Caudaloso... e genial
Há escritores cuja biografia é muito mais interessante do que os livros que escreveram. Estão mais para personagens do que para autores. Em contrapartida, há os sumamente discretos, dos quais nunca o público chega a saber como eram e, principalmente, como viveram, mas cujos livros se tornam clássicos e são lidos e discutidos muitos anos após sua morte, não raro, até séculos. E há, ainda, um terceiro grupo, o dos cujas vidas e cujas obras se igualam em importância e interesse. Um deles, que se enquadra, a caráter, nesta última categoria, é o chileno Roberto Bolaño Ávalos, ou, somente, Roberto Bolaño, que é como ficou conhecido.
Por que o classifico de “caudaloso”, no título destas considerações? Aviso que não se trata de nenhuma caracterização jocosa ou pejorativa e, portanto, negativa. Longe disso. Uso essa expressão por causa da sua fantástica produtividade.
Bolaño morreu precocemente, pouco mais de dois meses após completar 50 anos de idade. Um “menino”, portanto, em se tratando de escritor, cuja maturidade, via de regra, ocorre exatamente nesse período de vida em que morreu. Começou a escrever, e publicar, apenas nos anos 90 do século passado. Legou-nos, todavia, 21 livros, nos mais variados gêneros literários, quer de ficção, quer de não-ficção, como romances, novelas, contos, poesias e ensaios. E todos muito bons.
Justificam-se, pois, as expressões “caudaloso” e “genial”. Há um quase consenso entre os escritores chilenos de que Roberto Bolaño foi (e é, por sua obra permanece mais viva do que nunca) o mais importante e representativo autor da sua geração. O engraçado é que, na sua infância, ninguém diria que alcançaria esse patamar. No conceito dos que conviveram com ele nesse período, tinha tudo para ser fracassado.
Na escola, por exemplo, foi vítima constante dessa maldita prática, que é o tal do “bulling”. Magérrimo, ansioso e disléxico, era o alvo preferido dos maus-tratos e das gozações dos colegas. Embora não se tratasse de nenhum aluno brilhante, tinha característica que, certamente, determinou o seu destino: era um leitor compulsivo e voraz.
Em 1968, foi morar com os pais na Cidade do México. Tinha, na ocasião, apenas 15 anos. Pouco depois, largou os estudos para atuar como jornalista. Nessa ocasião, ligou-se a grupos de esquerda e tornou-se assíduo militante trotskista. Ao retornar ao Chile, em 1973, justo na época do golpe militar comandado pelo general Augusto Pinochet, que depôs o socialista Salvador Allende, teve uma experiência impactante, que marcou a sua personalidade e à qual ser referiu posteriormente em vários dos seus livros: foi preso, acusado de ser terrorista. É verdade que não permaneceu muito tempo na prisão. Poderia ter sido um dos tantos “desaparecidos”, cujos corpos jamais foram encontrados. Mas, para sorte sua, ficou apenas oito dias no cárcere.
Começou, a partir daí, sua fase de “andarilho”, ao partir para o exílio voluntário, que caracterizou praticamente toda a sua juventude. Esteve, por mais tempo, em El Salvador (onde se juntou à guerrilha da Frente Farabundo Marti de Libertação Nacional), no México, na França e na Espanha, entre outros tantos lugares. Levava, então, uma vida boêmia, desregrada, sem nunca pensar no amanhã. Aliás, fez isso até morrer. Voltou ao Chile apenas uma única vez, após seu exílio voluntário, e ficou por poucos dias na terra natal.
Roberto Bolaño sempre se considerou poeta, embora tenha feito sucesso, mesmo, com ficção. Publicou somente três livros de poesia, dois dos quais no ano 2000 e o terceiro publicado postumamente, em 2007, quatro anos após sua morte (ocorrida em 15 de julho de 2003). Estes foram, respectivamente: “Los perros românticos”, “Três” e “La universidad desconocida”.
Em ficção, porém, alinhou uma sucessão de best-sellers que culminou com o instigante romance “2666” (lançado no Brasil pela editora Companhia das Letras, alentado volume, de quase mil páginas, que terminei de ler e que me deixou a sensação de inacabado. Morreu antes da sua publicação). Seus principais sucessos (todos com versão em português), são: “Noturno do Chile”, “Amuleto”, “Estrela distante”, “Os detetives selvagens” (com o qual ganhou o Prêmio Rômulo Gallegos), “A pista de gelo”, “Antuérpia” e o já citado “2666”.
