quinta-feira, 27 de agosto de 2009




Notícia que marca (de verdade)

* Por Gustavo do Carmo


Algumas pessoas vieram me perguntar se o meu primeiro livro, Notícias que Marcam, é uma coletânea das notícias do país e do mundo que me marcaram. Não. Não é. É um romance ambientado nos bastidores da redação de um telejornal. As notícias marcaram o protagonista, Cassio James, desde a sua época de faculdade. E não a mim.

As notícias marcantes para a personagem do romance foram o casamento da menina por quem ele era apaixonado, a transferência do seu melhor amigo para os Estados Unidos, o convite para o seu primeiro emprego e outras que eu deixo para o leitor descobrir no livro.

O primeiro a identificar esta dubiedade do título foi o meu editor. Foi ele quem me sugeriu colocar a palavra Romance na capa para não confundir. Mesmo assim, muita gente ainda me pergunta.

Claro que nunca me senti ofendido nem incomodado com isso. Pelo contrário. Acho até que eu despertei nessas pessoas a curiosidade delas em saber qual(is) foi(foram) a(s) notícia(s) que mais me marcou(aram). Assim, se o leitor que já viu o meu livro por aí ficou com a mesma dúvida e conseqüente curiosidade, vou revelar a vocês e às pessoas que me perguntaram sobre o título do romance a notícia que mais me marcou.

No entanto, infelizmente, ela não é boa. Notícias trágicas marcam mais do que as boas. As boas são mais previsíveis. E estou me referindo a notícias externas, ou seja, jornalísticas. Em breve, vou tentar lembrar a notícia pessoal que mais me marcou e conto em outra crônica.

Chega de suspense. A notícia que mais me marcou foram duas. Duas mortes em dois dias, em acidentes distintos. Duas equipes de jornalistas da Rede Globo mortas em serviço. O Jornal Nacional transmitiu tão bem a emoção do fato ou criou um clima tão fúnebre para homenagear os seus profissionais que eu, na flor dos meus seis anos, fiquei impressionado e lembro até hoje. Finalmente escrevo uma crônica sobre isso.

Em junho de 1984, a Petrobras fazia aquele tradicional jabá para comemorar o recorde da produção da Bacia de Campos. Convidou jornalistas de todas as emissoras do Rio: Globo, Bandeirantes, Manchete e TV Educativa. Quatorze profissionais, entre repórteres, cinegrafistas, operadores e produtores embarcaram num avião Bandeirante da TAM, que na época só fazia vôos fretados. Infelizmente, o avião chocou-se contra um morro próximo a Barra de São João. Morreram todos.

Os da Globo eram o repórter Luiz Eduardo Lobo e o cinegrafista Dario Duarte da Silva. Também estavam entre as vítimas os operadores de VT Levi Dias da Silva e Jorge Antônio Leandro. Gostaria de saber o nome dos profissionais das outras emissoras, também. Mas não tive tempo para pesquisar. Quem me informar para que eu possa homenageá-los também, agradeço.

Uma morte dessa forma abala qualquer um. E a Globo não poderia tratar de outra forma. O que ela não esperava era a perda de outra equipe em outro acidente no dia seguinte. Desta vez, na estrada. A Veraneio em que viajavam o repórter Samuel Wainer Filho e o cinegrafista Felipe Ruiz derrapou na pista molhada e bateu em uma árvore na RJ-124, altura de Rio Bonito, voltando exatamente da cobertura da morte dos colegas. Os dois também perderam a vida.

Na minha inocente infância eu não sabia nem o nome dos jornalistas. Só descobri duas décadas depois, lendo o livro Jornal Nacional – A notícia faz história, lançado para comemorar os 35 anos do principal jornal da emissora. Na mesma obra também descobri que o Samuel Wainer era filho do fundador do antigo jornal Última Hora com a jornalista, escritora e socialite Danuza Leão e sobrinho da cantora Nara Leão.

Lobo e Dario aparecem nos vídeos do site Memória Globo, que eu indiquei há algumas semanas. Foram eles que reforçaram a equipe liderada pelo hoje veterano André Luiz Azevedo na cobertura da polêmica greve da Companhia Siderúrgica Nacional.

Bem, o que me sensibilizou não foi exatamente a notícia da morte dos jornalistas (que eu nem conhecia. Hoje seria bem diferente) e sim a homenagem que o Jornal Nacional prestou a eles. Lembro da voz embargada do Cid Moreira (ou do Berto Filho, se estiver esquecido) anunciando a morte dos colegas. Só não me recordo para qual equipe exibiram o microfone e a câmera abandonados sobre a bancada vazia enquanto os créditos subiam em silêncio. Só tenho certeza de que foi a notícia que me marcou até hoje. E eu só tinha seis anos.

* Jornalista e publicitário de formação e escritor de coração. Publicou o romance “Notícias que Marcam” pela Giz Editorial (de São Paulo-SP) e a coletânea “Indecisos - Entre outros contos” pela Editora Multifoco/Selo Redondezas - RJ. Seu blog, “Tudo cultural” - www.tudocultural.blogspot.com é bastante freqüentado por leitores


3 comentários:

  1. Se há uma coisa que o JN faz bem é editar notícia de morte. É mesmo primoroso. Primoroso, a ponto de marcar uma criança como a que vc foi e, quem sabe, decidir sua futura (atual) carreira. Ou vc é que, precoce, trocava a chupeta por uma boa história de mistério, hein?

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  2. A voz embargada do lucutor nos leva ao mesmo caminho quando narram morte, pois, que outra notícia os levaria às lágrimas? O país foi embalado num choro de multidões quando Tancredo Neves partiu. A televisão imprimiu mais drama ainda, do que já existia pelo fato do presidente escolhido pelo Colégio Eleitoral não tomar pposse, que a multidão ensandecida derrubou a grade do Palácio da Liberdade e, me parece, duas pessoas morreram na abertura do velório em Belo Horizonte. Não é de hoje que a morte é espetáculo e com Ibope lá no topo.

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