Numa de número
* Por Cacá Mendes
- Preciso de um coração...
- Como???!!!
- Um coração de verdade, pingando de vida e funcionando no meu bombeamento.
- Acho que você vai ter que esperar... No dito do assim me alfaiateou do couro cabeludo ao dedo mindinho do pé, e anotou num infinito dele o que copiei no exato o a seguir:
- Do seu tamanho não vou ter...
- Tá brincando no comigo? – Eu falei no mesmo disso com um “no” arrastando-se num ecoar eterno, como se meu dito tivesse saído por um microfone com efeitos.
- Eu não brinco.
- Mas vi um monte de gente saindo daí!
- Alucinação.
- Pô!
- Tá bom, espera.
Nesse falado de boca, bem ríspida, o homem que controla o espaço, com uma cara bem perfurada de espinhas estouradas, me alfaiateou novamente e quis saber o número do meu pé. Disse que não sabia, calçava um número de sapato que não lembrava. Ele tornou a insistir, queria saber o número.
- Que porra de número, que porra, tá besta sô?!
Esse “sô” eu esfreguei bem no alto do ouvidão dele; um que parecia mesmo um orelhão desses de telefone de rua. O cujo do sujeito, bem frio mesmo, continuou hirto, lábios deitados numa boca esburacada de silêncio, que até o outro mundo (se houvesse, claro) saberia desse espaço de tempo, sem ruído, misteriosamente quieto...
- Por que você não atende ao costume, ao hábito, preciso saber do seu número, eu não posso, não estou autorizado a adivinhar, entende? - A sua secura pálida, em língua quase imóvel no seu dizer quase me fez desistir do pingando-batendo-coração.
Nisso, eu fucei no meu bolso e, como um mágico faria, tirei uma pequena faixa onde estava o danado, o tal do meu número (que continuo sem saber qual) para o cara... Ele olhou, torceu a boca num bico, e seu nariz me pareceu mexer, indicando-me a entrada. Definitivamente eu tinha o número – mesmo não tendo acesso a ele, agora sim... e já poderia ter um coração-batendo-pingando que me fizesse par, par, par...
Ufa... Passei a mão na testa, toda molhada de suor, e acordei no dia 16 de agosto de 2009, em pleno inverno de um sol, me queimando numa manhã de nove horas de um domingo quente, quente. Quente.
Agora, mesmo não sabendo, eu tinha o meu número, tinha. Aquele ser, do sonho ou pesadelo, não me disse, mas eu sabia, eu tinha um número. Não era uma questão de matemática, mas agora eu tinha um número: de um dia, de uma hora, de um minuto, de um segundo, de uma eternidade.
* Jornalista – blog: www.cronicaseg.blogspot.com
* Por Cacá Mendes
- Preciso de um coração...
- Como???!!!
- Um coração de verdade, pingando de vida e funcionando no meu bombeamento.
- Acho que você vai ter que esperar... No dito do assim me alfaiateou do couro cabeludo ao dedo mindinho do pé, e anotou num infinito dele o que copiei no exato o a seguir:
- Do seu tamanho não vou ter...
- Tá brincando no comigo? – Eu falei no mesmo disso com um “no” arrastando-se num ecoar eterno, como se meu dito tivesse saído por um microfone com efeitos.
- Eu não brinco.
- Mas vi um monte de gente saindo daí!
- Alucinação.
- Pô!
- Tá bom, espera.
Nesse falado de boca, bem ríspida, o homem que controla o espaço, com uma cara bem perfurada de espinhas estouradas, me alfaiateou novamente e quis saber o número do meu pé. Disse que não sabia, calçava um número de sapato que não lembrava. Ele tornou a insistir, queria saber o número.
- Que porra de número, que porra, tá besta sô?!
Esse “sô” eu esfreguei bem no alto do ouvidão dele; um que parecia mesmo um orelhão desses de telefone de rua. O cujo do sujeito, bem frio mesmo, continuou hirto, lábios deitados numa boca esburacada de silêncio, que até o outro mundo (se houvesse, claro) saberia desse espaço de tempo, sem ruído, misteriosamente quieto...
- Por que você não atende ao costume, ao hábito, preciso saber do seu número, eu não posso, não estou autorizado a adivinhar, entende? - A sua secura pálida, em língua quase imóvel no seu dizer quase me fez desistir do pingando-batendo-coração.
Nisso, eu fucei no meu bolso e, como um mágico faria, tirei uma pequena faixa onde estava o danado, o tal do meu número (que continuo sem saber qual) para o cara... Ele olhou, torceu a boca num bico, e seu nariz me pareceu mexer, indicando-me a entrada. Definitivamente eu tinha o número – mesmo não tendo acesso a ele, agora sim... e já poderia ter um coração-batendo-pingando que me fizesse par, par, par...
Ufa... Passei a mão na testa, toda molhada de suor, e acordei no dia 16 de agosto de 2009, em pleno inverno de um sol, me queimando numa manhã de nove horas de um domingo quente, quente. Quente.
Agora, mesmo não sabendo, eu tinha o meu número, tinha. Aquele ser, do sonho ou pesadelo, não me disse, mas eu sabia, eu tinha um número. Não era uma questão de matemática, mas agora eu tinha um número: de um dia, de uma hora, de um minuto, de um segundo, de uma eternidade.
* Jornalista – blog: www.cronicaseg.blogspot.com
É, Cacá, cada um tem a sua senha, acho até que nasce já com ela. O ofício do escritor é desvendar o valor desse tal número e quem controla a contabilidade. Parabéns pela crônica.
ResponderExcluirBelo texto, belo ritmo. Fala aí o número pra gente jogar no bicho (rsrsrs)...
ResponderExcluirObrigado pelas palavras, queridos!
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