Apesar de, a partir dos anos 90, ter publicado, em média, um livro por ano, foram descobertos novelas, contos, romances e textos esparsos entre seus papéis particulares, após a sua morte. É provável, portanto, que ainda tenhamos a oportunidade de ler muita coisa inédita de Bolaño nos próximos anos. Tomara que sim.
Minha intenção inicial era, apenas, a de tecer comentários em torno do intrigante romance “2666”, que acabei de ler, cuja história (na verdade histórias) ainda venho tentando digerir. O livro é dividido em cinco partes e dizem que a intenção inicial do autor era a de publicar cada uma separadamente. Outros, contudo, asseguram que foram publicadas em um só volume por decisão expressa do próprio Bolaño.
Ao cabo da leitura de suas quase mil páginas, restam-me muitas perguntas. O autor não revela, por exemplo, o autor (ou autores) da sucessão de assassinatos de mulheres em Santa Teresa (na verdade, Ciudad Juarez) e nem se o suspeito detido por esses crimes, que deixa implícito que era inocente, conseguiu ou não provar a inocência. Outra indagação é sobre a razão de haver intitulado o romance com esse número cabalístico, “2666”. Seria uma data? Seria a quantidade de vítimas do serial-killer (ou dos serials-killers)? O que seria? Não vi, em lugar algum, nexo entre o título do livro e seu enredo.
Mas, como ia dizendo, em vez de trazer à baila as impressões que seu romance me deixou, não resisti à tentação de escrever um pouco sobre a sua vida, tão interessante quanto a sua “caudalosa” e “genial” obra. Quanto ao livro, recomendo que vocês mesmos o leiam e se deliciem com uma literatura de primeiríssima qualidade, em termos de criatividade, estilo e correção de linguagem.
Boa leitura.
O Editor.
Há escritores cuja biografia é muito mais interessante do que os livros que escreveram. Estão mais para personagens do que para autores. Em contrapartida, há os sumamente discretos, dos quais nunca o público chega a saber como eram e, principalmente, como viveram, mas cujos livros se tornam clássicos e são lidos e discutidos muitos anos após sua morte, não raro, até séculos. E há, ainda, um terceiro grupo, o dos cujas vidas e cujas obras se igualam em importância e interesse. Um deles, que se enquadra, a caráter, nesta última categoria, é o chileno Roberto Bolaño Ávalos, ou, somente, Roberto Bolaño, que é como ficou conhecido.
Por que o classifico de “caudaloso”, no título destas considerações? Aviso que não se trata de nenhuma caracterização jocosa ou pejorativa e, portanto, negativa. Longe disso. Uso essa expressão por causa da sua fantástica produtividade.
Bolaño morreu precocemente, pouco mais de dois meses após completar 50 anos de idade. Um “menino”, portanto, em se tratando de escritor, cuja maturidade, via de regra, ocorre exatamente nesse período de vida em que morreu. Começou a escrever, e publicar, apenas nos anos 90 do século passado. Legou-nos, todavia, 21 livros, nos mais variados gêneros literários, quer de ficção, quer de não-ficção, como romances, novelas, contos, poesias e ensaios. E todos muito bons.
Justificam-se, pois, as expressões “caudaloso” e “genial”. Há um quase consenso entre os escritores chilenos de que Roberto Bolaño foi (e é, por sua obra permanece mais viva do que nunca) o mais importante e representativo autor da sua geração. O engraçado é que, na sua infância, ninguém diria que alcançaria esse patamar. No conceito dos que conviveram com ele nesse período, tinha tudo para ser fracassado.
Na escola, por exemplo, foi vítima constante dessa maldita prática, que é o tal do “bulling”. Magérrimo, ansioso e disléxico, era o alvo preferido dos maus-tratos e das gozações dos colegas. Embora não se tratasse de nenhum aluno brilhante, tinha característica que, certamente, determinou o seu destino: era um leitor compulsivo e voraz.
