Notícias frescas do venerável Duña
* Por Marcelo Sguassábia
É certo que alguém de sua envergadura moral, investido da autoridade esotérico-telúrica com que foi agraciado pelo Olimpo, jamais deveria ser visto por aí de testa franzida, espinha arriada e olhar embaçado, sem o brilho via-lácteo de outrora. Não obstante, é assim que o Duña vem se apresentando a quem o vê em seu vagar errante por entre hortas e granjas da nossa zona rural, a esmagar rabanetes e pintinhos de um dia.
Decididamente, este guardião das verdades eternas há muito não é mais o mesmo. Eu, que tenho o privilégio de privar de sua intimidade, habitué que sou dos longos serões na sua choupana, afianço-lhes que a situação assim se configura e tende a agravar-se. Tantos são os pedidos de autógrafos e fotos com criancinhas ranhetas, as prescrições de rezas-bravas, os conselhos, unguentos, bençãos, imposições de mãos sobre feridas e aleijões que já não lhe resta tempo nem de remover discretamente uma cera do ouvido, quanto mais de usufruir de reparador banho de imersão nas Thermas ou de deliciar-se com duas ou três bagas de jaca ao molho barbecue, receita de família que o mestre tanto adora preparar e deglutir.
Tenho cá para mim que seu lado humano clama um tanto pelo ócio criativo a que os comuns dos mortais têm direito. Coisas triviais como coçar uma frieira, dar umas baforadas em seu cachimbinho de jacarandá olhando o firmamento ou trocar um dedo de prosa com seu dileto amigo Silas, discípulo desgarrado e hoje carteiro em vias de se aposentar.
O Duña também é gente, é bom que não esqueçamos. De carne e osso se apresenta à pecadora humanidade, que lhe ergue bustos sem cessar, de bronze e mármore de Carrara, nas praças das grandes, pequenas e particularmente das médias cidades. Talvez a causa do desalento seja faltar ao Oráculo um superior, um outro Duña ainda mais onipotente em quem se espelhar para inspirar seu sacerdócio. Imaginem vocês o quanto deve ser solitário amparar a todos e não poder lançar-se ao colo de quem quer que seja para um providencial cafuné. Ou ter de aturar um arrastão de sacripantas, batendo à sua porta às 3 e meia da madrugada, ávidos por um palpite para o próximo sorteio da Mega Sena acumulada.
É hora de retribuir, ao fulgurante ser duñesco, uma centésima parte das bem-aventuranças e dos casos instantâneos de cura de que nos servimos a um simples toque na sua túnica, nos bons tempos em que era moço e com a longa barba ainda ruiva. Não deixemos que a esplendorosa criatura renda-se ao poço da depressão incapacitante, que nos privaria irremediavelmente dos borbotões de enunciados, teoremas e máximas que há gerações jorram de sua boca para influenciar os destinos do planeta. Sugiro que o deixemos em paz nas suas meditações fecundas, para que dessa inércia restauradora ele ressurja em seu viço de líder espiritual. E para que possa, novamente, dirimir as indagações comuns aos gurus de sua estirpe: Qual o sentido da vida? De onde viemos? Para onde vamos? Por que os jalecos dos mecânicos irlandeses apresentam mais manchas nos cotovelos que os de seus colegas hondurenhos?
* Redator publicitário há mais de 20 anos, cronista de várias revistas eletrônicas, entre as quais a “Paradoxo”
* Por Marcelo Sguassábia
É certo que alguém de sua envergadura moral, investido da autoridade esotérico-telúrica com que foi agraciado pelo Olimpo, jamais deveria ser visto por aí de testa franzida, espinha arriada e olhar embaçado, sem o brilho via-lácteo de outrora. Não obstante, é assim que o Duña vem se apresentando a quem o vê em seu vagar errante por entre hortas e granjas da nossa zona rural, a esmagar rabanetes e pintinhos de um dia.
