sábado, 5 de maio de 2018

Vazio... - Aliene Coutinho


Vazio…

* Por Aliene Coutinho

Ana tentara dormir por toda noite. Viu as horas passarem lentamente, até enfim os primeiros raios de sol. Levantou sentindo o peso do mundo nas costas e em um banho demorado tentou lavar a alma de todas as angústias que sentia. Era mais um daqueles dias em que a vida parecia um grande tédio, um vazio imenso, que nada poderia preencher. Mas era necessário acordar e sair. Cumprir horários, regras, cumprimentar o vizinho que pegava o mesmo ônibus, depois sorrir para o moço da padaria que servia o café amargo, sentar na mesma cadeira, de frente a mesma mesa do escritório, e finalmente digitar as senhas – essas mudavam esporadicamente contra sua vontade – para dar início ao trabalho.

Gostaria de sentir outras emoções. Talvez até o ato de respirar pudesse ser diferente, tudo era tão mecânico e previsível. Gostaria de olhar ao redor e ver, nas mesmas pessoas que fosse, outros semblantes. Gostaria de ouvir outros sons, e acreditar que por trás de tudo aquilo, havia um palco iluminado para uma platéia tão seleta, que ela se sentiria nobre por estar ali. Naquele dia, sentia-se vazia e só e todas as tentativas de melhorar seu humor foram em vão. Se há momentos em que tudo cansa, aquele era um deles. Tinha a nítida impressão que não havia solução para problema algum, sentia uma náusea da vida. Quem era, o que fora, e o que fizera para estar ali?

Lembrou da infância que não tivera, dos amores que nem percebera, dos amigos que se existiram foram tão insignificantes que não constavam nem na sua agenda. Sempre fora o que era naquele momento e nada a tirava daquele torpor que a fez ficar sem dormir e ao mesmo tempo a conduzia todos os dias a fazer as mesmas coisas. O que move as pessoas a continuar a viver? O que essa busca pela felicidade que ela sempre ouvira falar? O que faz alguém sorrir com a alma? O que é sentir-se realmente vivo? Por que tanta gente, assim como ela, leva a vida sem viver? Para quê? Por quem? Naquele momento, ela também se perguntava por que perdia tempo em questionar tantas coisas, quando sabia que não havia respostas? Ela nascera, vivera, ia completar 40 anos, e nada mudou em sua vida.

Fim do expediente. Desligou o computador, recolheu os papéis, fechou a gaveta da mesa, vestiu o casaco, passou um batom rápida e nervosamente. Levantou. Elevador lotado, mais rostos, risos, vozes. Murmurou um até logo para o ascensorista. Na rua, caminhou devagar, misturou-se à multidão, aspirou o cheiro das pessoas, olhou fotografando cada canto que via até chegar ao viaduto. Sem olhar ao redor, nem pensar duas vezes, se jogou lá embaixo. Os colegas de trabalho foram ao enterro e cobriram o corpo dela com rosas amarelas. Era dessa espécie que ela sempre mantinha um botão sobre a mesa.

* Jornalista e professora de Telejornalismo.






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