Em 1968, foi morar com os pais na Cidade do México. Tinha, na ocasião, apenas 15 anos. Pouco depois, largou os estudos para atuar como jornalista. Nessa ocasião, ligou-se a grupos de esquerda e tornou-se assíduo militante trotskista. Ao retornar ao Chile, em 1973, justo na época do golpe militar comandado pelo general Augusto Pinochet, que depôs o socialista Salvador Allende, teve uma experiência impactante, que marcou a sua personalidade e à qual ser referiu posteriormente em vários dos seus livros: foi preso, acusado de ser terrorista. É verdade que não permaneceu muito tempo na prisão. Poderia ter sido um dos tantos “desaparecidos”, cujos corpos jamais foram encontrados. Mas, para sorte sua, ficou apenas oito dias no cárcere.
Começou, a partir daí, sua fase de “andarilho”, ao partir para o exílio voluntário, que caracterizou praticamente toda a sua juventude. Esteve, por mais tempo, em El Salvador (onde se juntou à guerrilha da Frente Farabundo Marti de Libertação Nacional), no México, na França e na Espanha, entre outros tantos lugares. Levava, então, uma vida boêmia, desregrada, sem nunca pensar no amanhã. Aliás, fez isso até morrer. Voltou ao Chile apenas uma única vez, após seu exílio voluntário, e ficou por poucos dias na terra natal.
Roberto Bolaño sempre se considerou poeta, embora tenha feito sucesso, mesmo, com ficção. Publicou somente três livros de poesia, dois dos quais no ano 2000 e o terceiro publicado postumamente, em 2007, quatro anos após sua morte (ocorrida em 15 de julho de 2003). Estes foram, respectivamente: “Los perros românticos”, “Três” e “La universidad desconocida”.
Em ficção, porém, alinhou uma sucessão de best-sellers que culminou com o instigante romance “2666” (lançado no Brasil pela editora Companhia das Letras, alentado volume, de quase mil páginas, que terminei de ler e que me deixou a sensação de inacabado. Morreu antes da sua publicação). Seus principais sucessos (todos com versão em português), são: “Noturno do Chile”, “Amuleto”, “Estrela distante”, “Os detetives selvagens” (com o qual ganhou o Prêmio Rômulo Gallegos), “A pista de gelo”, “Antuérpia” e o já citado “2666”.
Apesar de, a partir dos anos 90, ter publicado, em média, um livro por ano, foram descobertos novelas, contos, romances e textos esparsos entre seus papéis particulares, após a sua morte. É provável, portanto, que ainda tenhamos a oportunidade de ler muita coisa inédita de Bolaño nos próximos anos. Tomara que sim.
Minha intenção inicial era, apenas, a de tecer comentários em torno do intrigante romance “2666”, que acabei de ler, cuja história (na verdade histórias) ainda venho tentando digerir. O livro é dividido em cinco partes e dizem que a intenção inicial do autor era a de publicar cada uma separadamente. Outros, contudo, asseguram que foram publicadas em um só volume por decisão expressa do próprio Bolaño.
Ao cabo da leitura de suas quase mil páginas, restam-me muitas perguntas. O autor não revela, por exemplo, o autor (ou autores) da sucessão de assassinatos de mulheres em Santa Teresa (na verdade, Ciudad Juarez) e nem se o suspeito detido por esses crimes, que deixa implícito que era inocente, conseguiu ou não provar a inocência. Outra indagação é sobre a razão de haver intitulado o romance com esse número cabalístico, “2666”. Seria uma data? Seria a quantidade de vítimas do serial-killer (ou dos serials-killers)? O que seria? Não vi, em lugar algum, nexo entre o título do livro e seu enredo.
Mas, como ia dizendo, em vez de trazer à baila as impressões que seu romance me deixou, não resisti à tentação de escrever um pouco sobre a sua vida, tão interessante quanto a sua “caudalosa” e “genial” obra. Quanto ao livro, recomendo que vocês mesmos o leiam e se deliciem com uma literatura de primeiríssima qualidade, em termos de criatividade, estilo e correção de linguagem.
Boa leitura.
O Editor.
Acompanhe o Editor pelo twitter: @bondaczuk
Esta apresentação ficou diferente das demais, mais chamativa para o autor e para o livro.
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