Esta civilização, como assinalou Malraux, separa inflexivelmente, de todas as anteriores, “a posse dos gestos humanos”. Massa. Temos que nos enquadrar na massa, mesmo que não concordemos com o que nos for imposto. Ou nos enquadramos, ou nos tornamos marginais, discriminados e, quem sabe, confinados num manicômio, como loucos perigosos.
Eminentes filósofos, como Aristóteles e Santo Tomás de Aquino, afirmaram que o homem jamais está, de fato, só e que nunca deve ficar, já que é um animal basicamente social, sobretudo político. A solidão, todavia, pode ter dupla interpretação. Do ponto de vista físico, num mundo com mais de 6,7 bilhões de habitantes, não há, de fato, como estar sozinho. Todavia, espiritualmente...Se levarmos em conta nossas diferenças de gostos, de sentimentos e de emoções, o processo genuíno de comunicação, salvo exceções, torna-se quase que mera abstração. Não somos entendidos e, em contrapartida, não entendemos os que nos cercam. E nos sentimos irremediavelmente sós...
* Jornalista, radialista e escritor. Trabalhou na Rádio Educadora de Campinas (atual Bandeirantes Campinas), em 1981 e 1982. Foi editor do Diário do Povo e do Correio Popular onde, entre outras funções, foi crítico de arte. Em equipe, ganhou o Prêmio Esso de 1997, no Correio Popular. Autor dos livros “Por uma nova utopia” (ensaios políticos) e “Quadros de Natal” (contos), além de “Lance Fatal” (contos) e “Cronos & Narciso” (crônicas). Blog “O Escrevinhador” – http://pedrobondaczuk.blogspot.com. Twitter:@bondaczuk
Assino embaixo, caso me permita. Os relacionamentos sociais não passam de teatros sem ensaio. Os que citam anseios, medos e fraquezas são tidos como pessoas que se expoem muito, e os que mostram interesse pela vida alheia são considerados bisbilhoteiros. Há uma série de razões para nos encolhermos em nossa intimidade. Poucos nos entendem e quase a ninguém entendemos. Estamos muito sós.
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