Mas minha avó morreu sem ver o mar
* Por Paulo Mendes Campos
A minha avó morreu sem ver o mar. Suas mãos, arquipélago de nuvens,
Matavam as galinhas com asseio, o mar também dá sangue quando o peixe
Vem arrastado ao mundo (o nosso mundo); no entanto no mar é muito diferente.
As gaivotas, mergulhando, indicam o caminho mais curto entre dois sonhos
Mas minha avó era feliz e doce como um nome pintado em uma barca.
Sua ternura eterna não temia a trombeta do arcanjo e o Dies Irae:
Sentada na cadeira de balanço, olhava com humor os vespertinos.
Sua figura pertenceu à terra, porém o mar, rainha impaciente,
O mar é uma figura de retórica. No porto de Cherburgo, há muitos anos,
Ouvi na cerração o mar aos gritos, mas minha avó jamais ergueu a voz:
Penélope cristã, enviuvada, fazia colchas de retalhos fulvos.
O mar é uma louça que se parte contra as penhas, enquanto minha avó
Fechava a geladeira com um jeito suave, anterior às geladeiras.
Igual ao mar, os dedos da manhã a despertavam num rubor macio;
Pelo seu corpo quase centenário a invisível vaga do sol se espraiava,
A carne se aquecia na torrente dos constelados glóbulos do sangue,
As pombas aclamavam outro dia da crônica do mundo (o nosso mundo)
E de uma criatura que se orvalha em suas bodas com a terra dos pássaros
Matutinos, das frutas amarelas, da rosa ensangüentada de vermelho
O verde, o miosótis, o junquilho, em tudo um rumor fresco de águas novas,
Um verdejar de abóboras, pepinos, um leite grosso e tenro, e minha avó
Com tímida alegria, indo, vindo, a prever e ordenhar um dia a mais,
Assim como as abelhas determinam mais 24 horas de doçura,
E enfim no litoral destes brasis, o mar afogueado amando a terra
Com seu amor insaciável, dando um mundo ao mundo (o nosso mundo)
E a gravidade intransigente do mistério. Mas minha avó morreu sem ver o mar.
* Por Paulo Mendes Campos
A minha avó morreu sem ver o mar. Suas mãos, arquipélago de nuvens,
Matavam as galinhas com asseio, o mar também dá sangue quando o peixe
Vem arrastado ao mundo (o nosso mundo); no entanto no mar é muito diferente.
As gaivotas, mergulhando, indicam o caminho mais curto entre dois sonhos
Mas minha avó era feliz e doce como um nome pintado em uma barca.
Sua ternura eterna não temia a trombeta do arcanjo e o Dies Irae:
Sentada na cadeira de balanço, olhava com humor os vespertinos.
Sua figura pertenceu à terra, porém o mar, rainha impaciente,
O mar é uma figura de retórica. No porto de Cherburgo, há muitos anos,
Ouvi na cerração o mar aos gritos, mas minha avó jamais ergueu a voz:
Penélope cristã, enviuvada, fazia colchas de retalhos fulvos.
O mar é uma louça que se parte contra as penhas, enquanto minha avó
Fechava a geladeira com um jeito suave, anterior às geladeiras.
Igual ao mar, os dedos da manhã a despertavam num rubor macio;
Pelo seu corpo quase centenário a invisível vaga do sol se espraiava,
A carne se aquecia na torrente dos constelados glóbulos do sangue,
As pombas aclamavam outro dia da crônica do mundo (o nosso mundo)
E de uma criatura que se orvalha em suas bodas com a terra dos pássaros
Matutinos, das frutas amarelas, da rosa ensangüentada de vermelho
O verde, o miosótis, o junquilho, em tudo um rumor fresco de águas novas,
Um verdejar de abóboras, pepinos, um leite grosso e tenro, e minha avó
Com tímida alegria, indo, vindo, a prever e ordenhar um dia a mais,
Assim como as abelhas determinam mais 24 horas de doçura,
E enfim no litoral destes brasis, o mar afogueado amando a terra
Com seu amor insaciável, dando um mundo ao mundo (o nosso mundo)
E a gravidade intransigente do mistério. Mas minha avó morreu sem ver o mar.
Que poetastro, o Paulo Mendes Campos! Avesso a badalações, esqueceu-o a mídia e, por conseguinte, gerações e mais gerações de leitores que aplaudem a patetice constrangedora de um Paulo Coelho que fala de magia e mistério - temas usurpados da poesia.
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