Decididamente, este guardião das verdades eternas há muito não é mais o mesmo. Eu, que tenho o privilégio de privar de sua intimidade, habitué que sou dos longos serões na sua choupana, afianço-lhes que a situação assim se configura e tende a agravar-se. Tantos são os pedidos de autógrafos e fotos com criancinhas ranhetas, as prescrições de rezas-bravas, os conselhos, unguentos, bençãos, imposições de mãos sobre feridas e aleijões que já não lhe resta tempo nem de remover discretamente uma cera do ouvido, quanto mais de usufruir de reparador banho de imersão nas Thermas ou de deliciar-se com duas ou três bagas de jaca ao molho barbecue, receita de família que o mestre tanto adora preparar e deglutir.
Tenho cá para mim que seu lado humano clama um tanto pelo ócio criativo a que os comuns dos mortais têm direito. Coisas triviais como coçar uma frieira, dar umas baforadas em seu cachimbinho de jacarandá olhando o firmamento ou trocar um dedo de prosa com seu dileto amigo Silas, discípulo desgarrado e hoje carteiro em vias de se aposentar.
O Duña também é gente, é bom que não esqueçamos. De carne e osso se apresenta à pecadora humanidade, que lhe ergue bustos sem cessar, de bronze e mármore de Carrara, nas praças das grandes, pequenas e particularmente das médias cidades. Talvez a causa do desalento seja faltar ao Oráculo um superior, um outro Duña ainda mais onipotente em quem se espelhar para inspirar seu sacerdócio. Imaginem vocês o quanto deve ser solitário amparar a todos e não poder lançar-se ao colo de quem quer que seja para um providencial cafuné. Ou ter de aturar um arrastão de sacripantas, batendo à sua porta às 3 e meia da madrugada, ávidos por um palpite para o próximo sorteio da Mega Sena acumulada.
É hora de retribuir, ao fulgurante ser duñesco, uma centésima parte das bem-aventuranças e dos casos instantâneos de cura de que nos servimos a um simples toque na sua túnica, nos bons tempos em que era moço e com a longa barba ainda ruiva. Não deixemos que a esplendorosa criatura renda-se ao poço da depressão incapacitante, que nos privaria irremediavelmente dos borbotões de enunciados, teoremas e máximas que há gerações jorram de sua boca para influenciar os destinos do planeta. Sugiro que o deixemos em paz nas suas meditações fecundas, para que dessa inércia restauradora ele ressurja em seu viço de líder espiritual. E para que possa, novamente, dirimir as indagações comuns aos gurus de sua estirpe: Qual o sentido da vida? De onde viemos? Para onde vamos? Por que os jalecos dos mecânicos irlandeses apresentam mais manchas nos cotovelos que os de seus colegas hondurenhos?
* Redator publicitário há mais de 20 anos, cronista de várias revistas eletrônicas, entre as quais a “Paradoxo”
O repúdio ao sentido faz a graça deste texto que um doido talentoso como Campos de Carvalho assinaria. Idéias, situações, imagens jorram com fluência natural, sem jamais ceder a facilidades e impondo velocidade à leitura. Cheguei a pensar que se tratava de um deboche aos 40 anos de Woodstock. Mas não. Pura invencionice tua, caro Marcelo, mestre nosso da criatividade sem freios. Parabéns.
ResponderExcluirParabéns pelo texto criativo !
ResponderExcluirMarcelo, deve ser duríssimo ser um Líder espiritual....
Lembrei-me daquela frase de Paulo Diniz" é lúcido, válido e inserido no contexto". Eram os anos de chumbo. Ao mesmo tempo que não sou nada espiritual, não tenho nenhuma resposta e nem me atrevo a fazer tais perguntas, lembrei-me de mim mesma, nada lider, mas com a agenda tão cheia que mal posso vir aqui próximo, da meia-noite deliciar-me com tão degustável texto. Durmo menos mas venho. E sem stress. Adorei!
ResponderExcluirerrata: despreze a vírgula depois de "próximo".
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